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Café: extra-forte

sobre o anestesista de São João de Meriti, Rio de Janeiro, que estuprou mulheres em trabalho de parto. Julho 2022.

Hoje eu quis matar alguém. Uma pessoa específica, mas hoje eu entendi a raiva, o desprezo por uma vida. Fica um gosto ruim na boca, uma ressaca sem álcool que dura mais tempo, machuca o estômago, anuvia o cérebro, esgana o coração.

Eu nunca quis matar ninguém. Nem o despresidente, nem Hitler, nem nenhum torturador. Talvez pelas distâncias históricas ou geográficas, ou por privilégio, pude pensar que odiar alguém era desperdício de energia, era um cultivo fétido para fazer germinar uma energia cinza de pó e fumaça.

Mas hoje, ao saber de um médico que estuprava mulheres desacordadas durante o parto de seus filhos, eu quis matar alguém.

Alguém que tornou um dos dias mais importantes nas vidas de tantas pessoas, puro horror e asco. O dia da vida virou um dia de dor, o amor se desfez no ato. O homem que estuprou grávidas vulneráveis, desacordadas em seus momentos talvez mais sublimes e reais, em seus momentos de vir a ser, não merece nada.

Mulheres que querem ser mães, que conseguem rápido ou que penam e sofrem para engravidar. Que chegam ao clímax deste enredo para desfazerem-se como corpos inertes e entregues a um ser que não cabe como humano. Não há humanidade ali.

Este homem eu quis ver morto. Agora, fica o vazio do sentimento depois do enjoo de horas, de uma perda que não é minha e é, é de todas as mulheres. A compaixão nos faz ver além de nós mesmas e aqui, viramos irmãs.

Estou digerindo o peso amargo que tudo apodrece. Pode ser doença, mas talvez seja só maldade. A crueldade, a desumanização, novamente. A certeza, para uns, de que nossos corpos não têm voz, como bonecas ocas à espera de alguém que nos possua, manipule, quebre. Mais uma vez, como todos os dias dos noticiários, fomos nada.

Que se resolva com uma justiça ativa, sem cegueira ou meias verdades. Essa é uma esperança tênue, à beira da desistência da crença nela mesma. A fé na reparação para as vítimas (não há reparo para o horror) é o outro lado da mesma moeda antiga e barata. 

A ver se agora será diferente.

O peso da vontade de matar é muito grande, especialmente quando ele ultrapassa o ponto de ebulição, quando a raiva se esvai e a água, agora morna, tende a esfriar. É a intolerância da vingança, comida vencida que insistimos em mastigar, certos de um futuro sombrio. É um desfavor a nós mesmos, mas, quero acreditar que a humanidade também é atravessada pela ira como uma transformação. Vivemos à beira da perda coletiva de nós mesmos. Talvez ainda tenhamos chance de virar o leme.

Eu nunca mais quero querer matar alguém.

***

Para saber mais sobre o que motivou este texto, foi o crime do médico anestesista que atuava até ontem em São João de Meriti, Rio de Janeiro, acusado de estuprar mulheres sedadas no parto de seus filhos.

Links de referência:
A notícia do G1. Segundo o jornal O Globo online, é apenas a ponta do iceberg, por essa notícia, dizendo que o Estado do Rio de Janeiro tem um estupro a cada 14 dias.
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Faz 1 ano e alguns dias que vivo com Pituca. Minha vira-lata caramelo, a mais feliz do mundo, deixou também mais feliz e rica a minha vida. Nas mais variadas gestações que vivemos nessa teimosa pandemia, voltar a viver com uma cachorrinha e crescer com ela um amor de vida inteira foi um dos maiores acertos. Sabe por quê?

foto de um filhote de um viralata caramelo sorrindo de frente para a câmera.

Porque ter um cachorrinho ou um gatinho é mais do que ter carinhos gratuitos e uma quantidade infinita de fotos e vídeos fofos. É, para quem não tem filhos e deseja um, uma espécie de teste, com o mesmo grau de responsabilidade no cuidado com uma espécie diferente de ser vivo. Pituca trouxe isso e um tanto mais.

Ela me devolveu a delícia de conviver com cachorros depois de 12 anos apenas visitando os que moraram comigo e moravam com meus pais. Ao adotar Pituca, ela se tornou minha: minha companheira, minha "roommate", minha parceira de aprendizados. Foi por ela que passei a socializar no mínimo possível quando a pandemia ainda era um descalabro triste: precisava sair com ela para as necessidades e para que ela, ainda filhote, perdesse os medos de rua e de outros seres - e eu também.

pituca e a autora.

