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Café: extra-forte

Venho sem desculpas e meias palavras: não gosto dessa expressão "novo normal". Explico o porquê, porque entendo como surgiu e o que significa. Além das atualizações, claro.

o novo normal e como lidamos com o dia a dia de novos comportamentos na pandemia.
balcony concerts by Catherine Cordasco, @unitednations
A proposta do lado de cá é fazer o contraponto das minhas experiências no Brasil da pandemia e do isolamento com a situação da minha comadre de primeira viagem, Camila. Ela está grávida, esperando Luquinhas e mora no outro lado do oceano, em Dublin. Do meu lado, a vida também mudou quase toda: mudei de cidade, saí do trabalho, um pouco aquelas histórias de filme, em que a vida da mocinha vira do avesso, ela tem que encontrar um novo caminho e acaba numa comédia romântica. A parte romântica da comédia ainda não está definida, mas o importante é ter fé!

Camila vive o dia a dia também afetado pelo coronavírus, que já passou por um isolamento mais fechado, a situação melhorou e agora, como sabemos, a Europa vive a segunda onda da pandemia. Não sabemos como vai ser, mas os países se preparam para um novo lockdown e ela segue um pouco descrente, tendo em vista o comportamento do cidadão irlandês. E a gente achando que só a nossa turma era indisciplinada. Enfim.

Do lado de cá, a vida segue aos atropelos. E essa história do novo normal que, junto com a pandemia, vem de todas as formas e meios. Todo mundo fala nisso, como se fosse uma coisa universal. A única coisa universal mesmo é a globalização e que, mesmo assim convenhamos, não é global. A gente não sabe o que acontece no mundo todo, não tem acesso a todo mundo. Hoje, descobri o inferno que está sendo a vida na Nigéria com uma força policial chamada SARS - com cara de milícia - brutal, talvez até mais do que a nossa. Claro, a informação e os transportes ficaram mais acessíveis, contudo, global é muito absoluto. E os algoritmos acabam nos fechando em bolhas, de qualquer jeito.

pandemia e novos hábitos. o que é o novo normal?
Erik Odiin, unsplash

Então, o novo normal está aí. A expressão indica que antes havia um normal, chamemos de velho normal. No velho normal, era tudo igual ao novo, à exceção do uso de máscaras em vários países. O álcool gel já existia. A gente não higienizava o supermercado inteiro, isso é verdade, mas o hábito de lavar as mãos sempre foi uma realidade. E o home office também. Menos frequente e intenso, mas presente. A história de deixar os sapatos na porta de casa também - especialmente se você mora sozinho e não tem muito tempo. E vamos lembrar que isso vale apenas para uma parcela da população. Mas, deixemos esse ponto sensível para outro dia.

Entretanto, apesar de ler e ouvir muita coisa genérica sobre o tema, ontem me caiu um texto que foi mais assertivo, que mostrava como o novo normal não é geral, amplo e irrestrito. Que, ao contrário, é específico, individual e particular. Sendo assim, não há um novo normal. Há uma adaptação à situação imposta e alguns pontos em comum com outros viventes, mas nada que se imponha 1. como novo e 2. como normal. A própria ideia de 'normal' já é desconstruída largamente por aí, na literatura de O Alienista, do sempre incrível Machado de Assis e em muitos estudos sobre saúde mental. Com isso, vamos parar com essa generalização, essa imposição da norma - aí sim, a origem do normal - como se tivéssemos que seguir uma cartilha que identificasse o que é novo e velho normal. Nada é normal. Aliás, nem o nada é normal.

