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Café: extra-forte


Julieta parecia uma certeza, antes de ver o filme. O pôster, os atores e atrizes, literalmente a imagem que o filme passava era de algo melhor do que o último Almodóvar, Amantes Passageiros. Da melhor forma possível, em um feriado olímpico em meados de agosto, frio, chuva, cachecol e café.
***

Julieta é inspirado em três contos de Alice Munro, de seu A Fugitiva e uma ansiedade surge quando se sabe disso apenas após a projeção, quando se começa a pensar e pesquisar o filme. Alice Munro é Nobel, mas isso não importa muito – apenas atesta uma qualidade já sabida anteriormente. Ela escreve sensivelmente, deliciosamente sobre ser mulher, sobre as mulheres que passaram e passam por sua vida e da forma como a vida se apresenta, em contos que nos deixam com vontade de saber mais. Você começa um livro despretensiosamente, sem nem saber nada direito da autora e quando se dá conta, já comprou dois, três, quatro. Dói acabar de ler e se despedir daquelas personagens todas. Imagino que Almodóvar se apegou tanto a elas, que lhes dedicou um filme inteiro.


Então, o livro é A Fugitiva, os contos são Ocasião, Daqui a pouco e Silêncio. A história de Almodóvar é a de uma mulher sofrida que se apega à ausência da filha como um vício, na esperança de um reencontro após uma tragédia. Julieta é professora de literatura clássica e ensina justamente as tragédias, epopeias e grandes clássicos. Interpretada por Adriana Ugarte e Emma Suárez nos dois tempos da trama, as duas atrizes são imensas no que lhes competem. Adriana Ugarte se transforma de uma jovem e moderna professora a uma mãe que então entra em uma depressão absurda e ela nos faz participar de sua dor. Emma é a Julieta que se reconstrói, que aceita o passado e precisa viver sozinha. Ao mesmo, a recaída, como a volta de um vício ruim a transforma e a depressão a alcança novamente. Mas nossa protagonista não é a única mulher de que precisamos falar.

Almodóvar já foi estudado em não sei quantos artigos, muito se fala sobre suas mulheres, sobre sexualidade e não é à toa. Todos os seus filmes abordam os dois temas que fazem parte da própria vida do diretor, como os protagonistas neuróticos de Woody Allen, os perversos de Kubrick ou os intensos de Bergman. As mulheres em Almodóvar são quase em todos os seus filmes, protagonistas fortes e humanas, personagens complexas e apaixonantes em todas as cores – os famosos e vivos vermelhos, verdes, laranjas e azuis – e sempre ultrapassam barreiras, há sempre um risco iminente e elas se sobressaem, porque precisam viver acima do que as atormenta. São mulheres que atropelam o machismo com um caminhão, passam por cima e às vezes, nem reconhecemos o tema como algo que as abale tamanha sua força perante o que se apresenta. Seus homens - principalmente os heterossexuais - são acompanhantes, à exceção do que vemos em A Pele que habito e Má Educação, talvez - são relegados ao plano de complemento, participando das histórias delas.


Julieta se apega à Ava (Inma Cuesta), ex-amante e amiga de seu marido Xoan, precisava de suporte e sozinha não conseguiria dar conta do que se lhe apresentaria. Sua família era em si uma tragédia repetida de uma mãe em declínio físico e mental e um homem que a substituía quase por não haver alternativa. É um daqueles momentos em que a moral é vencida por uma realidade que a põe em xeque. Ava era uma amiga de todos e a amizade das duas mulheres superava crises de um passado de culpa e remorso. 

O diretor nos impõe questões caras e frequentes, cotidianas que escapam aos filmes bobos, a separação da filha Antia, a escolha dela de se afastar da mãe e escolher em um culto, uma saída para sua liberdade se prendendo de outra forma. Talvez não tenha sido apenas o encontro com a fé, mas a culpa que também a acompanhava, de um relacionamento intenso e não assumido com sua amiga de infância Bea, mas o destino lhe reservará surpresas de uma história que se repetirá.


Almodóvar retoma sua forma anterior a Amantes Passageiros, que instaura uma dúvida, uma coceira ardida como quando uma formiga nos morde. Amantes foi uma comédia de escracho que tentava retomar algum exagero do inicio de carreira, mas faz mal, como uma pornô-chanchada brasileira. Foi um susto, como um pesadelo que assistimos e Julieta vem como um sonho bom, retomando o vigor narrativo de grandes histórias e personagens, rediscutindo suas questões de gênero, sempre entrelaçadas com sexualidade, posicionamento e liberdade de expressão. A fotografia, o estudo de cena e arte reforçam o que o diretor faz melhor junto a sua equipe, em planos que são literalmente gostosos de ver, atiçando o nosso paladar, tornando o filme sensível a mais sentidos do que precisaria.