Pituca não conta o tempo, ela vive como os filósofos contemporâneos mandam: o agora. Se agora dá sono, ela dorme. Se está com fome, pede. Se não está com fome, não adianta empurrar a comida (tenho aprendido essa saciedade com ela), se quer brincar, chama. Se não quer, deixa claro também. Com Pituca não tem metáfora e nem indiretas, mas ela entende muito bem nosso idioma, mesmo sem falar muito.

Precisei adestrá-la um pouco, ficou muito tempo em casa nos primeiros meses de vida porque veio adoentada e tinha um medo, herança de maus tratos. Com o adestrador mais carinhoso que tive a sorte de encontrar, ela foi ganhando confiança e indo para a rua, conhecendo novos amigos. Seus amigos viraram os filhos dos meus novos amigos. Vizinhos que se encontram todos os dias no mesmo horário para as conversas sobre tudo e sobre nada. Nenhuma expectativa além de fazer os pequenos brincarem e fazerem o que precisam. A vida ficou, automaticamente, mais leve e acordar cedo, que não era um problema para mim, virou um prazer.

foto de uma viralata caramelo dormindo. Pituca.

Com um bichinho, a gente aprende como a vida pode ser simples - mesmo que tenha seus momentos super complicados. Lembramos que carinho, afeto e cuidado são tão fáceis de dar e deliciosos de receber. E que tudo isso custa nada. Pituca precisa de espaço e o apêzinho é tão dela quanto meu, então, enquanto não penduro as plantas nas paredes, menos plantas, mais pelos. Acordando mais cedo, tenho o tempo da caminhada com ela, o café da manhã sem pressa, a caminhada logo depois para exercitar o corpo e refrescar a alma, com vista para o mar. Na volta para casa, mais carinho, um banho e o trabalho começa. A vida de rotina pode ser cansativa, mas também nos dá o tempo de pensarmos em novos projetos, desejos, necessidades e até para cochilar lendo um livro na rede. Basta acordar cedo.

Ter um cachorrinho não é um benefício gratuito, bem sabemos. Há um custo envolvido que é, basicamente, o da manutenção de qualquer vida animal. Entretanto, é uma vida tão maravilhosa, que traz tanto e demanda tão pouco, que só consigo perceber lucros, e a despesa é paga com prazer.

pituca na praia de itapuã

Não sei se você tem ou teve um cachorro ou um gato na sua vida. Se teve, sabe do que estou falando e sinto um sorriso de cumplicidade. Se está em dúvida, adote. Há muitos animais incríveis e que precisam do seu abrigo e cuidado, em troca de algo que você nem imagina receber. Eu vivo isso todos os dias e espero viver outros tantos por muitos anos. Viva Pituca, um ano de muito amor e alegrias! 

***

Pituca é uma delícia de cachorrinha, né? Para contribuir com o Café, porque não participar com o valor de um cappuccino ou expresso gostoso? Passa no buy me a coffee e deixa um pouco desse carinho por lá! =)  

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Chegamos a meados de abril de 2021 e muita e pouca coisa mudou nestes meses de distanciamento social e pandemia. O tempo passa atrasado e arrastado e, neste descompasso, a coisa aqui no Café foi se encorpando em potência, mas ficamos nisso. Nenhum café foi passado. Chego hoje, como quem não quer nada, para botar o papo em dia.

imagem de pituca, a minha cachorrinha.

Bem assim mesmo, como blogueira pós-adolescente dos anos 00 que fui e sou. Da época em que não existia digital influencer ou blogueirinhas, a menos que fossem bem jovens e crianças. Chego de mansinho para falar da vida, deixando um pouco de cada coisa nas entrelinhas e trazendo meu novo amor, Pituca.

Projeto de 2020, execução perfeita em 2021, Pituca chegou cabisbaixa, meio adoentada, séria e rosnando. Aos talvez dois meses de vida, foi encontrada num terreno baldio por alguém e levada para um lar de adoção de bichos sofridos. Cuidaram dela mas, ainda assim, não perceberam uma coisa ou outra. Faz parte.

Pituca enveredou em um isolamento social comigo desde 30 de janeiro e dele ainda não saiu. Não terminou as vacinas, curou as doenças. Cresce aqui e na casa de meus pais, corre na grama da casa em ruína que será obra em algum momento. Feliz agora, passou muita coisa e as cicatrizes são a prova da perversidade humana. Passou.

Pituca atravessou meu coração assim que a coloquei no colo e ela segue dormindo as manhãs e animando as tardes, e mostra que quem manda aqui é ela. Me deu qualidade de vida, o melhor significado para distração e me julga: me olha na cara quando passo tempo demais no celular e de menos com ela. Reclama que trabalho muito, resmunga se acordo no meio da noite. Pituca sabe viver.

Os cachorrinhos nos mostram como a vida deve ser. Não se preocupando com muito, reclamando seus direitos, comendo quando dá fome, bebendo muita água. Até exercícios físicos regulares ela faz, correndo para gastar essa energia de criança dentro do apartamento mesmo, do jeito que dá. Dorme cedo e acorda cedo.