Depois de vir aqui provocar, conto que a vida anda corrida. Muita coisa pra resolver de mudança e adaptação a Salvador, à pandemia e ao retorno de alguns hábitos. À vontade sempre crescente de encontrar os amigos, ao medo da doença e de seu espalhamento. Situações e imprevistos familiares, projetos empolgantes e até uma novidade que vou trazer aqui quando estiver mais ou menos pronta. Estou disposta a mais uma mudança porque, mesmo nesses tempos de suposta estagnação - taí um ano que está sendo diferente de qualquer outro - seguimos adiante. 

novo-normal

Já fui à praia, entrei no mar e agradeci. Por estar viva e com saúde. Por estar em Salvador, por ter a família perto e os amigos também - na distância de um aperto de mão ou aceno - ou ali, no fio do telefone, na tela do celular. Sou muito grata - sem essa agonia sem sal de #gratidão - em ter os amigos que conquistei. E esse ano, um desafio daqueles, tão difícil e doloroso algumas vezes, tem sido também tão feliz em ver novas vidas surgindo, amores crescendo e se multiplicando. Só aceito o novo normal se ele significar mais amor compartilhado, empatia e cuidado com o outro. O resto é propaganda pra vender jornal e marketing para vender coisa.

Mas, talvez eu esteja errada. O que você acha do novo normal? É novo? Normal? Me conta um pouco da sua adaptação, de como anda a vida do seu lado.

Para contribuir com esse blog maravilhoso e torná-lo permanente e atualizado com frequência, me chama para um cafezinho? =)
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Mudança feita, móveis em casa, vida nova em Salvador por uns tempos, minha cidade de nascimento e da vida que havia deixado doze anos atrás para fazer uma pós-graduação de dois anos no Rio de Janeiro. Dos inesperados da vida, trago um pouco do que acontece agora, do lado de cá.

vem que tem
Na entrada do apartamento há um lembrete para quem passa por aqui. Em 2019, morava em Copacabana e vim a Salvador para o Natal e Ano Novo. Como sempre acontecia todos os anos, aproveitava que estava a passeio para passear. Era turista na minha própria cidade e já amava, como sigo amando, percorrer novos caminhos, conhecer ruas, casas, praias, atrações. Engana-se quem acha que tem sua cidade na palma da mão, há sempre uma novidade à espera ou aquela velha frase: 'ainda vou neste lugar'. 
 
A Casa do Rio Vermelho, onde comprei a cerâmica que estampa o texto, foi casa de Jorge Amado e Zélia Gatai por muitos anos. Hoje, como as casas de Pablo Neruda no Chile ou de Frida Kahlo no México, virou museu, para visitarmos um pouco da morada destes escritores e artistas em seus quintais, cozinha, quartos. A casa é incrível, dá vontade de morar nela e tem muito deste casal especial - vale a visita, nem que seja para ficar à sombra das árvores do quintal, nos banquinhos - uma delícia.

Comprei a cerâmica com a certeza quase mística de que ela não iria ao Rio. Quando decidi por este apartamento, fiquei no meio do caminho mais uma vez, na ponte-aérea entre fincar os pés na minha cidade de origem e ver como reagiríamos - uma à outra - em uma nova convivência ou seguir na minha cidade de adulta, de trabalho, de novos amigos e das maravilhas que todo o mundo grita por aí - um tanto exageradamente. O mundo mudou, pandemia, tudo o que já sabemos neste cinco meses de ficar em casa e, como já contei antes aqui, também mudei e vim, de fato morar na Bahia. A cerâmica foi para a parede certificando que quem passa por minha porta é sempre boa gente e encontra aqui um caminho sossegado e gostoso.

uma folhinha de cada vez
Os móveis chegaram, a casa vai tomando a minha forma, estamos nos apaixonando e à espera da abertura lenta e gradual - sempre que penso na expressão, lembro da perestroika e glasnost - da cidade, o que já vem acontecendo. Os números da pandemia assustam, mas os avanços das vacinas dão um sopro de esperança a uma suposta normalidade futura. Enquanto isso, cultivo minhas plantinhas, busco trabalho e ativo este blog com prazer, cultura e informação.