Se no anúncio de fim, ficamos quase tristes em uma sala lotada em plena noite de segunda-feira fria e chuvosa é porque ele conseguiu novamente. O diretor nos prendeu em sua trama com menos comédia do que alguns de seus filmes anteriores, mas sustentando em poucos atores uma grande tragédia em cores fortes e lindas.
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Esse é certamente o mais formalista dos filmes de Almodóvar. É um thriller, um suspense intenso que nos deixa cada vez mais tensos e boquiabertos a cada cena. É a estória de um cirurgião plástico viúvo (Antonio Banderas) que desenvolve pesquisas para construção de tecido humano. Ele mantém em cativeiro uma cobaia (Elena Anaya) que recebe os cuidados de uma governanta-enfermeira (Marisa Paredes). Todos mantêm uma relação de intimidade conformada, compreendida inicialmente por estarem vivendo sob o mesmo teto, a mansão do médico.
As dicas do filme são só essas: é uma história de vingança e sobrevivência, o título é descortinado após um tempo e gera um encantamento imediato pela inteligência do roteirista e diretor, e de Thierry Jonquet, escritor de Tarântula, história em que se baseia o filme. Os figurinos minimamente desenvolvidos por Paco Delgado a quem desconheço, mas com colaboração de ninguém menos que Jean-Paul Gaultier, com tecidos elásticos que cobrem todo o corpo como uma segunda pele, os cenários simbolicamente definidos entre a ausência e a abundância de objetos, o voyeurismo. Neste filme, literalmente, tudo tem seu lugar.
A trama não comporta escrúpulos ou saídas fáceis. Entendemos isso logo no início e também deles temos que nos libertar, o filme precisa ser visto sem amarras, entendido como um jogo e ser participado com cúmplices e não juízes. Muitos fetiches e como não poderia de ser, há também uma importante questão de gênero e poder. Marca registrada do diretor, a sexualidade mais uma vez é ponto-chave na trama, mas agora levada a um outro patamar e abordada de uma forma inteiramente nova na filmografia do diretor.
O filme acontece num labirinto de situações que vão explicando aos poucos o que seria o presente, preenchendo as lacunas de um mistério kafkaniano e nos preparando para um desfecho quase imprevisível. Quase, porque as saídas deixadas para a resolução da trama vão se reduzindo com a gravidade das ações dos personagens, os abusos de poder, as violências, seus passados. A trilha sonora é tão presente quanto os demais elementos; como sempre, Almodóvar orquestra todas as camadas da criação de forma a torná-las fundamentais à diegese. As músicas eliminam as palavras e nos deixam sem ar, assim como as interpretações dos atores. Os cenários como já citei, nos ajudam a imaginar uma prisão confortável para o corpo mas, como todas devem ser, impossível para a mente.
O formalismo se justifica nas minúcias da produção, no desenrolar de uma trama ousada, arquitetada quase matematicamente. A música forte, incidente, criminosa quase, traz à memória o suspense Hitchcockiano e o amplia. Funciona como pontos de intensidade e, ao mesmo tempo que nos deliciamos com a velocidade das notas dos violinos, ficamos emocionados e quase escondemos o rosto ou tapamos os ouvidos. O efeito criado é como de um voyeurismo para os ouvidos, às avessas. Ou como nos filmes de terror em que sabemos que o mal vai aparecer e tampamos os olhos com as mãos, mas sempre deixando os dedos afastados. É impossível não olhar, como neste filme é impossível não ouvir. Antonio Banderas está transtornado como seu personagem exige, transformado em outro ser, e quanto à Elena Anaya e Jan Cornet, é melhor que não se diga muito. Suas atuações são como o mistério da obra, não merecem ser reveladas em texto.
Diferente de outros filmes em que costumamos dizer que as histórias são todas iguais e defendê-los indicando que o que importa é a forma de contá-las, em La Piel que Habito temos duas imensas razões para assisti-la: uma história verdadeiramente original abraçada a uma forma perfeita. Que fique claro: o começo-meio-e-fim existe, o filme garante a narrativa que conhecemos e que não temos dificuldades em acompanhar. Há aquele momento decisivo, onde o personagem não terá sua vida cotidiana de volta porque sua atitude marcou seu destino. E o melhor de tudo: neste filme, a reviravolta acontece com todos os maiores personagens. Todos têm um pouco da trajetória do herói em suas próprias vidas.
Mais um dos filmes que nos deixa perplexos e felizes, Almodóvar surpreende numa obra realmente nova, escapando um pouco de seus temas habituais de amor e ambicionando outros ‘gêneros’, se é que podemos enquadrar um filme deste diretor em algum. Não sei se pela importância e poder de que este filme já é imbuído, mas foi o melhor dos 14 que vi no Festival e possivelmente o melhor do ano até agora.

*Festival do Rio 2011.
Título Original: La Piel que Habito
Com: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet
Diretor: Pedro Almodóvar
Espanha, 2011. 117 min
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Antes de sair de férias, previ que teria tempo de escrever as despedidas, dicas para deixar o tempo passar, para seguir se perdendo nas listas intermináveis que ponho aqui e que a Netflix nos impele e subverter. Ledo engano: o trabalho me tomou, tendo que adiantar tudo aqui para sair de férias, com 'o resto da vida' que corre em paralelo e pronto, nada aconteceu. Mas, agora volto depois de pouco mais de um mês, no meio da semana para correr atrás do tempo, tão caro e escasso ultimamente.

De volta das férias magníficas que trarão publicações posteriores, segue o retorno das Maravilhosidades com um pouco de novidade, clássicos, seriados e documentários. Tem para todos os gostos! 

ata-me-almodovar
Ata-me (1989, de Pedro Almodóvar) – 101 minutos
Almodóvar não é novidade no reino do cinema. Todo mundo pelo menos já ouviu falar do diretor de Fale com ela, Volver, Má Educação, A pele que habito e Julieta para lembrar apenas de alguns ótimos filmes. Todos estes, contudo são de sua nova safra, mas a Netflix esconde algumas pérolas, como Ata-me, de 1989, com Antonio Banderas novinho e Victoria Abril fazendo um par romântico inesperado e esdrúxulo. Banderas é Ricky, um homem que acaba de sair de um manicômio e decide encontrar a mulher de uma vida, uma ex-atriz pornô que encontrou apenas uma vez e que hoje atua em um filme b de um diretor aficionado por ela. A forma que Ricky encontra de seduzir e convencer a mocinha a viver com ele é simples e direta: um sequestro, até que ela entenda que o ama. Inesperado, ousado e divertido, traz um Pedro Almodóvar mais livre, com as liberdades sexuais contrastando com os sexismos da indústria do cinema e da vida e ainda, com as cores lindas e fortes que o diretor sempre imprime em seus filmes.

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O homem irracional (2015, de Woody Allen) – 95 minutos
Saindo de um grande diretor para outro, o Woody Allen de 2015 é este Homem Irracional, uma comédia com humor negro escondido em grandes diálogos e moral duvidosa. Joaquin Phoenix é um professor de filosofia entre o prestígio e a decadência que começa a lecionar em uma universidade onde é adorado, especialmente pelas mulheres. Ali, deprimido, é levado a uma situação extrema e descobre uma vida melhor após uma drástica decisão. A comédia aqui é levada ao limite e não haverá gargalhadas, mas as pontuações entre as aulas de filosofia e sua aplicação prática são mordazes e lógicas: de alguma maneira podemos acabar concordando com a situação e essa é a grande qualidade do filme, além da interpretação de Joaquin e Parker Posey. Não será o melhor filme do diretor, mas já ganha do fraquinho Magia ao Luar e nos deixa ansiosos por uma chance de ver sua série nova na Amazon (Crisis in Six Scenes) e seu próximo filme, em pre-produção. Isso tudo no aguardo, depois de Café Society lançado esse ano e lembrando os 80 anos de possivelmente o diretor mais ativo do planeta.

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Black mirror (2011-, de Charlie Brooker) – 60 minutos / episódio
A terceira temporada estreou essa semana, então o assunto é quente em todas as publicações do gênero. Black Mirror, desde a sua estreia traz a pauta do futuro distópico e não tão distante e suas relações com tecnologia, redes sociais, política, sociedade, tudo o que nos cerca, por fim. Cada episódio é independente do anterior, mas todos trazem um diálogo crítico do que vivemos hoje, de como nos relacionamos em família, com os conceitos de poder, informação e sociedade e muitas vezes em que parecemos ver um episódio levado ao exagero, nos deparamos com alguma situação similar, talvez em menor escala, que conhecemos, algum fato de um amigo, de um político, algum escândalo real. A série é extremamente bem produzida e abre espaço para discussões sobre o que queremos para o futuro e de que forma  nos comunicamos, usamos e vivemos nossas informações e as que temos de quem nos cerca, de que forma e se usamos as tecnologias a nosso favor, por um viés de evolução social ou em benefício próprio. Vale, pelo menos e com certeza, o primeiríssimo episódio da primeira temporada.  

