Conheci uma moça no banco quando fui fechar a conta que abri por causa do último trabalho. Antes de chegar a minha vez de falar com o gerente, esperei perto dela, que estava cheia de documentos e uma aparência cansada.
O banco estava vazio e tranquilo, mas ela tinha percorrido a cidade desde às seis da manhã. Teria saído às 5h, se não tivesse ouvido tiros na porta logo cedo. Fora do mercado de trabalho há cinco anos, pediu ao filho para procurar alguma vaga no computador e acharam uma de limpeza em um hospital. O pessoal da igreja ajudou com a xerox dos documentos, o filho checou o e-mail e confirmou a entrevista. Fizeram uma vaquinha, o dinheiro guardado para o transporte do filho ao campeonato de futebol da escola pública se converteu na chance de um emprego fixo e no pagamento da multa eleitoral.
A moça do banco não tinha almoçado e eram quase quatro da tarde. Falamos sobre a água do Rio e ela disse que não via diferença. A água da casa dela sempre teve gosto forte. Ofereci chiclete e ela não aceitou – de estômago vazio só ia piorar as coisas. Ela estava animada, dentro do cansaço e da fome. Uma mulher de 34 anos, no segundo e finalmente feliz casamento com um homem bom – seu melhor amigo. O primeiro, um relacionamento abusivo e violento, terminou com seu braço quebrado.
Conversei bastante com a moça do banco, contei que tinha ido fechar a conta que ela estava abrindo. Falei que também estava sem trabalho, que havia saído há poucos meses do meu e que estava procurando. Notamos nossas diferenças, mas isso não impediu a troca de experiências e esperanças que uma dava para a outra. Ela era jovem e tinha um rosto de menina. Sou mais velha um par de anos, mas ela tinha oito vidas à minha frente. Ela não me pediu nada e não quis aceitar o dinheiro que insisti muito que levasse. Tive medo de ofendê-la, mas acho que criamos ali um momento particular, uma construção improvisada em que, naquele instante, só existíamos nós nas cadeiras de um banco vazio, cheio de gerentes. Insisti um pouco mais e ela disse que usaria para pagar a passagem do dia seguinte. Ela não precisaria pedir a ninguém mais quando voltasse para casa e tinha certeza de que estaria pontualmente na empresa para assinar o contrato.
Continuamos conversando, o gerente me chamou, insistindo que mantivesse a conta, me daria todos os benefícios que nunca pedi. Depois seria a vez dela e antes de eu ir embora, ela me pediu o número de telefone e eu lhe disse que me mandasse a foto quando estivesse contratada, de uniforme e tudo. O trabalho seria em plantões de 12 horas em dias alternados. Sua função seria limpar leitos e quartos do hospital depois que a vaga é liberada por falecimento. Um trabalho tão inimaginável quanto um texto fantástico de Gabriel García Márquez – o encerramento trágico de uma história de mentira. Nenhum peso nas palavras da moça do banco. Era um trabalho que alguém deveria fazer. O importante era acordar às 4h para chegar em Copacabana às 7h. Em sua casa, o jantar daquela noite era caldo de frango e arroz que a vizinha deixou para eles e a farinha de casa. No próximo mês comeriam melhor.
Dias depois, a moça do banco me mandou uma mensagem de voz confirmando o sucesso, animada com um futuro melhor para sua família. Minutos depois, as fotos de uniforme e a promessa de que estava torcendo por mim, que logo eu ia conseguir um trabalho e seríamos, nós duas, vitoriosas. A moça do banco tentou trabalho em todos os lugares durante esses anos e fazia, para conseguir comprar comida, enfeites de doces para festas. Era o mínimo para seu sustento mínimo e, ainda assim, sofria calotes. Quisera ela ter conseguido ser a empregada doméstica da Disney de Paulo Guedes, mas a falta de referências pela falta de experiência não permitiu.
Fiquei curiosa para conhecer as empregadas domésticas da Disney de Paulo Guedes. Que vida levam? Como conseguem juntar dinheiro para realizar os sonhos de seus filhos? As empregadas domésticas da Disney de Paulo Guedes trabalham até a exaustão, mas não se permitem o cansaço. Moram longe dos postos de trabalho, porque os vizinhos de Paulo Guedes não os querem por perto, então dificultam as construções de estações de metrô. As empregadas domésticas da Disney de Paulo Guedes, como a moça do banco, acordam às 4h e não chegam atrasadas se não houver tiroteio nas portas de suas casas.
Talvez as empregadas domésticas da Disney de Paulo Guedes não mereçam a Disney mesmo. Por não merecerem, enfrentam o risco, trabalham 10h por dia e complementam a renda nos fins de semana ou fazem turnos alternados de 12h limpando leitos mortos. Passam mais tempo cuidando dos filhos da Disney de Paulo Guedes do que de seus próprios, que aprendem a cuidar de si. Mas, o amor e a coragem das empregadas domésticas da Disney de Paulo Guedes e da moça do banco são maiores do que isso – a moça do banco voltou pra escola e seu filho lhe ajuda nas tarefas e deveres de casa. A esperança agora é que mais empregadas domésticas e moças do banco apareçam de fato empregadas e menos domésticas, que busquem a EuroDisney, também de Paulo Guedes, que comam brioches, invadam o Louvre e tirem selfies com a Monalisa e na Torre Eiffel. Que encontrem Paulo Guedes e façam questão de lhe cumprimentar, agradecendo a lembrança no cenário econômico brasileiro. Que, por fim, lhe contem seu próximo destino: Londres, talvez? O enxoval do bebê em Miami? Dizem que lá é mais barato mesmo.
Follow my blog with Bloglovin
Follow my blog with Bloglovin