Em meio à mudança, recebi muita coisa que estava guardada na casa dos meus pais e encontrei minhas agendas antigas, os diários da adolescência e dos vinte anos - reconheci uma Tati super firme e decidida, mas também melodramática e volta e meia apaixonada por algum mocinho - de Keanu Reeves aos garotos da escola. Tenho trazido algumas destas histórias por aqui, como um resgate íntimo de uma escrita crescente e divertida. E as calças jeans que não cabem mais e insistia que um dia entrariam em mim (da viagem de quando eu tinha 15 anos), finalmente doei - vida nova e de desapego! 

Mês que vem eu volto aqui, para, com sorte, contar o maravilhoso dia que em que voltarei à praia, que segue fechada. Mal posso esperar.
***

E você, como anda a vida por aí? Me conta?
Para ajudar a manter o Café, me paga um? =)
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Vou confessar a vocês: a essa altura, achei que já estaria recebendo os móveis todos aqui em casa. Mas, como tudo na vida, não adianta se planejar tão meticulosamente quando há um mundo de imprevistos e relações sociais necessárias aos trâmites de qualquer processo. Quando se trata de mudança então, nem se fala. 

copacabana-apartamento
home office carioca
Cheguei ao Rio no dia seis em março de 2008 e só sei disso porque foi dois dias depois do meu aniversário. Eu era uma jovem de 25 anos e fui estudar Cinema Documentário na FGV. Minha primeira mudança foi para um apartamento mobiliado de uma amiga de uma conhecida, Ju, que virou amiga de verdade pouco tempo depois naquele mesmo ano. Ela precisou ir a Pernambuco por três meses e ocupei seu apartamento neste período. Nos conhecemos quando ela retornou e a compatibilidade nordestina bateu forte.

De lá para cá foram oito mudanças em doze anos. Apartamentos por temporada, quarto-e-sala, dois quartos e quarto-e-sala novamente. Contratos de trinta meses, seis meses, três meses, doze meses. Aluguel com fiador, sem fiador, com fiador baiano, com depósito e título de capitalização. Me transformei em uma especialista no processo, da vistoria de entrada à entrega das chaves. E agora, uma novidade em uma categoria nunca explorada: a mudança interestadual.

Mari, minha amiga irmã baiana que segue no Rio já havia feito uma mudança intermunicipal e vivemos isso juntas quando ela veio morar comigo. Eu, entretanto, além da mudança Salvador - Rio de Janeiro com roupas, livros e sapatos, não havia saído de Copacabana. E agora, como um ciclo mítico de renovação, transformação e pandemia, volto a Salvador - literalmente - de mala e cuia. A diferença é que, com a urgência da quarentena, trouxe uma mala pequena e a cuia e todo o resto viriam depois. O que deveria ter acontecido no último sábado.

plantas
do alto das prateleiras sobra saudade
Como nem tudo são flores, meus futuros ex-vizinhos não autorizaram a mudança na data prevista. Como se isso mudasse a vida deles. Ocuparia o elevador de serviço por um par de horas - não tenho muita coisa - e me adiantaria uma semana. Mas tudo bem, não dá para brigar com os donos do bairro - a terceira idade que reina nas estatísticas em todo o país, se concentra no bairro e com toda a certeza, no meu prédio. A mudança foi adiada e acontecerá amanhã - oremos. Mari, mais uma vez me salvará, acompanhando os homens da mudança, que embalarão e colocarão tudo no caminhão e então saberei quando as coisas chegarão. Depois é pintura - já agendada - vistoria e entrega das chaves. Um tchau para o Rio de Janeiro à distância, deixando muito carinho, saudades e amigos que carrego no peito e para sempre.

Do lado de cá a vida segue, tentando manter a sanidade depois de mais de cem dias de isolamento social e ansiedade por ancorar de vez (e por enquanto) na cidade, tornando o espaço habitável personalizado com a chegada das coisas que seguem viagem. Alterno entre o apartamento e a casa dos meus pais, vivemos de convivências restritas e quase os mesmos assuntos, com a sorte e o privilégio reconhecidos de ter um jardim e quintal para cuidar. Acompanhamos a duração dos dias no tempo das plantas, no ritmo solar e lunar da Natureza com letra maiúscula.