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A family affair (2015, de Tom Fassaert) – 110 minutos
Uma história de família, para mim, é um dos maiores assuntos para se fazer um grande filme, principalmente se for documentário. Essa ideia de investigar quem somos a partir de quem, em tese, nos conhece melhor, corrompe aquela outra de que o documentário deveria ser objetivo e enriquece ainda mais o gênero. Aqui, o diretor Tom, de 30 anos, que mora na Holanda é convidado por sua avó com então 95 para que lhe visite na África do Sul. Ali, os dois conversam por dias e ele filma todo o encontro: sua avó em si é um personagem para a grande história, abandonou os filhos a uma espécie de orfanato/creche e foi viver a vida como modelo, independente e afastada do resto da família. O filme é esplêndido, como Elena e Stories we tell, por dar diversas dimensões a uma história sem heróis e bandidos, por mais que sejamos levados a criticar essa mulher à primeira vista. Impressionante, contagiante e interessante, é um dos melhores filmes documentários da Netflix hoje.

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Requisitos para ser uma pessoa normal (2015, de Leticia Dolera) – 90 minutos
Primeiro filme dirigido por Leticia Dolera, que também o escreve e protagoniza, este Requisitos é uma comédia deliciosa. Letícia é Maria de las Montañas, uma mulher que chega aos trinta anos voltando para a casa da família, sem dinheiro, sem namorado, sem vida social e sem emprego. No meio desta crise sem fim, Maria segue os preceitos de um livro de autoajuda e com uma troca de favores com um novo amigo que precisa perder peso – um de seus requisitos para ser normal – consegue, aos poucos, entender porque ela quer ser normal, se ela precisa disso e que requisitos realmente são importantes para ser feliz, normal, não normal, aceita ou qualquer termo que a satisfaça. Leve, inteligente e crítico sem ser chato, o filme passa que nem percebemos e acaba bem, nos fazendo buscar outros filmes e séries que a diretora multitarefa possa ter participado. 
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Um reencontro. O clichê do bom cinema bate forte, daquela saudade de rever um amigo de longa data que, depois de alguns desentendimentos, se reconhece e se percebe o fim de uma pequena briga e da imensa falta que se fez a partir dela. Assim foi Dor e Glória, de Pedro Almodóvar, em cartaz nos cinemas.

Um homem atormentado com os incômodos das inércias e traumas da idade. As dores físicas de todo o tipo que passamos a conhecer depois de décadas vividas, das experiências sentidas, perdidas, escondidas nos armários entreabertos da memória e do corpo. Salvador (Antonio Banderas) é esse homem, diretor e roteirista de cinema, um tanto escritor, que vive entre os termos do título do filme, parado no tempo, sem perspectiva de um movimento saudável e perene. Enquanto revive sua trajetória a partir do convite da Cinemateca para reexibir sua maior obra, se depara com um vai e vem de histórias entrelaçadas que nos conta quem é esse homem, como se formou, educou, relacionou e que sobra é essa que se exibe, sombra solitária em uma casa de artista, cheia de obras de arte e vazia de vida, como um museu com as cores do diretor espanhol.


O verde e o vermelho escorrem pela tela com as nuances e os tons fortes que marcam toda a sua filmografia e fotografia vibrantes. Os enquadramentos da mesa onde escreve lembram Julieta, os isolamentos dos protagonistas nos dois filmes também. O reconhecimento de um história vivida nos olhos de um homem se vê aqui e em Fale com Ela. O elenco familiar a todos nós, a mãe que canta, uma Penélope Cruz que abre o filme nos lembrando Volver naquela cena maravilhosa e dublada - linda toda a vida mesmo assim. O humor ácido que percorre toda a sua obra, o desejo que escorre de todos os seus filmes e  neste, em uma sequência inesquecível e que nos confunde os sentimentos, com Federico (Leonardo Sbaraglia), a infância e recortes biográficos contados de uma outra forma, além de Má Educação. Os padres desenganados. Está tudo aqui.

Estudando literatura e cinema, duas artes que carecem do desenvolvimento de histórias, narrativas, acabamos encontrando um lugar comum em nossas próprias produções. Alguns professores já nos disseram que um indivíduo, qualquer que seja, se afeiçoa e aperfeiçoa nos mesmos assuntos, provavelmente por toda a sua vida. Não é difícil entender, ao passo que também não é tão óbvio quanto parece, quando assim posto. Os interesses podem nos ser múltiplos, mas a nossa produção acaba pairando sobre os mesmos temas. Assim acontece com um reles mortal, tanto quanto com o diretor espanhol. Ao falar de si - em seus filmes há sempre e cada vez mais essa marca - acaba falando um pouco de todos nós; em sua forma de contar de si, nos aproximamos e encontramos ressonância em nossas vidas. Talvez daí e assim, o interesse sobre suas obras seja tão grande - além claro, de sua qualidade artística inquestionável.


Almodóvar retoma sua marca autobiográfica em um filme que parece remeter tanto o presente quanto alguns momentos ainda não abordados de sua história, os primeiros desejos, as descobertas da infância, a relação com a mãe e uma ausência progressiva do pai. A falta de dinheiro e as soluções para a moradia alimentam a curiosidade sobre a vida real do diretor, se é parte de ficção, fantasia, o que se conta ou se de fato aconteceu, uma casa caverna, romantizada sob cores, do olhar da criança e da mãe que luta para embelezar a pobreza rude. O filme percorre uma narrativa criativa e inesperada entre flashbacks e metalinguagem, de retomada de relações e acordos com o passado sem tanta racionalização, mas sob os efeitos de um presente em que se começam a propor mudanças. É o fim de uma inércia por uma necessidade de viver, simplesmente.

O filme investe nesta sensibilidade própria das obras do diretor que, em sua forma de contar, aproxima o espectador, fazendo com que ele se relacione de alguma maneira àquela realidade que não lhe pertence. Junto com Julieta – Amantes Passageiros foi um ponto fora da curva – o diretor volta à sua forma brilhante e esplêndida de contar o que quer que seja nos fazendo querer ver mais – seus grandes filmes sempre pareceram tão curtos, um paradoxo ao nosso encantamento com seus personagens, diálogos, dramas e cores. Poderia fazer uma série e nos deixar mais tempo com essa experiência. Enquanto não acontece, o filme segue para ser revisto, fundamentalmente, nos cinemas.


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Fim de semana do dia das mães chegando e por que não falar um pouco sobre elas? Essas moças que são responsáveis por nossa existência (não que os pais não sejam, calma Brasil!), nos trazem a vida, educação, carinho e amor eternos. Nada mais justo que lhes dar uma sessão de filmes variados e especialíssimos. Se por alguma infelicidade você estiver longe da sua, sem problemas, os amigos e a família estão aí pra isso. É diversão garantida!