Nestes tempos de pandemia, consegui sair para caminhar até março e pretendo voltar logo, assim que os números soteropolitanos da pandemia permitirem. A coisa tem melhorado, e tá dando uma saudade imensa de tomar um café com algum amigo e amiga e falar da vida. Imagina a alegria que vai ser viver isso de novo?

Por enquanto, sigo aqui, atualizando a vida com ela mesma, mas prometo conteúdo tão bom quanto esse café desejado em breve. Com novidades, histórias, livros, filmes e reflexões. E, provavelmente, mais casos de Pituca. 

Aproveitando, mando duas dicas inspiradoras, para quem lê em inglês (é assim que eu treino os idiomas, lendo coisas 'aleatórias' nas redes): Deliciously Ella, provando que a vida pode ser mais leve e parece que, sempre deliciosa, e, Brain Pickings, que os amigos que lêem em menor frequência me indicaram e é apenas ótimo. Devo comentar estas referências em breve e porque me fisgaram. Ah! Se você tiver dicas inspiradoras, me manda. Estou fazendo uma curadoria de conteúdo para viver melhor (e ver menos notícias).

Volto logo. 

***

Quer me ajudar a manter este Café sempre inspirado e inspirador? Dá uma passadinha no buy me a coffee e me paga aquela dose maravilhosa de cafeína que tanto amamos. 💓

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É um tempo de tantas mudanças que, talvez a menos importante seja a virada do ano. E também talvez por isso, tenha sido tão tranquilo. Vem, vamos conversar.

2021 cronica do ano novo

Ontem brinquei com meu pai, dizendo que não estávamos em 2021, mas em 2020.2. Claro que não e deus me livre, porque 2020 já foi complicado o suficiente para os nossos corações e tudo o que queremos agora é algo para chamar de novo, para criar um novo ciclo, pensar em novos projetos de saúde, de trabalho, de vida.

Quem me conhece sabe que não sou dada a festas de Ano Novo, que fico meio pra baixo, talvez para compensar essa obrigatoriedade de felicidade instantânea e coletiva que a data impõe. Eu costumo ser uma pessoa bem tranquila e pra cima de forma geral, sem a necessidade de manter a vibração além do meu "normal", como se precisasse de uma exacerbação de felicidade, aos gritos de uma noite apenas. A imposição talvez me importune com a questão de se eu estou feliz o suficiente e naquele momento. Eu tendo a achar que sim, mas vai que... Em todo caso, esse fim de ano foi diferente.

Talvez as expectativas não estivessem tão altas, talvez tudo o que queremos para 2021 seja paz e saúde para todo mundo que a gente conhece e não conhece. Talvez a derrocada de Trump tenha trazido esperança com o enfraquecimento de Bolsonaro. Estive mais leve em tempos mais difíceis, sem forçar o sentimento e sem festa no meu quadrado familiar, restrito e isolado. E tudo passou bem. Talvez por isso mesmo, por podermos ter uma noite sem máscaras.

Janeiro, entretanto, começou violento, talvez com a raiva contida de não haver Carnaval esse ano. O mês foi obrigado a ser o primeiro do ano, contrariando uma tradição ancestral de que tudo só começa depois da festa da carne. Uma pena mesmo, porque eu queria um pouco mais de tranquilidade e praia vazia. Começamos os trabalhos, literalmente, com a velocidade de quem não tem tempo a perder, pelo receio de perder tempo lá na frente, com o descaso atual da pandemia. Descontrole de um verão que nos ganha em um clima delicioso e nos perde nas pessoas egocêntricas e irresponsáveis. A conta sempre chega, gente.

Começo o ano daquele jeito, caminhando na orla, tentando manter a saúde e garantindo os movimentos nos meus músculos que reclamam a ausência da tão conhecida ociosidade. O retorno ao Café: extraforte vem feliz, com a promessa de muitas mudanças, com um calendário de postagens viável - já há alguns meses não consigo manter a regularidade da maior parte de 2020, então resolvi fazer menos e melhor. Da mesma forma, vamos mexer em algumas coisas de marca e, necessariamente, identidade. Nada que me tire o foco do conteúdo, tudo que me torne mais próxima dele e de vocês.

Quero trazer um pouco mais de mim, do pessoal, dos contos esquecidos, das histórias divertidas, das viagens. Um pouco do dia a dia aqui e lá no instagram, cuja facilidade de postagem acelera a interação. No facebook, um pouco a replicação destes conteúdos. Inseri também aquele formulário para newsletter, que será mensal e com um texto apenas, para não ocupar muito o tempo de ninguém, não encher o saco e trazer algo que, espero, seja legal.