Os projetos do Café seguem criativos, às vezes árduos, mas costumeiramente felizes, a ocupação com o que se ama, os assuntos que nos movem, a criatividade em forma de texto e alternadamente, vídeo no instagram me divertem e são um desafio à minha timidez e reservas habituais. O que virá com isso, ainda saberemos, há horizontes possíveis. 

Brindo à suposta nova vida, ao novo normal e ao Rio de Janeiro que me acolheu, me fez crescer e me tornar quem eu sou, seja lá o que isso signifique. Deixo aqui o texto da minha chegada lá, para que se reecontre com esse, de despedida, aconchego e saudade.

Mês que vem eu volto com as novas histórias do lado de cá. E você, muitas mudanças na sua vida neste ano desafiador?
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Com a nossa ideia de contar as histórias de vida real de Camis em Dublin, me veio uma outra, de falar um pouco daqui de Salvador, para ver se nos encontramos no meio do caminho. Eu, do lado de cá, ela, de primeira viagem. Um pouco disso tudo, todo mês. 

cafe-extraforte
Nosso café de 2019 foi em Edimburgo. Onde será o próximo?
O tempo está virando aqui. Salvador vive um outono atípico, mas não há nada de normal mesmo este ano. Está começando a fazer frio - o frio daqui, dos nosso vinte e poucos graus - e tem chovido mais do que... do que sempre, porque é tudo novo e velho pra mim. Estou na cidade há quase três meses e antes disso estive no Rio de Janeiro por 12 anos. Quem já passou pelo Café, sabe que sou baiana, soteropolitana e que amo muito o meu quadrado, mas fazia tempo que não passava tanto tempo aqui. Aliás, até dele, do tempo, já falei outro dia.

Camis vive a primavera e em breve será verão em Dublin. As temperaturas mais altas para ela são o nosso inverno de praia o ano inteiro - que agora está fechada pela pandemia. Ela aproveita o relaxamento do isolamento social enquanto nós, do lado de cá, seguimos confinados na Bahia (o Brasil segue cronogramas distintos por estado), à espera de melhores dados para então, falar mal do trânsito, da hora do rush, de algo próximo daquela rotina que todo mundo sente falta - até de reclamar. Mas, com relação a isso é melhor ficarmos quietos, a Bahia vai bem na medida do possível, com ACM Neto na prefeitura de Salvador, e Rui Costa como governador, tocando as medidas de combate a esse maldito coronavírus. O povo tem ajudado, mas ainda tem muita gente dificultando o processo e atrasando a vida de quem quer se ver livre dessa agonia.

dublin-salvador

Dá pra ver o mar da varanda. Não é uma vista 360 graus ou aquela coisa de cartão postal, mas ainda é meu mar e dá para ficar pensando na vida até perceber que perdi a tarde nisso. Diferentemente de Camis, não estou grávida mas, como ela, estou sem trabalho fixo-oficial-valendo, então temos tempos livres ou tempos de decisão acontecendo. Por ora, a meta é decidir se vou ou se fico - o Rio segue cada vez mais distante e talvez seja a hora de voltar para Salvador, nem que seja por uns tempos. Um luxo sair de uma cidade maravilhosa para outra excepcional, eu sei. Mas ainda assim, viver no meio do caminho está de matar. E nem acarajé tenho comido - deve ser isso o que está faltando.

Das coisas que não lembrava mais do dia a dia da cidade, o salitre (ou a maresia) e o vento são os mais marcantes. É impossível manter as janelas e os pisos 'não nublados' (minha versão fofa para úmidos, embaçados e salgados). Tem que limpar feito um condenado, passar pano duas vezes por vez (sim) e umas três vezes por semana se você for perfeccionista - tudo tem limite nessa vida. Varanda e janelas fechadas à noite porque faz frio e porque queremos manter os eletrodomésticos e eletrônicos vivos o maior tempo possível, antes de morrerem de corrosão. Não é exagero. Mas, faz bem né, não ser materialista e entender que um dia na vida tudo acaba, especialmente na vida de maresia. Ou no salite. 

