Novo plano: acordar cedo. Cedo de verdade, naquele raro momento em que os guardadores de carros estão no sono dos justos e não começaram a gritar para os donos dos carros onde parar. Tem que ser cedo, mas nada disso impedirá
os caminhões do corpo de bombeiros nos atravessarem com suas sirenes altíssimas, como o rádio-relógio de minha irmã quase dez anos atrás, quando morávamos na
mesma casa. Acima de tudo, precisa ser cedo o suficiente para que consiga cumprir os itens da lista antes de ir para o trabalho.
Uma coisa importante que percebi quando mudei pra este prédio, há quatro meses: os bombeiros têm muita demanda. Não sei o que acontece na cidade, sempre que estou em casa, ouço os caminhões a toda, correndo para socorrer
alguém. O batalhão fica a uma quadra daqui, então é impossível não ouvi-los. Quando fazia natação duas ruas ali perto, dois bombeiros nadavam lá e pensei:
claro, precisam estar em forma, mas também me veio à mente o quão prático era trabalhar perto e quanto tempo livre eles tinham para fazer natação pelas
manhãs. Como eu.
Quando morava com meus pais, era na última casa da última rua de um condomínio em Salvador. Silêncio quase total, não fosse a cantoria idílica dos passarinhos, o grito de uma arara louca sempre esquecida do lado de fora de alguma casa, um galo vizinho, estridente e atrasado para a alvorada, os cachorros. Agora, morando em um apartamento em um dos bairros mais movimentados da segunda maior cidade do país, são outros barulhos que me despertam: a cacofonia dos alarmes de carros defeituosos, os queridos bombeiros, as sirenes policiais — sempre me assustam, sempre me assustarão — os guardadores de carro que trabalham por turno, os caminhões de lixo, alguns tiros. Sim, isso também. Ah, e o sino da igreja,
porque moro num mundo chamado Copacabana.
Stephen King me contou em seu On Writing, que é preciso estabelecer uma rotina para escrever. Acho até que ele mencionou as manhãs, porque é um momento de sossego universal, quando seu cérebro está mais fresco, descansado e pronto para produzir. Ele disse isso de forma muito mais interessante, mas o que importa é que é notório como funciona para muitos escritores (e outras pessoas de sucesso, executivos e afins, segundo muitos textos do medium).
O fato é que eu tenho parte da manhã livre antes de ir ao trabalho então, decidi abandonar a preguiça que me domina. A meta é acordar às 6h e estou em fase de adaptação, antecipando o despertador um pouco mais a cada dia, como uma tortura gradual. Acordando neste horário, consigo fazer a atividade física obrigatória para chegar inteira à terceira idade, tomar café com calma, arrumar minimamente a casa e escrever. Até agora foram três ótimos dias e vamos fazer uma reza forte às musas e deuses para que permaneça assim. Parece óbvio e muita gente já faz
isso na vida, mas, enquanto mulher independente, é um desdobramento importante: não dá para cumprir o dia a dia do trabalho, ir ao supermercado, ler
jornais, ir à analista, faxinar a casa, lavar roupas, cozinhar, pagar contas, ler trinta e cinco livros por ano, assistir séries e filmes, ir ao cinema e à praia, escrever críticas, contos e crônicas, tomar umas cervejas de happy hour, viajar nas férias, criar projetos criativos com os amigos e achar que a vida é só isso.
Não temos todo o tempo do mundo e isso precisa servir de inspiração e alerta para um futuro desespero em momentos de crise (existencial).
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Esse texto é de novembro de 2017. Pouco mais de dois anos depois, tanta coisa mudou que valeu a pena a visita e me pareceu uma boa ideia para marcar nosso estranho presente. Em breve, uma atualização com novas manhãs.