Vamos começar juntos esse 2021 com a vontade de ser feliz, com certeza mais saudáveis e, quem sabe, até com um cachorrinho. Sinto falta de ter um pequeno, de quatro patas, a me 'atrapalhar' os dias. Vem, ano novo, vamos fazer diferente!
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Venho sem desculpas e meias palavras: não gosto dessa expressão "novo normal". Explico o porquê, porque entendo como surgiu e o que significa. Além das atualizações, claro.

o novo normal e como lidamos com o dia a dia de novos comportamentos na pandemia.
balcony concerts by Catherine Cordasco, @unitednations
A proposta do lado de cá é fazer o contraponto das minhas experiências no Brasil da pandemia e do isolamento com a situação da minha comadre de primeira viagem, Camila. Ela está grávida, esperando Luquinhas e mora no outro lado do oceano, em Dublin. Do meu lado, a vida também mudou quase toda: mudei de cidade, saí do trabalho, um pouco aquelas histórias de filme, em que a vida da mocinha vira do avesso, ela tem que encontrar um novo caminho e acaba numa comédia romântica. A parte romântica da comédia ainda não está definida, mas o importante é ter fé!

Camila vive o dia a dia também afetado pelo coronavírus, que já passou por um isolamento mais fechado, a situação melhorou e agora, como sabemos, a Europa vive a segunda onda da pandemia. Não sabemos como vai ser, mas os países se preparam para um novo lockdown e ela segue um pouco descrente, tendo em vista o comportamento do cidadão irlandês. E a gente achando que só a nossa turma era indisciplinada. Enfim.

Do lado de cá, a vida segue aos atropelos. E essa história do novo normal que, junto com a pandemia, vem de todas as formas e meios. Todo mundo fala nisso, como se fosse uma coisa universal. A única coisa universal mesmo é a globalização e que, mesmo assim convenhamos, não é global. A gente não sabe o que acontece no mundo todo, não tem acesso a todo mundo. Hoje, descobri o inferno que está sendo a vida na Nigéria com uma força policial chamada SARS - com cara de milícia - brutal, talvez até mais do que a nossa. Claro, a informação e os transportes ficaram mais acessíveis, contudo, global é muito absoluto. E os algoritmos acabam nos fechando em bolhas, de qualquer jeito.

pandemia e novos hábitos. o que é o novo normal?
Erik Odiin, unsplash

Então, o novo normal está aí. A expressão indica que antes havia um normal, chamemos de velho normal. No velho normal, era tudo igual ao novo, à exceção do uso de máscaras em vários países. O álcool gel já existia. A gente não higienizava o supermercado inteiro, isso é verdade, mas o hábito de lavar as mãos sempre foi uma realidade. E o home office também. Menos frequente e intenso, mas presente. A história de deixar os sapatos na porta de casa também - especialmente se você mora sozinho e não tem muito tempo. E vamos lembrar que isso vale apenas para uma parcela da população. Mas, deixemos esse ponto sensível para outro dia.

Entretanto, apesar de ler e ouvir muita coisa genérica sobre o tema, ontem me caiu um texto que foi mais assertivo, que mostrava como o novo normal não é geral, amplo e irrestrito. Que, ao contrário, é específico, individual e particular. Sendo assim, não há um novo normal. Há uma adaptação à situação imposta e alguns pontos em comum com outros viventes, mas nada que se imponha 1. como novo e 2. como normal. A própria ideia de 'normal' já é desconstruída largamente por aí, na literatura de O Alienista, do sempre incrível Machado de Assis e em muitos estudos sobre saúde mental. Com isso, vamos parar com essa generalização, essa imposição da norma - aí sim, a origem do normal - como se tivéssemos que seguir uma cartilha que identificasse o que é novo e velho normal. Nada é normal. Aliás, nem o nada é normal.

Depois de vir aqui provocar, conto que a vida anda corrida. Muita coisa pra resolver de mudança e adaptação a Salvador, à pandemia e ao retorno de alguns hábitos. À vontade sempre crescente de encontrar os amigos, ao medo da doença e de seu espalhamento. Situações e imprevistos familiares, projetos empolgantes e até uma novidade que vou trazer aqui quando estiver mais ou menos pronta. Estou disposta a mais uma mudança porque, mesmo nesses tempos de suposta estagnação - taí um ano que está sendo diferente de qualquer outro - seguimos adiante. 

novo-normal

Já fui à praia, entrei no mar e agradeci. Por estar viva e com saúde. Por estar em Salvador, por ter a família perto e os amigos também - na distância de um aperto de mão ou aceno - ou ali, no fio do telefone, na tela do celular. Sou muito grata - sem essa agonia sem sal de #gratidão - em ter os amigos que conquistei. E esse ano, um desafio daqueles, tão difícil e doloroso algumas vezes, tem sido também tão feliz em ver novas vidas surgindo, amores crescendo e se multiplicando. Só aceito o novo normal se ele significar mais amor compartilhado, empatia e cuidado com o outro. O resto é propaganda pra vender jornal e marketing para vender coisa.