Daqui a pouco eu volto, que o piso me espera. Conto as decisões, maluquices e acertos - assim esperamos - dessa vida de mulher independente entre duas capitais, no meio da pandemia, na expectativa de dias melhores e tentando planejar os próximos passos. 
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Novo plano: acordar cedo. Cedo de verdade, naquele raro momento em que os guardadores de carros estão no sono dos justos e não começaram a gritar para os donos dos carros onde parar. Tem que ser cedo, mas nada disso impedirá os caminhões do corpo de bombeiros nos atravessarem com suas sirenes altíssimas, como o rádio-relógio de minha irmã quase dez anos atrás, quando morávamos na mesma casa. Acima de tudo, precisa ser cedo o suficiente para que consiga cumprir os itens da lista antes de ir para o trabalho.

Uma coisa importante que percebi quando mudei pra este prédio, há quatro meses: os bombeiros têm muita demanda. Não sei o que acontece na cidade, sempre que estou em casa, ouço os caminhões a toda, correndo para socorrer alguém. O batalhão fica a uma quadra daqui, então é impossível não ouvi-los. Quando fazia natação duas ruas ali perto, dois bombeiros nadavam lá e pensei: claro, precisam estar em forma, mas também me veio à mente o quão prático era trabalhar perto e quanto tempo livre eles tinham para fazer natação pelas manhãs. Como eu.

Quando morava com meus pais, era na última casa da última rua de um condomínio em Salvador. Silêncio quase total, não fosse a cantoria idílica dos passarinhos, o grito de uma arara louca sempre esquecida do lado de fora de alguma casa, um galo vizinho, estridente e atrasado para a alvorada, os cachorros. Agora, morando em um apartamento em um dos bairros mais movimentados da segunda maior cidade do país, são outros barulhos que me despertam: a cacofonia dos alarmes de carros defeituosos, os queridos bombeiros, as sirenes policiais — sempre me assustam, sempre me assustarão — os guardadores de carro que trabalham por turno, os caminhões de lixo, alguns tiros. Sim, isso também. Ah, e o sino da igreja, porque moro num mundo chamado Copacabana.

Stephen King me contou em seu On Writing, que é preciso estabelecer uma rotina para escrever. Acho até que ele mencionou as manhãs, porque é um momento de sossego universal, quando seu cérebro está mais fresco, descansado e pronto para produzir. Ele disse isso de forma muito mais interessante, mas o que importa é que é notório como funciona para muitos escritores (e outras pessoas de sucesso, executivos e afins, segundo muitos textos do medium).

O fato é que eu tenho parte da manhã livre antes de ir ao trabalho então, decidi abandonar a preguiça que me domina. A meta é acordar às 6h e estou em fase de adaptação, antecipando o despertador um pouco mais a cada dia, como uma tortura gradual. Acordando neste horário, consigo fazer a atividade física obrigatória para chegar inteira à terceira idade, tomar café com calma, arrumar minimamente a casa e escrever. Até agora foram três ótimos dias e vamos fazer uma reza forte às musas e deuses para que permaneça assim. Parece óbvio e muita gente já faz isso na vida, mas, enquanto mulher independente, é um desdobramento importante: não dá para cumprir o dia a dia do trabalho, ir ao supermercado, ler jornais, ir à analista, faxinar a casa, lavar roupas, cozinhar, pagar contas, ler trinta e cinco livros por ano, assistir séries e filmes, ir ao cinema e à praia, escrever críticas, contos e crônicas, tomar umas cervejas de happy hour, viajar nas férias, criar projetos criativos com os amigos e achar que a vida é só isso.

Não temos todo o tempo do mundo e isso precisa servir de inspiração e alerta para um futuro desespero em momentos de crise (existencial).