Tudo sobre minha mãe (1999, de Pedro Almodóvar) – 101 minutos
Vamos de Almodóvar no dia das mães? Além do Oscar de filme estrangeiro, esse levou outros 54 prêmios e 37 indicações. Olha o elenco: Cecilia Roth, Marisa Paredes, Penélope Cruz, para ficar com as mais conhecidas. Essa é a história de várias mulheres ao mesmo tempo, mas a linha narrativa corre sobre a de Manuela, que sofre com a morte do filho. Além disso, o filme fala sobre mulheres e suas vidas, diversas maternidades, amizades, preconceitos, histórias ficcionais que bem poderiam ser reais. Com um roteiro impecável e a direção de ‘você sabe quem’ (Fale com ela, Má educação, A pele que habito, Volver, etc), é filme obrigatório para a vida.

Tudo pode dar certo (2009, de Woody Allen) – 92 minutos
Woody Allen em sua melhor forma e para quem não gosta do homem atuando, ainda serve de alívio. Aqui ele chama outro comediante de peso, Larry David, para falar sobre as complicações da vida a dois e como conviver com as diferenças. O filme é uma delícia, Larry David – que criou a série Seinfeld junto com Jerry – é Boris, um homem separado e cheio de manias, medos e com toda essa inteligência e insegurança colossais, surge um humor único, um pouco da voz do próprio Woody. A seu lado, uma Lolita fofa e nada boba (ou talvez um pouquinho) de nome Melody, por Evan Rachel Wood. Além da dupla, ainda temos Patricia Clarkson em um papel maravilhoso como a mãe de Melody. Imperdível, leve e divertido.

Forrest Gump (1994, de Robert Zemeckis) – 144 minutos
Outro dia uma amiga me disse que não tinha visto Sociedade dos poetas mortos, um desses filmes de tempos atrás que a gente acha que todo mundo conhece. Levando isso em conta e como volta e meia aparece um clássico que perdemos por alguma razão, eis Forrest Gump. Tom Hanks encabeça um ótimo elenco nesta história de vida e amor tão terna quanto linda. O filme é um desses clássicos modernos, com Robin Wright (sim, Claire Underwood de House of Cards), Sally Field e Gary Sinise que a partir dos acasos, encontra uma alternativa para viver, ultrapassando grandes momentos da história norte americana (e em alguma instância, mundial). Ainda duvida? Zemeckis dirigiu a trilogia De volta para o futuro. E Náufrago.
 
Preciosa (2009, de Lee Daniels) – 110 minutos
Primeiro papel da vida de Gabourey Sidibe, Preciosa é um soco no estômago. A moça negra, pobre e obesa parece ter vindo ao mundo para sofrer. Vindo de um lar disfuncional – que soa até eufemismo, perto das barbaridades que vive – não parece haver escapatória para a moça e em algum momento a história que já parece ruim, piora absurdamente. Passando por esses nós que constroem a vida de nossa heroína, dê tempo e verá porque é uma das grandes atrizes de nosso tempo, já em sua estreia. Lee Daniels é o diretor de O Mordomo da casa branca (2013) e traz junto com Sidibe, Lenny Kravitz, Mariah Carey e Mo’Nique em uma interpretação que nos dá vontade de socar a tela, como a odiosa mãe de Preciosa.

Juno (2007, de Jason Reitman) – 96  minutos
Pronto, agra acabou a sessão tortura do dia das mães e veio a bonança. Juno é um drama que lançou Ellen Page. A garota, ainda na escola, engravida do namorado (Michael Cera) e entende que não tem maturidade suficiente para criar a criança, ainda que descarte o aborto como opção. Assim, esse drama-comédia nos leva neste misto de maturidade e adolescência, na convivência familiar e na quebra de paradigmas. É muito bom.  Aqui você ainda encontra Jennifer Gardner e Jason Bateman. Dá pra ver em família e ainda rende grandes e interessantes debates.   
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Vivemos um momento histórico e sabemos disso. Talvez seja uma das poucas coisas de que temos certeza ultimamente. Com nossa profunda e complexa crise política, é muito difícil discutir com os amigos de opiniões diferentes explicando-lhes que opiniões não necessariamente são carregadas de bandeiras coloridas. Podem não ter cor nenhuma, podem nem ser bandeiras, inclusive. Assim, se estiver um pouco cansado dessa dicotomia forçada que a grande mídia tenta produzir e que os mais distraídos parecem comprar, te mando escolhas certeiras e outro assunto para debater. Um pouco de cinema nunca fez mal a ninguém e as discussões aqui não encerrarão amizades com certeza, mas estimularão o intelecto, a curiosidade e ampliarão a forma de pensar. Não esqueça a política e embarque nela junto, pois é importante pelo menos tentar entendê-la. Quando cansar, passa aqui, que te ajudo.

A pele que habito (2011, de Pedro Almodóvar) – 120 min
Escolha certa para começar o fim de semana com coragem. Almodóvar sempre estará nas listas, faz parte do Olimpo dos grandes diretores, como Hitchcock, Kubrick, Allen, Polanski, Scorsese, Kurosawa, Godard, Truffaut...me perdi. Antonio Banderas é Robert, um cirurgião plástico que faz pesquisas genéticas avançadas de reconstrução de tecido humano a partir de pele sintética. Viúvo, vive com Vera Cruz (Elena Anaya), uma mulher enclausurada, cuja obsessão o impede de libertá-la e para isso, solicita a ajuda de Marilia (Marisa Paredes). Esse é só um trecho da história, cuja sinopse completa estragaria maiores surpresas. Um dos melhores filmes de Amodóvar já feitos, com alta carga de suspense e humor negro, apuro estético como poucos e narrativa tensa até o fim. Surpreendente, se não viu ainda, corre, nem precisa ver o trailer. Quanto menos se souber melhor sairá. Olha a crítica aqui!