Mas, talvez eu esteja errada. O que você acha do novo normal? É novo? Normal? Me conta um pouco da sua adaptação, de como anda a vida do seu lado.

Para contribuir com esse blog maravilhoso e torná-lo permanente e atualizado com frequência, me chama para um cafezinho? =)
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Hoje é 8 de outubro, dia do nordestino. A bem da verdade, descobri isso só ontem, enquanto escrevia uma peça de trabalho sobre a data. Nordestina fuleira, meus conterrâneos diriam. A vida anda corrida, mas, hoje deu tempo de vir aqui conversar um pouquinho sobre o assunto.

8 de outubro, dia do nordestino.

A data surgiu em São Paulo, em homenagem ao poeta cearense Patativa do Assaré e a Catulo da Paixão Cearense, o compositor da maravilhosa Luar do Sertão, que Gonzagão imortalizou. Pelo que pesquisei, há indícios de que a data da celebração teria mudado para 02 de agosto, puxando sardinha para Luiz Gonzaga em seu dia de nascimento. Mas, o que importa mesmo, é saber que ser nordestino é... incrível.

Não sou muito bairrista, mas venho de Salvador e pouca gente desgosta da cidade. O pai de uma ex-colega de trabalho é uma dessas pessoas e ela mesma justifica, dizendo que ele não teria tido a impressão correta. O fato é que, não apenas os soteropolitanos, como os baianos e os nordestinos costumam ser calorosos e receptivos a seus visitantes, amigos e familiares. É de onde vem o calor humano, a intimidade que se pega no ar, o 'vem cá tomar um café comigo' e até mesmo, o 'passa lá em casa' honesto, real e sincero.

patativa-do-assaré-
O poeta cearense Patativa do Assaré
Mas, nem tudo são flores e toda a nossa pobreza também é uma marca indelével. A região, com toda a sua riqueza cultural e natural, carece de recursos e atenção politica em quase todas as esferas e a conta chega. Fome, seca, miséria, analfabetismo. A situação está um pouquinho melhor do que há 15 anos, mas ainda se encontra muito disso, além de um grande e estranho preconceito de uns e outros com nossa terra e com quem vem dela.

Já tratei disso aqui nas eleições de Dilma, já fomos taxados de ignorantes e isso retornou nas eleições do seu presidente Jair Bolsonaro (meu mesmo não é), quando a região foi a de menor receptividade ao 'capitão'. Mas, não se encerra aí, no Rio de Janeiro, há "paraíbas e baianos" para representar os nove estados. Em São Paulo, a 'baianada' é a bandalha, a 'roubadinha' que você dá no trânsito, como se fôssemos imprestáveis motoristas ou como sinônimo de coisa errada. Não me importo tanto com isso, mas há quem se incomode e nós, até onde eu sei, não perdemos muito tempo falando de quem a gente não conhece.

foto de Luiz Gonzaga para o dia do nordestino.
Outro grande mestre, Luiz Gonzaga
Eu quero é saber mais do meu nordeste, conhecer este mundo de cidades e espaços que ainda não visitei, repetir os encontros naqueles que fui e me encantei. A Bahia sozinha, meu quadrado, já é maravilhosa o suficiente, mas sei que há muito mais pra ver e comer. E ouvir e dançar. E nadar e escalar. E conversar e amar. Porque é isso, tem tudo aqui, gente. 

O nordeste é terra de aracajé, carne de sertão, cuscuz, canjica, mugunzá, moqueca, pirão, cozido, quiabada, cocada e caruru. Tem fruta que só tem aqui (a região Norte também está de parabéns nesse aspecto), tem coco verde baratinho para beber e comer a carne. Tem o maior litoral do país e de águas quentinhas e maravilhosas. Tem verão o ano inteiro e aqui em Salvador, inverno é frente fria de 23 graus.

É terra de tanta gente boa, que vou fazer uma lista curta, só para deixar na vontade: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Amado, Patativa do Assaré e Gonzagão, Maria Bethânia e Daniela Mercury, Tom Zé, Alceu Valença, Rachel de Queiroz, João Cabral de Melo Neto, Glauber Rocha, Geraldo Azevedo, Belchior. É muita gente mesmo, mas é melhor parar por aqui, porque senão fica chato de ler. 

salvador-bahia
É terra de muito trabalho, mas tem água de coco para matar a sede
Eu não sei dessa história de dia do nordestino. Entendo que a homenagem vem de São Paulo, porque é a capital que tem mais nordestino fora da região, mas não sei se precisamos da data, na verdade. Acho que a cultura popular é forte e viva e não precisa deste compromisso fixo, como se fôssemos uma espécie diferente daquelas das demais regiões. A menos que exista o dia do nortista, do sudestino, do sulista etc. Se alguém descobrir isso, me avisa. 