***
Esse texto é de novembro de 2017. Pouco mais de dois anos depois, tanta coisa mudou que valeu a pena a visita e me pareceu uma boa ideia para marcar nosso estranho presente. Em breve, uma atualização com novas manhãs.
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Nos últimos quase três anos, morei sozinha no Rio de Janeiro. Já havia dividido apartamento com amigas e até com o cachorro de uma delas. Nesse tempo, minha afeição por plantas foi crescendo, talvez porque na casa de meus pais, elas sempre foram de extrema importância. Meus pais precisam de jardim e quintal, de cultivo, faz parte do que eles são. Mas, morando sozinha e viajando com frequência, era complicado ter plantas muito delicadas ou que exigissem muita atenção.

Não sei se foi o tempo passando, se foi o fato de estar novamente em carreira solo, não sei o que foi, me vi cheia de plantas pela sala e quarto do quarto e sala, olhando blogs, tentando não matá-las, comemorando cada nova folha como uma nota alta de um filho numa prova. Flor então, uma festa de aniversário. Virei a moça das plantas, mas até aí, administrável. Quando voltei da casa de uma amiga no interior do Rio com uma muda de Costela de Adão, entendi que era um caminho sem volta.

Saí de um trabalho no fim do ano passado e embarquei neste mundo mágico de assistir televisão. Não vi muita coisa, porque perdi o hábito faz tempo, mas a Netflix tem uma série sobre jardins que me fisgou de uma forma inesperada, e consumi tudo como se não houvesse amanhã. Já era. Vi que eu era realmente filha dos meus pais e isso era óbvio, eu só não tinha percebido ainda. E mais: não estava sozinha.

Minha irmã, essa mulher maravilhosa que lida com as agruras da saúde mental em um hospital psiquiátrico, tem um lado-b que forma nosso núcleo familiar: ela transformou a varanda de seu apartamento em um ambiente digno de literatura, com não sei quantas plantas, composteira, maracujá e o que mais você imaginar. De alguma forma, ela consegue manter essa mini selva e dois gatos, Caju e Odara (pode chamar de Caju e Castanha que ela briga), deixando todo mundo vivo e feliz.

Hoje, estou de volta a Salvador, não sei por quanto tempo. Com esta situação global, estamos todos isolados e não tenho previsão de retorno ao Rio. Estou em outro apartamento e sigo morando sozinha com meia dúzia de plantas em vasos, mas viro a jardineira dos meus pais no fim de semana, quando vou à casa deles. É como um novo trabalho, quem sabe uma nova escolha de vida.

Lidar com plantas é conversar com a natureza. É entender que o que as torna vivas é o mesmo que nos faz crescer saudáveis. É ver que não precisamos de muito e que é preciso tempo para florescer, evoluir, curar. É sorrir ao ver uma plantinha quase murcha e, depois de algum cuidado, se esticar toda atrás de sol como se estivesse acordando, e brilhar um pouco mais a cada dia. É ver como uma chuva torrencial pode fazer bem, de vez em quando. É não pensar em mais nada, apenas no que nos torna vivos, como um único e imenso organismo. Somos só um pequeno sistema dentro deste todo.

Meus pais entendem isso como ninguém, assim como minha irmã, que vejo agora só falo por telefone e em raros momentos ‘ao vivo’, a metros de distância. Ela não parou de trabalhar, então não podemos nos abraçar, mas dá pra rir, contar piada, falar da vida, fazer ligações para ver os sobrinhos felinos em vídeo-chamadas e as plantas da mini selva. Ela faz aniversário hoje e esse texto é pra ela.
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Essa mulher independente e livre não para. Não sobra tempo, abundam ideias sobre tudo: projetos legais, textos, trabalho, caminhada, amigos, álcool, viagens e muito café. Ainda assim, sobraram uns minutos para um dever de casa, que era esse desafio de vida, escrever uma poesia. Pensou um pouco, leu um livro e saiu esse texto curtinho. Não vai embora ainda, dá uma chance pra moça:

Uma mulher livre nunca ganhou flores.
Achou que pedir seria um absurdo.
Mas sempre as quis.

Uma mulher livre ganhou flores da mãe, do pai, da amiga.
Nunca do rapaz.
Porque rapazes não dão flores.