Enquanto somos Jovens (2014, de Noah Baumbach) – 97 min
Um respiro depois do suspense. Este é um filme despretensioso. Dirigido por Noah Baumbach, veio na sequência de Frances Ha, para mim ainda o melhor filme do diretor, muito provavelmente por uma identificação com a protagonista e sua história. Em todo caso, este parece nada, se visto sem muita atenção. Aparentemente besta em sua estrutura, vai trazer comparativos interessantes do choque de gerações entre os jovens – aqueles que estão entre os 20 e 30 anos – e os que acabaram de sair dali, entrando nos quarenta. Como não vivemos nada parecido com a geração de nossos pais e a aceleração das tecnologias e mudanças de comportamento não permitiram o amadurecimento de antes, parece que nunca sabemos se ainda somos ‘jovens’ ou se já entramos na categoria ‘adulto’, como se as duas coisas não pudessem coexistir e/ou se o amadurecimento corresse mais lentamente (ou se quiséssemos ser jovens por mais tempo). A dualidade é vista nessa comédia, em que há gente perdida demais, entre uma coisa e outra. Leve, interessante, não espere muito, assim o filme fica melhor. Com Naomi Watts, Ben Stiller e Adam Driver, que desponta em produções independentes, esteve em Frances Ha e na série da HBO, Girls. Também tem crítica! \o/

Now: in the wings on a world stage (2014, de Jeremy Whelehan) – 97 min
Kevin Spacey e Sam Mendes se unem aqui, neste documentário-making of da turnê internacional da peça Ricardo III, de Shakespeare. Tudo acontece antes do ator encarnar Frank Underwood em House of Cards, e ter a oportunidade de assistir às montagens das peças nos maiores teatros do planeta deve ter sido uma das experiências da vida de muitos daqueles atores. O filme extrapola o sentido primeiro de making of, documentário e ficção, ao tempo que traz tudo de uma vez. Para além desse hibridismo o filme cativa por mostrar o lado ‘ser humano comum’ dos atores experientes e menos consagrados na mesma medida. O senso de equipe-família que a convivência intensa proporciona, os luxos de uma apresentação teatral com ares de blockbuster e a montagem, nos deixam boquiabertos. Estava buscando referências do ator por conta de House of Cards – cujo roteiro foi baseado também nesta tragédia e em Macbeth – e encontrei esta pérola, que traz muita coisa de uma só vez. Há mais surpresas na relação com House of Cards, mas não conto aqui.

O jogo da imitação (2014, de Morten Tyldum) – 114 min
Grande filme, conhecido da maioria das pessoas, concorreu ao Oscar no ano passado e é melhor que muitos dos que competiram esse ano. Baseado em fatos reais, conta a história de Alan Turing (Benedict Cumberbatch), um matemático homossexual que tentou desvendar os códigos inimigos das comunicações trocadas na Segunda Guerra, a fim de garantir informações estratégicas aos Estados Unidos em vista de vencê-la. Reprimido por sua sexualidade, tentou encontrar formas de conviver profissionalmente sob imensa pressão e sublimando sua vida pessoal, cuja opção sexual não era aceita como normal. Concorreu a 8 Oscars, levando melhor roteiro adaptdado e perdendo melhor ator para outro sensacional, Eddie Redmayne (Teoria de Tudo, A Garota Dinamarquesa). Com Keira Knightley, Matthew Goode, te prende até o último momento.

Celeste and Jesse Forever (2012, de Lee Toland Krieger) – 92 min
Na linha comédia romântica, um filme bacana, desses que dá vontade de rever. Nem sempre as coisas acontecem quando queremos ou esperamos. Aliás, quase nunca, vamos ser sinceros. Aqui não é diferente e essa semelhança com a ‘vida real’ é o grande gancho do filme. Esta é a história de dois amigos que tiveram um relacionamento, estão separados e agora voltaram a ser amigos. Parece familiar? Pois. O filme vai um pouco além e o casal tem uma química boa, que nos faz querer participar daquele momento. Vale pro finalzinho do domingo, ali, antes de dormir. Com Rashida Jones, Andy Samberg e Elijah Wood. Surpreendentemente, o diretor Lee Toland Krieger fez este antes de A incrível história de Adaline, um filme bem ruim. Vai entender.
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Assim como acontece com Woody Allen, toda vez que estreia algum filme de Almodóvar, é quase uma obrigação assistir. É um trato seguro, os filmes de diretores consagrados são escolhas certas e priorizadas no circuito cinematográfico. São os filmes de autores, garantias de entretenimento pra quem os segue, reduto cult e panelinha do cinema mundial, não importando a estética, gênero e narrativa.

Pois então: com toda essa certeza, fui ver o trailer de Los Amantes Pasajeros e cheguei à triste conclusão de que era bem fraquinho. Um anúncio de comédia boba e afetada, com uma estória que parece só ter meio e não sustenta nem os 3 minutos da propaganda. Ainda assim, o suspense sobre a participação de Penélope Cruz e Antonio Banderas, aliado a um elenco de peso chamavam a atenção e dava uma pontinha de esperança.
Um avião sai de Madri em direção à Cidade do México e tem seu destino alterado quando se descobre que o trem de pouso tem um defeito. A aeronave circula pelo céu espanhol à espera de um aeroporto em condições de atender a um pouso de emergência. A tripulação da classe executiva lida com a tensão do acidente iminente e a tentativa de acalmar seus passageiros, enquanto a classe comercial segue dopada, junto às suas comissárias de bordo – evitando o pânico generalizado. São 90 minutos de avião e filme no ar e até aí tudo certo, não faltam boas histórias em ambientes restritos.
A crise do filme está na ausência de estória que sustente a duração. Enquanto o avião segue gastando combustível e paciência, vemos despedidas por telefone, personagens se conhecendo em diálogos vazios, comédia rasa. Os comissários, três homossexuais, piloto bissexual e co-piloto se descobrindo gay são os comandantes de uma fábula fraca, onde o excesso de chistes cansa mais do que extrai sorrisos. Parece que estamos diante de um roteiro mal escrito, feito às pressas. Depois de A Pele que Habito, é difícil encontrar em Amantes Passageiros a mesma alegria de ver um bom filme. Talvez o diretor tenha chegado àquela linha tênue de vaidade em que acredita poder fazer o que quiser, considerando seu público fiel.
O problema é o contraste. A genialidade dos filmes de Almodóvar está em diálogos bem construídos em tramas intrincadas. Há um cuidado em deixar o filme fechado esteticamente, que nos prenda do início ao fim, num êxtase crescente. Aqui não há trama, mas uma ênfase no sexo pelo sexo. As próprias cenas picantes são tão ocas como a droga que tomam em coquetéis para aliviar a tensão, lembrando quase uma pornochanchada atualizada e com ótima fotografia. Exageros à parte, o incômodo é que, depois de uma filmografia importante, sai um filme diluído em água, sem gosto.
Penélope Cruz e Antonio Banderas abrem o filme indicando problema da trama: o inevitável está ali. As cores e o figurino e os tons de 30, 40 anos atrás favorecem, mas não preenchem a lacuna fundamental da narrativa. Um raro momento que relembra filmes anteriores é a única sequência importante que acontece em paralelo ao avião, mas em terra: um ator dentro do avião liga para sua namorada suicida e acaba reencontrando a ex que nunca deixou de amar. É aqui que chegamos perto de um final feliz. 
Os Amantes Passageiros talvez não seja mais do que isso; uma sequência de situações para fazer passar o tempo, mas que acaba sem rumo definido.
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Numa aula de ética voltada para o trabalho, o professor falava que um certo filósofo entendia que só poderia considerar alguém ético, depois de sua morte. Aí faríamos um apanhado de sua vida, como um currículo pessoal, levantando seus dilemas e resoluções tomadas. Enão, poderíamos qualificá-lo como qualquer coisa. Assim, passamos a vida acima de qualquer suspeita, sem sabermos como definir-nos, mas com isso, carregando uma ‘culpa’ de estar sempre tentando fazer o bem, para que no fim, ganhemos um atestado de boa conduta post-mortem. 