Que o nordeste é terra viva, de gente retada e batalhadora, não é novidade. Que respondemos por parte da cultura e diversidade nacionais, também é falar o óbvio. Que temos uma culinária vasta e específica por cidades e estados, só vindo para conhecer e se certificar. Que somos incríveis e sinceros - posso falar por mim e por meus amigos, sim. Mas também, tem gente bizarra em tudo quanto é canto e queria eu dizer que não tem aqui. O nordeste é o coração do Brasil e não acredito que precisemos de um aniversário para confirmar isso, só precisamos que deem atenção econômica real e respeitem nosso povo e natureza. O resto é história.

E você, o que acha desta data? Compra a ideia de comemorar o dia do nordestino? Me conta! E, para me ajudar a manter este espaço vivo e crítico, me convida para um café? Ah! Não achei Luar do Sertão, mas encontrei essa coisa linda, para trazer um pouco de música para esse blog maravilhoso <3 



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Hoje eu cheguei com uma ideia. É uma proposta revolucionária e coletiva, uma tentativa de refrescar a mente e o corpo. Não sou coach, mas garanto que este desafio vai ajudar a todos nós e transformará um pouquinho nossa vida, se conseguirmos cumpri-lo. Vem comigo! 

redes-sociais

Eu ia postar apenas no instagram, mas comecei a escrever e as ideias fluíram tanto, que resolvi trazer para cá também, assim tenho mais tempo e espaço para desenvolver e respirar. O instagram tem o acesso direto ao debate, então, vale passar lá para participar mais intensamente na troca de ideias. No fim das contas, os dois se complementam. Vamos ao que interessa:

Eu sou a moça da foto abaixo, como é de se esperar. Ela foi tirada em setembro de 2018, quando viajei com uma amiga para a Chapada Diamantina. Naquela época, a gente nem pensava tanto no tempo que passávamos nas redes sociais, porque tínhamos outras redes para deitar, trilhas para caminhar, praias para ir, ambientes e natureza a descobrir. Com a pandemia, tudo mudou.

Ficamos um tempo sem nada disso, apenas com estas redes sociais que melhoraram e, esculhambaram também, a vida de muita gente. Chegou o dilema das redes para relembrar o que muitos já sabem e alertar a turma mais distraída. O fato é que o mundo virtual é realmente complexo, com benefícios e riscos. Mas, no fim das contas, é virtual.

um dia-sem-redes-sociais
Mucugê - Chapada Diamantina | Bahia
Neste 2020, enquanto procurava trabalho, insisti em desenvolver o projeto do Café: extraforte: instagram, facebook, estratégia de conteúdo e marketing para dar mais visibilidade ao que produzo aqui. Adoro escrever, falar sobre literatura e cinema, é tudo a minha praia. Como as praias são a minha praia, as chapadas, as viagens para qualquer canto e até para lugar nenhum, como quando passeamos por nossa cidade, bairro, casa.

Com a coisa toda melhorando aos poucos, entre o controle, o cuidado e o hábito de viver de máscara, começamos a sair de casa e as praias abriram. Os parques abriram. A primavera chegou. Agora, proponho que tentemos reduzir um pouco o uso do celular também, das redes sociais e que voltemos a construir a convivência cara a cara, sem telas e lives. É uma proposta besta, mas é também um desafio de tremenda ousadia. E não será fácil.

Eu já tento ficar fora das redes um dia na semana, mas ainda é só tentativa, acabo me distraindo com uma notificação e entro, nem que seja para fazer a parte 'trabalho', que é responder a quem me acompanha e compartilha dos interesses por este Café. Gosto de compartilhar fotos, filmes, dicas, livros. Adoro discutir estes temas e amo quando alguém me manda um comentário, uma mensagem, porque é gente disposta a uma conversa com um cafezinho, um chá, uma troca de ideias, influências e reflexões. Mas, mesmo amando tudo isso, a coluna não aguenta, o corpo cansa, a família se distancia e criamos esse universo todo de relações a distância, com encontros cada vez mais raros.

um-dia-sem-redes-sociais
Jericoacoara | Ceará
As fotos que posto aqui são de provocação mesmo, para mim e para você. Para relembrar os lugares por que passei, as pessoas que conheci, as experiências que tive enquanto não estava com a cara na tela, mesmo eu tendo tirado ou aparecido nas fotos. O objetivo era mais do registro para a memória do que uma confirmação social por meio das redes. O que não me imiscui de participar daquele mundo e também gostar quando alguém comenta uma nova postagem. Quem nunca?