Rapazes dão trabalho.
Uma mulher livre trabalha demais.
Preferiu plantar uma pimenteira.

Uma mulher livre com uma pimenteira foi ao mercado.
Encontrou sementes de flores perto das frutas.
Vai plantar no fim de semana.



*Foto de Chris Barbalis.
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Saí da casa do rapaz e parei nas lojas americanas, a caminho do metrô para casa. Era fim da manhã de um feriado e dessas noites de improviso, quando desejamos ser um pouco mais do que nosso dia a dia permite.

Três calcinhas de algodão, uma ampola de hidratação para o cabelo, um pacote de amendoim japonês e o para sempre aguardado liquidificador. Com jarra de vidro e base de inox. Surpreendentemente barato e até agora já foram duas palavras imensas de escrever.

A noite foi divertida e terminou conforme o esperado, justificando a escova de dente na bolsa pequena. Mas, como já aconteceu outras vezes com o rapaz, foi uma noite eventual, um reencontro animado como o bloco de carnaval que nos atravessou à noite, um equinócio. A intimidade é muita para os anos de interlúdio e amizade colorida, e nenhuma ao mesmo tempo, já que não somos frequentes no cotidiano. Deixamos a casa, ele para a bicicleta e eu para o liquidificador — como se aquele monte de confidências de horas antes estivesse arquivada para a próxima estação ou descartada, como a embalagem do queijo minas que comemos no café da manhã. Não como queijo sempre, seria mais uma exceção daquele momento, já que ainda vinha com torradas, tomate cereja e café preto. Tudo era novidade e repetição.

Cheguei em casa estranha, mas feliz, com o liquidificador de base inox e jarra de vidro, três calcinhas de algodão para lavar, o amendoim japonês para alguma visita e uma renovação capilar aguardando o próximo banho. A sensação estranha se diluiu durante as horas e terminou em um encontro de amigos no boteco de sempre.

Ainda não sei se espero o próximo equinócio, se me interessa essa vida de intervalos curtos e intensos — o clichê do palito de fósforo. O queijo, entretanto, ficou na lembrança e comprei um pedaço da mesma marca no supermercado. Pequeno, só para sentir o gosto bom e não deixar o inevitável enjoo de horas.

*Imagem de Cinzia Bolognesi
*publicado originalmente no Medium, em 2017.
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Depois de muito sofrer e desistir de pensar no infame vaso sanitário, cheguei a conclusão de que ele não poderia me vencer. A soda cáustica é uma desilusão só: não faz fumacinha, não explode e se tem cheiro, eu não senti. Ela finge que resolve seu problema. Acabou que usei o pote todo da soda seguindo as trezentas indicações à perfeição e exaustão e nada aconteceu... a água desceu um tiquinho mais rápido, mas mesmo assim, o vaso ficava inutilizado.

Depois do almoço, fui com uma comadre na rua: precisava comprar um livro e ela tinha que ir pra casa. Passei mais uma vez em uma das duas lojinhas de coisas baratas para casa; estava procurando lixeiras (duas pros banheiros e uma pra cozinha), achei todas feias e as que eu queria só encontrava pela metade: ou só a tampa, ou só o 'receptor'. No meio dessa história e com a loja entupida, confessei a uma das donas de casa que estavam por lá: a senhora sabe como é um desentupidor de vaso sanitário? Porque o meu vaso está impossível e olha que já tentei soda cáustica!! (a soda sempre assusta as pessoas). Falei com minha mãe e ela me disse que era para eu comprar um desentupidor, e me descreveu o aparato, mas só me lembro de 'cabo de vassoura'. Ela, à luz de sua sabedoria: ''você pode até comprar, mas tenho uma dica infalível, você vai precisar:

1 panela razoável com água ultra super quente destruidora
1 vassoura piaçava
1 saco plástico (ou 4 se você for neurótica/o como eu)
10 folhas de jornal

Faça uma casinha para a ponta da vassoura que varre dentro de um saco plástico. Enfie a vassoura dentro e dê um nó no cabo.'' Como eu sou mais preocupada, fui colocando sacos por cima para não molhar a vassoura por dentro. A brincadeira é jogar a água fervente na privada e meter a vassoura dentro, fazendo o velho movimento entra-e-sai e pronto. Seu vaso estará milagrosamente desentupido.