Falo disso, porque tenho uma dificuldade em estabelecer ídolos. Grandes músicos, políticos, homens e mulheres das artes e esportes perderam um pouco desse glamour, dessa aceitação pelo que produzem e eu mesma fico pensando se aqueles que acho incríveis são realmente assim. Não sei se podemos chamar isso de perda da inocência, da ingenuidade que é essa facilidade em acreditar no outro, mas hoje contamos nos dedos quem admiramos fortemente. Pensando no cinema e nos diretores vivos, um que me ganhou e que espero que produza na mesma frequência de Woody Allen é Wes Anderson. 

Antes de O Grande Hotel Budapeste, houve Moonrise Kingdom, um filme delicioso sobre peripécias infantis de dois amigos que resolvem fugir de casa. Ali se concentra muito do que eu gosto de ver: narrativa bem elaborada, ótimos diálogos, um ‘tempo’ diferente, um cuidado especial com a fotografia e a direção de arte, ótima trilha sonora – características que a direção garante, mantendo um conjunto de referências presentes em toda a filmografia do autor, o identificando de cara nos primeiros planos, sem precisar ler os créditos. É esse conjunto de elementos que um colega meu de trabalho chamou de ‘estética’ e que as escolas de cinema entendem como ‘cinema de autor’, basicamente a mesma coisa. 

Em Grande Hotel, todo esse cuidado permanece, assim como o elenco de atores consagrados, cada vez mais numeroso nos filmes do diretor. Agora a história se centra num personagem que conta como se tornou o dono deste hotel grande e notório por abrigar a elite intelectual e solitária do mundo. A narrativa pausada e dividida em partes cansou dois de meus amigos, mas para mim só interessou mais: cada seção tem um título com um porque bem definido, não é uma questão enigmática e a graça é perceber como a construção de mundo é detalhada e perfeita, não temos mesmo do que reclamar. Talvez seja essa a graça dos filmes do diretor: o cuidado na elaboração dos diálogos e a construção toda em volta, cheia de detalhes e chaves e peculiaridades como uma espécie de jogo da vida, em que a cada jogada descobrimos mais regras e novidades – como uma nova sociedade que acabamos de visitar e passamos a conhecer sua cultura. 

Os filmes de Wes Anderson têm mesmo essa particularidade, o sistema de coerências como o professor de roteiro costumava nos ensinar, onde cada elemento da história tem fundamento, ainda que pareça surrealista se pensarmos em nosso mundo real. É um encadeamento de situações, detalhes, enfeites, regras e conversas onde tudo faz sentido, onde não ‘sentimos a cadeira’, ou que ‘a pipoca acabou’. É o cinema em que basta a garrafinha de água do lado e nada mais; toda a concentração vai pra tela que nos leva para essa deliciosa distração em cento e poucos minutos. É um filme que mantém essa aura de ingenuidade quase infantil, como contos de aventura mais uma vez, em que não ficamos satisfeitos com suas cinco partes, mas queremos mais cinco, pra ver que tipo de elaboração vai surgir a partir dali. 

Imagino que para os atores do filme, (Jude Law, Edward Norton, Jason Schwartzman, Harvey Keitel, Bill Murray, Ralph Fiennes, Mathieu Amalric, Adrien Brody, Willem Defoe, Jeff Goldblum, Tilda Swinton, Lea Seydoux e vários outros incríveis que o imdb pode completar aqui) foi muito divertido fazer. Alguns só fizeram pontas, papeis pequenos que funcionaram como um fôlego a mais, uma surpresa, porque nem o cartaz eu vi. Como nos filmes de Woody Allen, Almodóvar, Karim, Polanski e outros, não importa tanto sobre o que é ou quem está nele, muito provavelmente vai ser bom. Então, cada aparição era um presente, como deve ter sido o encontro dessa turma toda nos sets, quando contracenavam. Os diálogos merecem um estudo de caso, bem como a construção dos personagens principais; é o tipo do filme ‘independente’ que carrega tanta riqueza de detalhes que parece que estamos em Hollywood, só que melhor. Não dá pra seguir o que o filósofo que esqueci o nome diz. Não tem como esperar cada escorregada de um ídolo para tirar seu título. De repente precisamos mesmo baixar a guarda e acreditar, não importa que possível besteira eles façam no futuro. Polianamente falando, pode acontecer com qualquer um (vide Woody, Polanski, Hitchcock...mas isso é outra história...). 

Vamos seguir acreditando nas artes pelo menos, em gente como este diretor que prova a cada estreia um talento único para filmes engraçados, ricos, inteligentes e doces. Não à toa, Budapeste levou o grande prêmio do júri em Berlim. Que venham mais mundos, frutos ou não de adaptações literárias – essa veio inspirada por um texto de Stefan Zweig – mas com a criatividade que vai desde a escolha na fotografia, a planificação do roteiro até o site de divulgação. Como os textos de jornais costumam reduzir: imperdível.
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Em 1995, em Enquanto você dormia (1995, de Jon Turteltaub), Sandra Bullock era Lucy, uma bilheteira de metrô que vê sua paixão platônica, Peter (Peter Gallagher) cair da plataforma da estação e entrar em coma. Ela ajuda no resgate e passa a cuidar do desconhecido, se envolvendo com a família dele por um mal entendido, se passando por sua noiva. O filme é das nossas sessões da tarde e está no rol das comédias românticas bestas, mas que assistimos e até nos divertimos se não tem nada melhor passando.

Este mês estreia o francês Esperando acordada, sobre Perrine (Isabelle Carré), uma musicista amadora que por um desígnio do destino, causa um acidente em um desconhecido que então entra em coma. Ela passa a cuidar dele e o resto a gente quase já sabe. Tão bobo quanto a comédia americana, este investe ainda mais nos exageros do roteiro, alimentando os estereótipos do dois gêneros, o fílmico e o feminino.


O gênero de comédia romântica costuma ser bem previsível e isso não é um problema. Dá até certa segurança e funciona bem quando bem feito, atinge o objetivo de contar uma história que costuma terminar feliz, dando relevância aos sentimentos e alguma esperança, uma luz no fim do túnel para os espectadores, por mais improvável que seja seu enredo. Em uma história bem contada o que vale é o desenrolar, os diálogos, as soluções encontradas para os nós dos personagens. Em Esperando há um abuso, como se os roteiristas (Marie Belhomme, que também dirige e Michel Leclerc) buscassem um filme de verão, leve, com brincadeiras e artimanhas, mas errassem a dose, deixando bobo demais.