Mas, novamente, eram tempos de passeio, de andar nas dunas, de conhecer pessoas, caminhar por trilhas, subir montes, mergulhar nas águas geladas de uma piscina natural ou naquelas morninhas que só as praias do nordeste oferecem. De andar pelas ruas de uma cidade nova para nossos olhares e se perder em um muro diferente, em uma escultura pendurada no céu ou de provocar a si mesmo em pequenos desafios e novas refeições. Para tudo isso, não dá para usar o celular. Para conversar de verdade com um amigo ou amiga em uma cafeteria, não dá para ter o aparelho do lado com a tela virada pra cima, como se estivéssemos sempre à espera de algo mais importante do que o presente. E, de novo, eu também estive nesse lugar, nessa ansiedade e busca por retornos.

Por isso, proponho o desafio para mim e para você, que venha comigo devagar e tranquilo, mesmo com essa ideia simples e que sim, será revolucionária. Vamos ficar um dia sem redes sociais?

Um dia por semana, para ser mais precisa. Um dia sem checar feed de nenhum tipo: facebook, instagram, twitter, youtube, happn, tinder, tiktok e sei lá mais quantas. Sem checar notícias também, naquela ansiedade por saber mais sobre os números da pandemia - vivi assim um tempo - à espera de dias melhores. Vamos usar o whatsapp com parcimônia, sem checar grupos. As mensagens importantes virão e serão respondidas, como as urgências, em ligações telefônicas. Não me parece uma ideia insensata. O que acha?

viagem-escocia
Terras Altas (Highlands) | Escócia 
Vai ser desconfortável, vai gerar um pouquinho de ansiedade no início, mas preceberemos como usaremos nosso tempo, este tempo que 'perdemos' escolhendo filtros, compartilhando memes, conversando 'nada', checando feed e, literalmente, vendo a vida virtual do outro. Vamos nos voltar aos encontros ao vivo e a cores, com segurança e responsabilidade. Vamos à praia, aos parques, caminhar por aí. Está difícil viajar, então marquemos um cafezinho, pode ser em casa mesmo, com um amigo, para botar o papo em dia, pode ser no play do prédio, na porta de casa, se o medo maior for da pandemia.

Que se faça ao vivo o que tem sido feito por internet. Que deixe mais tempo para as plantas, os livros, os filmes, as refeições em família. Que se tente preparar um prato novo ou se busque aquele caminho não costumeiro. Que se dê uma volta, sozinho mesmo, pela cidade. Vai ser bem diferente. Desative as notificações - por um dia. Um dia por semana.

Será que conseguiremos? É pedir demais? 
Como vivíamos antes das redes sociais? E do celular? E, arrisco dizer, da internet?

Um dia por semana sem redes sociais.
Vamos juntos? Testa e me conta como foi? Pode ser aqui mesmo nos comentários ou no próprio instagram. Farei conteúdos periódicos por lá também, para não perdermos a ideia de vista.
Me conta. Vai ser lindo.

***

Vamos manter esse Café funcionando a todo vapor? Vem comigo! Com muito pouco, já faz uma diferença danada =)
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Uma história de maio de 2007, cheia de atitude, crises existenciais, muita amizade e um pouco de infância. Tudo isso em muito poucas palavras. 
escrita-criativa
algumas das amigas de sempre

***
Salvador, 27 de maio de 2007

Amêndoas. É o sabor do novo chocolate lançado pela Garoto - Talento. Refinado, meio amargo, tem um sabor sutil e de personalidade. Como um café gostoso.

Um encontro com amigos de verdade no fim de semana. Conversa franca, as perguntas de sempre e novas discussões e a permissividade de participar de suas vidas. São os louros da curiosidade sincera e da preocupação com o outro.
Queria ter fins de semana de quatro dias. Queria poder encontrar mais pessoas e passar um monte de momentos longos. Queria esquecer cem por cento das preocupações e me garantir toda para a curtição e para os planos de dominação do mundo. Queria ser, ao mesmo tempo, Pink e Cérebro ou ter mais tempo para escolher quem eu quero ser. 

Mas não hoje. Porque hoje não dou ousadia a ninguém. Só dou silêncio e o trabalho de toda nova segunda-feira.
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Olá! Trago mais uma grande reflexão direto dos meus dezessete anos, entre as leituras, os diários e o que contar. Um pouco de tudo em uma época que - pensando hoje - parecia não acontecer nada. As páginas, entretanto, seguiam sempre cheias. 
páginas da agenda de 2000
07 de fevereiro de 2001

Eu estava hoje a pensar sobre os famosos diários que viraram livros e são super vendidos e falados por aí. Ainda não li nenhum. Ou melhor, acho que um, mas não me recordo qual. Já sei! Acho que foi aquele livro do Jostein (Gaarder, Através do Espelho), da garota que tinha uma doença e vivia na cama, escrevendo em seu diário.