Eu juro que queria encontrar a dona moça da loja e agradecê-la profundamente. ela foi muito gênia e esse é o tipo de sabedoria que só o tempo resolve... não tem jeito. Eu fico pensando... as pessoas realmente usam mecanismos criativos para solucionar problemas. Elas sim, deveriam ser produtoras de cinema. Mas isso é outra história.

Me sinto muito feliz nesse momento e aprendi na prática porque não devemos jogar papel no vaso sanitário (ainda que eu não acredite que o papel tenha sido responsável e sim algum material de construção surreal deixado como resto...). A crise agora é me livrar os sacos plásticos da vassoura... mas isso é café pequeno!
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Esta é uma noite de insônia. Fui dormir na hora errada, entretida nos contos de Maupassant e são quase quatro da manhã. Enquanto minha mente se torturava em pensamentos de dúvidas eternas e cruéis (sabe aquelas decisões que devemos, mas nunca nos atrevemos a tomar?), os minutos passavam. Desisti e acendi a luz.

Estou no meu inferno astral. Domingo é meu aniversário e meu fevereiro não foi dos melhores. esta é a segunda noite seguida de mal dormir e amanhã tem trabalho.

Hoje fui ver o mar. Parei o carro em Praia do Flamengo e fiquei vendo a chuva chegar. Era como uma imensa cortina cinza que, ao invés de sujar, limpava de doce as águas salgadas. Enquanto o aguaceiro vinha, eu esperava. A água batia no meu rosto e me molhava a roupa. Deu vontade de tirar tudo e correr pro mar. Passou. Voltei pro carro, fechei o vidro e me tranquei.

A água molhava o vidro e o mar era todo pingos de chuva. O céu era cinza. Uma tranqüilidade meio triste me foi tomando o espírito. Não sei se da chuva no mar, do cinza do céu ou de mim, apenas. Liguei o carro esperando alguém que nunca veio. Cheguei em casa sem esperar mais nada, tomei banho, comi e dormi na hora errada.
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Já é quase março, mas pouco importa: falemos do meu janeiro. Tirei férias o mês todo. Como marinheira de primeira viagem em férias oficiais de trabalho, não planejei nada. Ia ser apenas uma viagem de sete dias para Cumuruxatiba com a turma do trabalho e pronto.

Fui ao sul da Bahia, me diverti muito, me estressei um pouco e voltei a Salvador. Ficaram enchendo, dizendo que eu não deveria perder as férias por aqui, por que eu não viajava pra Arraial D'Ajuda, que eu fosse sozinha e tudo o mais. Acabou que me empolguei com a ideia e fui.

Uma semana sozinha. Depois segui viagem e parei em Itacaré. Outra semana sozinha. A bem da verdade, estive só comigo mesma, mas sempre rodeada de pessoas bacanas. O incrível é que quando você independe de qualquer pessoa ou condição, pode escolher tudo o que te cerca: companhia, amizades, experiências. Não me arrependi de nenhuma das escolhas, ganhei algumas amizades e, acredito, uma amiga. Vi como é fácil estar só e como é importante trocar.

As experiências destas três semanas de janeiro longe de Salvador me fizeram crescer muito mais do que três meses aqui. É só ter confiança em si e saber até onde, até que ponto se pode contar com os outros. Este janeiro me ampliou os horizontes para um ano realmente novo. Disso tenho certeza.

***

*Minha primeira viagem sozinha. Na vida.
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Tati Reuter Ferreira

Baiana, curadora de projetos audiovisuais, escritora e crítica de cinema. Vivo de café, livros, cinema, viagens e praia. E Pituca.


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