Perrine é essa moça sensível e delicada, talentosa e azarada, não consegue segurar grana, é desastrada, bonita e vive fazendo bicos. Não se considera grande coisa, além de ter um grande coração e ser extremamente ingênua. Dirigindo apressada entre um trabalho e outro, vai perguntar a um homem sobre informações numa parada na estrada e o assusta. Ele cai, bate a cabeça e fica desacordado. A mocinha chama a emergência, mas sai de cena, porque tinha horário a cumprir, tocando violino para um grupo de velhinhos em um asilo coordenado por Lucie, interpretada por ninguém menos que Carmen Maura – uma grata surpresa, principalmente quando ela alterna o francês com murmúrios em espanhol, nos fazendo lembrar filmes de Almodóvar. Esse imaginário da moça bobinha e sensível é um personagem quase padrão dessas histórias e que aqui, entra em confronto com Arsène (Camille Loubens), uma doutoranda inteligente e sexy, sobrinha de Lucie que faz um favor a Perrine e lhe passa a perna. O clichê que pode passar batido em alguns espectadores incomoda os mais perspicazes: a relação em que as mulheres funcionam como inimigas em prol da conquista de um homem, que de um favor vira estratégia de ataque é cansativa e gratuita; um apêndice na história facilmente descartável além de ser uma prerrogativa que reduz o gênero endossando uma competição que não deveria existir.


Não apenas a relação entre as mulheres da história é complicada como a construção que se faz do homem ideal, aqui amplamente imaginada por Perrine. Ao adentrar no universo do desconhecido Fabrice Lunel (Philippe Rebbot), Perrine de cara o acha extremamente interessante sem sequer ver seu rosto ou trocar qualquer palavra, mas conhecendo tudo o que o cerca: o filho, a casa, o trabalho. As afinidades colaboram para a idealização, mas ainda é muito pouco o que se sabe de alguém para chegar ao encantamento que vemos aqui. Se a resolução do conflito encerrasse algo próximo do final de Enquanto você dormia, talvez fosse mais interessante. Ali, mesmo Sandra Bullock encarnando boa parte das características da própria Perrine, sua elaboração é mais realista e podemos pensar que conhecemos alguém como ela. Perrine é o personagem do exagero em uma construção que não funciona nem como um conto de fadas – como o fofo Românticos Anônimos (2010, de Jean-Pierre Améris), que traz a mesma atriz – de forma que há um deslocamento da personagem com a realidade ali proposta e seu desenvolvimento sustenta uma trama frágil demais.

Enquanto filme francês, é nossa a expectativa em imaginar que veremos algo com personagens e diálogos mais elaborados como costuma ser, em contraste com o cinema hollywoodiano. Aqui acontece o oposto ou uma aproximação da grande indústria no que lhe há de menos interessante: com uma redução dos personagens em estereótipos, levando a mulher à velha posição de boba, que rivaliza com outra por uma conquista que nem sabemos se será boa e que não vai muito além. É um filme de verão que se tenta engraçado e leve e de fato é, mas muito menos atrativo do que se pretende. Vale, no máximo, para um domingo à tarde, sem maiores pretensões. 


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Abril chega nos seus últimos dias e adianto aqui a nossa compilação de tudo o que encontrei de legal para assistir na Amazon Prime Video. É importante dizer que tem, realmente, muito filme bom por lá, propostas mais interessantes do que costumamos encontrar na Netflix. De repente, essa será a ideia mesmo do streaming, para garantir uma competição saudável. Se nada mais prestar, em todo caso, ainda teremos Disney+, HboGo, Telecine Play, Mubi, Youtube e o resto do mundo. Parece que a redução de canais de televisão fez criar um universo de canais de streaming - trocando seis por meia dúzia (a diferença é que agora podemos escolher a hora de assistir). Vamos com o que temos!

  • Séries 

Masters of sex (2013-2016)
Lançada em 2013, tem quatro temporadas. Baseada em uma história real, fala sobre os inícios das pesquisas sobre saúde e sexualidade nos anos 50, atravessando o início da revolução sexual que veio depois. É um drama-romance muito bem construído e divertido, sem ser meloso. Vale muito a pena. 

Modern Love (2019-)
Modern Love é baseada em uma coluna homônima do New York Times, que trata sobre comportamento e relacionamentos mais diversos, envolvendo claro, amor - em todas as suas nuances. Leve, tranquila, não é água com açúcar e mostra diversas situações interessantes que abrangem o tema. Elenco de primeira, passa o tempo que é uma beleza e faz bem para o coração e o espírito. Lembra os grandes filmes de romance / comédia romântica e sigo ansiosa para a segunda temporada. 

Downton Abbey (2010-2016)
Downton Abbey é uma das séries inglesas de maior sucesso da atualidade. Um drama histórico sobre as relações de uma família da aristocracia e seus empregados, em paralelo com fatos históricos do começo do século XX. É meio novelesco às vezes, mas acabamos nos apegando aos personagens - e são muitos mesmo! - e seguimos em frente sem grande problemas. Fez tanto sucesso, que lançaram filme comemorativo ano passado nos cinemas. Seis temporadas. 

  • Filmes

Blue Jasmine (2013)
Sabendo de todas as polêmicas e boicotes ao diretor, acho que vale abrir uma exceção para este filme. Ele, inclusive, já esteve na Netflix e migrou para a Amazon. Não é comédia boba, ele não está como personagem no filme. É um drama-comédia com Cate Blanchet, Alec Baldwin e muita gente boa. Uma mulher perde a fortuna e passa a viver com sua irmã, longe de ser rica. A interpretação de Cate só comprova seu talento e força como atriz. De Woody Allen. 

Um estranho no ninho (1975)
Um ‘clássico moderno’, como diria a prateleira da minha finada videolocadora aqui de Salvador. Os melhores filmes estavam sempre por lá. Pois Jack Nicholson não fez apenas O Iluminado ou Easy Rider, mas muitos outros ótimos que merecem destaque. Aqui, ele é McMurphy, um criminoso que alega insanidade e vai parar em uma instituição psiquiátrica com um sistema brutal. De Milos Forman, nem sei se precisa dizer mais nada.

A Caça (2012)
Estamos em um bom momento para assistir este filme. Mentiras, suspeitas, esse drama dá um nó em nossas ideias sobre temas controversos. Mads Mikkelsen é Lucas, um professor de escola infantil que se torna suspeito de molestar uma criança. O resto é história e faz lembrar um importante caso semelhantes que aconteceu em uma escola do Rio de Janeiro anos atrás. De Thomas Vitenberg, é impressionante a seleção de elenco e a sinergia destes atores em um filme tão centrado em poucos espaços e dentro de uma pequena comunidade. Grande roteiro.

