Vivendo daquele jeito.
Não deveria passar de uma sessão qualquer de
cinema, em um domingo qualquer, com um amigo. Descobri hoje que filme estava
passando, que dia era e seu signo. À Deriva, 24 de maio, gêmeos.
Conheci Pedro naquele fim de tarde, em uma
sessão de filme brasileiro no Laura Alvim, um centro cultural na praia de
Ipanema. Eu tinha um ano de Rio de Janeiro, trabalhava há pouco tempo
oficialmente em algum lugar, havia estabelecido uma rotina, tudo ia bem. Meu
amigo trouxe um amigo e esperamos outra amiga dele. Sentamos para conversar e
alguma coisa aconteceu ali, bem antes de entrar na sessão, no intervalo de
minutos quase inúteis.
A amiga apareceu como figurante e foi embora
logo após o filme, Pedro ficou. Era seu aniversário e nos obriguei a beber,
comemorar, rápido que fosse, um dia tão especial. Adoro aniversários, como
adoro nascimentos. É a celebração clichê da vida, apenas pelo fato de estarmos
vivos. Tenho medo de morrer. Não foi por isso que insisti.
Seguimos para o bar que não lembro o nome,
bebemos dois ou três chopps, o suficiente para nos conhecermos, atualizarmos as
regras de cordialidade e quebrarmos um pouco o silêncio dos novos encontros.
Ninguém sabia que aquele dia duraria anos, e eu disfarçava para não olhar
demais para ele. Trocamos e-mails porque nossa missão era contextualizar
culturalmente o amigo acadêmico-workaholic e tudo virou uma conversa de dois e
assim, de forma pateticamente virtual, estabelecemos uma espécie de
relacionamento, uma amizade que não acaba.
Pedro saiu do Rio cedo demais e ainda não
sei o que nos aconteceu. Uma série de quase flertes virtuais entre duas pessoas
tímidas que conversavam por olhares, quando cara a cara quase não se falavam,
porque apenas a presença do outro era suficiente para causar um rebuliço
interno, uma alegria sem pensamento. O impacto foi profundo e o tempo na mesma
cidade, entre se conhecer e ele partir, bastante curto.
Quero deixar claro que não acredito em
amores à primeira vista e que aquilo não era um amor, era um rebuliço. Um
rebuliço à primeira vista.
O cinema passou e nunca lembrei o nome do
filme. Não lembrei de nada, nunca. Não conseguia me concentrar com aquele
garoto, que havia visto minutos antes, agora ao meu lado, esbarrando sem querer
e de vez em quando, sua perna na minha. Hoje, que na verdade fez uma semana,
nos falamos pela internet novamente, depois de sei lá quantos meses ou anos,
talvez. Pedro talvez esteja casado e sei que tem filhos. Conversamos sobre
tudo, à exceção de nossos relacionamentos passados e presentes. Não sei se é
para deixar esquecido esse ponto de realidade que nos afasta além da distância,
não sei se é um cuidado ou falta de jeito para mencionar os marcos da
existência. Falamos de todo o resto.
Aquela alegria sem pensamento nos
interrompeu muito cedo e deixou tudo em suspensão. Virou uma leve tristeza e
falta quando ele foi embora; virou passado entre novos amores e histórias. Nos
falamos por intervalos, nos encontramos apenas uma vez no meio dos anos, um
almoço em sua não mais nova cidade. Ali, o tempo se exibiu em toda a sua
plenitude, mas, em flashes e com coragem, eu via seu rosto, um sorriso que
escapava além do nervosismo dos corpos e do meu sem jeito para situações sem
precedentes na história da minha humanidade.
Não sou adepta ao platônico, sou muito
ansiosa para isso e essa ansiedade é, inclusive, o que me atrapalha nas
situações de carne e osso. Sou matemática também, duelo entre um racionalismo
ético de lógicas e espasmos de descontrole total. Existe ainda e contudo e
entretanto uma ideia na memória, talvez por tempo demais — e, de leve, no
peito. Não somos aqueles de nove anos atrás e nossas conversas esparsas
sustentam como um fio de nylon nossas vidas, transparente e firme, nos
amarrando como pode, algumas vezes mais tenso, outras tantas, frouxo. Existe,
infeliz ou felizmente uma expectativa meio esquecida do que não houve, uma
chance como fogo fátuo para o destino, se isso existir, ou o acaso, para um
futuro incerto e indefinido, como toda a história até agora.
E agora eu te pergunto: e se tudo não passar
da fantasia? Quase dá medo de quebrar o encanto e a realidade, a concretude dos
encontros quase futuros resultar em nada. Ou pior, em gargalhadas. Será que há,
de fato, histórias a não serem vividas? Será que parte da fantasia feliz
da vida é manter a fantasia viva?
Em todo caso, o tempo não segue parado, mas
curioso, me atropelando em outros encontros, me distraindo com outros presentes
e ainda raras promessas de futuro.
*Originalmente publicado em 28 de abril de 2018, no Medium.