O discurso do rei (2010)
O filme faz impressionantes dez anos esse ano. Dirigido por Tom Hooper, de Os Miseráveis (2012) e A Garota Dinamarquesa (2015), o filme conta a história da dificuldade do rei George VI, o esposo da Rainha Elizabeth em atender às suas atividades no trono. Baseado em fatos reais e um ótimo programa para toda a família.

Um beijo roubado (2007)
Um beijo roubado é uma pérola escondida no streaming. Filme de Wong Kar-Wai, é um romance-road-movie-drama, com um elenco tão espetacular quanto sua fotografia e trilha sonora. Faz valer cada minuto, especialmente quando embarcamos nas micro estórias dentro da saga de Norah Jones. O elenco de apoio não poderia ser mais impressionante Natalie Portman, Jude Law, Rachel Weisz e David Strathairn. Uma delícia. A crítica dessa maravilha segue aqui.

Lars and the real girl (2007)
Essa é uma comédia-drama inusitada em que Lars, como diz o título, encontra amor em uma boneca inflável. Não chega a ser um spoiler, calma, isso dá pra ver no cartaz. A graça do filme vai além, quando sua família é apresentada à moça. O filme é divertido e diferente e nos faz pensar em comportamento, família, solidão, ingenuidade e claro, amor. Como era de se esperar, levou vários prêmios de roteiro. Com Ryan Gosling. 

Maary e Max (2009)
Mary (Toni Collette) é uma garota de oito anos que mora em Melbourne e Max (Philip Seymour Hoffman) é um homem de quarenta e quatro, que vive em New York. A menina decide escrever uma carta aleatória para o endereço de Max, encontrado numa lista telefônica e passam a se corresponder, por anos, se tornando amigos. O filme é lindo, engraçado, tem um roteiro brilhante e vale muito a pena. Veja e me fale!

Apenas uma noite (2010)
É uma dessas histórias de romance e acaso com um elenco que dá vontade de acompanhar. Por mais ridícula que pareça essa frase, acho mesmo que fui ver esse filme por essa razão. Mas, calma, ele é bom. Keira Knightley e Sam Worthington são Joanna e Michael, um casal que se dá bem e tá tudo certo, mas o relacionamento anda meio morno. Os dois vão passar uma noite afastados, ele em uma viagem a trabalho e ela cruza com uma pessoa do passado. É um filme sobre desejo, responsabilidades, amor - relacionamento. O que eu gosto aqui, além do elenco é, de como a trama se constrói e como conseguimos entender as complexidades de seus personagens. 

Tudo sobre minha mãe (1999)
Eu deveria dizer: Almodóvar, assistam, mas depois que ele fez aquele filme do avião, acho que é preciso falar mais. O filme do avião é podre. haha... Mas, Tudo sobre minha mãe é um filme realmente com a marca boa do diretor, um drama centrado na figura de uma mãe, como o título diz, mas nos papeis das mulheres nas famílias também. Almodóvar sempre fala um pouco de si nos filmes que faz e esse não foge à regra, mantenod também suas cores, como diz Caetano e um humor em meio ao drama. Aqui tem conversa sobre gênero, como sempre e um elenco de peso do cinema espanhol, Cecilia Roth, Marisa Paredes, Candela Peña, Antonia San Juan e, claro, Penélope Cruz.
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Aproveitando o artista de cinema deste mês, nada melhor do que falar deste livro, um dos grandes que fala sobre cinema, produção, arte, entretenimento e, claro, os filmes do mestre do suspense. Aproveita!

hitchcock-truffaut-livro-da-semana

O cinema é a arte da sedução.
 Voyeur por natureza, assim também nos tornamos quando vamos à sala escura, sem que nos vejam direito, assistir a alguém, a alguma história no conforto do anonimato. Alfred Hitchcock soube se utilizar deste nosso fetiche e sempre trabalhou em prol do público, seja para assustá-lo ou para lhe trazer algum alívio. François Truffaut, também cineasta de renome e crítico francês, entendeu o controle hitchcockiano como uma qualidade única – e está certo nisso – propondo uma série de entrevistas com o mestre do suspense sobre sua filmografia. Em 1967, sai o mais emblemático livro sobre Hitchcock e em certa medida sobre Truffaut e o fazer cinema, traduzido no Brasil como Hitchcock/Truffaut.

Há 120 anos nascia Hitchcock, em Londres.  Começou a carreira cedo, como assistente de direção, montador e roteirista, em 1922. Em 1925, estreava na direção com The Pleasure Garden, cargo que nunca mais deixou. Truffaut disseca o que considera mais relevante em toda a trajetória do diretor inglês, com questões que servem tanto ao público comum, os espectadores-cobaias, quanto para quem é mais envolvido com a arte e seus meios de produção. A ideia do cineasta francês era comprovar a genialidade de seu mestre, em uma época que o consideravam menos, como um diretor de circuito comercial. A intenção era clara, identificar o óbvio aos nossos olhos. Hoje não há dúvidas de que Hitchcock já era um dos nomes do cinema de autor. As entrevistas perpassam a filmografia do mestre, que não só tem um currículo de respeito, com 54 longa-metragens – citando cinco para relembrar, Psicose, Disque M para Matar, Janela Indiscreta, Um corpo que cai e Os Pássaros – como também teve um programa de filmes curtos para a TV, Hitchcock Presents.

Hitchcock/Truffaut, François Truffaut e Helen Scott

O livro é um deleite para todos, sendo fundamental para a história do cinema. Após o lançamento em 67, foi feita uma edição definitiva em 1983 – à venda no Brasil a partir de 1986 em edição esgotada da Brasiliense e reeditada em 2004, pela 
Companhia das Letras. Truffaut sentia uma necessidade de continuar alimentando o livro – e nossa curiosidade – com os novos filmes do diretor. Encontraram-se durante pouco mais de 14 anos e hoje temos essa obra prima. Com fotografias das cenas dos filmes e seus bastidores, das longas entrevistas, prefácio de Ismail Xavier e do diretor francês, tudo em quase 400 páginas, virou referência em produções do gênero. 

Como dois cineastas que eram, filmaram as entrevistas e em 2015, saiu o documentário com as conversas, outro imenso presente para nós. A ideia do livro virou referência, basta recordar as edições de entrevistas feitas com outros diretores – e infelizmente sem Truffaut – como Woody Allen, Scorsese, Bergman e Almodóvar. Feito para todos os públicos, são aulas de cinema da forma mais interessante possível, um encontro de mestres com riqueza de detalhes que alimentam nossa perversão última: a cinefilia.


Última edição: é essa mesma da capa, de 2004, pela Companhia das Letras. 


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Tati Reuter Ferreira

Baiana, curadora de projetos audiovisuais, escritora e crítica de cinema. Vivo de café, livros, cinema, viagens e praia. E Pituca.


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