Aquela garota supostamente escrevia coisas belíssimas e inteligentíssimas, o que me fez pensar que só escrevo futilidades. Caso resolvessem fazer de algum diário meu um livro, acho que seria vergonhoso. É por isso que, às vezes, procuro escrever coisas mais inteligentes e até, bonitas.

Acho que consigo fazer isso. Mas acho que esse tipo de preocupação é que é ainda mais fútil. É preciso ser eu mesma. 

*neste dia eu assisti Uma Relação Pornográfica (1999), no Iguatemi. O ingresso do cinema está colado na página.
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Começa hoje uma nova coluna, meio por acaso, meio sem saber pra onde vai. São histórias de anos passados, confissões, diversões da adolesência e também daquele período depois dos 18 e antes dos 25 - puro caos e abobrinha. Vem, a diversão e a falta de vergonha na cara estão garantidas.

agenda-da-tribo-2007
Agenda de 2007
Como tenho dividido do lado de cá as atualizações da vida em tempos de pandemia, estou organizando a casa naquele momento faxina total, de roupas, móveis, utensílios e papeis antigos. Neste processo, encontrei a calça jeans da viagem de 1998 que insisti em manter naquela promessa de dieta que nunca aconteceu, e as agendas passadas, não de todos os anos, mas de alguns que por razões do universo, sobreviveram às intempéries. 

Com isso, encontrei uns textos de minha versão pré-histórica, que valem mais pelo conteúdo quase sempre divertido do que por um primor estilístico - era uma agenda-diário, calma. Postarei de vez em quando alguns deles sem ordem cronológica, ao sabor do vento, para nos divertirmos um pouco com as ideias de séculos passados - muitas vezes tão atuais e verdadeiras como o nosso presente. Espero que dê certo!

***
Chocolate Quente

Sabe como é quando você gosta de alguém de verdade? É exatamente como o gosto do chcolate quente que tomo agora: forte, quente, amargo e doce - gostoso.

É manhã de quarta e o trabalho começa mais tarde. Estou numa cafeteria onde sempre tomo café e/ou seus derivados, mas hoje escolhi o chocolate. Tem um cara na minha frente se esforçando para se concentrar num texto que está escrevendo, enquanto lê outro; deve ser uma resenha. 

É engraçado porque ele está de frente pra mim - descobri agora a aliança em seu dedo - e eu fico parecendo aqueles pintores quando passam horas observando seus modelos. Este cara é meu modelo do dia. Será que ele percebe isso?

Todas as pessoas desta cafeteria têm tempo para deixar o dia correr. Surpreendentemente, ninguém toma café correndo, todos estão sentados. 

Sabe como você descobre se uma pessoa fofoca ao telefone? Quando ela vira os olhos para cima enquanto fala. Tão fácil.

Das duas, uma: ou ele está muito doido ou a revista é muito engraçada. 
Sabe o que é mais fantástico? O momento antes do sorriso. 

Tem este cara que está numa mesa lendo uma revista. E ele começa a rir. Foi incrível, porque deu para capturar o momento exato da transformação. Acho que ele percebeu que invadi sua intimidade.

Salvador, 07 de março de 2007

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Vou confessar a vocês: a essa altura, achei que já estaria recebendo os móveis todos aqui em casa. Mas, como tudo na vida, não adianta se planejar tão meticulosamente quando há um mundo de imprevistos e relações sociais necessárias aos trâmites de qualquer processo. Quando se trata de mudança então, nem se fala. 

copacabana-apartamento
home office carioca
Cheguei ao Rio no dia seis em março de 2008 e só sei disso porque foi dois dias depois do meu aniversário. Eu era uma jovem de 25 anos e fui estudar Cinema Documentário na FGV. Minha primeira mudança foi para um apartamento mobiliado de uma amiga de uma conhecida, Ju, que virou amiga de verdade pouco tempo depois naquele mesmo ano. Ela precisou ir a Pernambuco por três meses e ocupei seu apartamento neste período. Nos conhecemos quando ela retornou e a compatibilidade nordestina bateu forte.

De lá para cá foram oito mudanças em doze anos. Apartamentos por temporada, quarto-e-sala, dois quartos e quarto-e-sala novamente. Contratos de trinta meses, seis meses, três meses, doze meses. Aluguel com fiador, sem fiador, com fiador baiano, com depósito e título de capitalização. Me transformei em uma especialista no processo, da vistoria de entrada à entrega das chaves. E agora, uma novidade em uma categoria nunca explorada: a mudança interestadual.

Mari, minha amiga irmã baiana que segue no Rio já havia feito uma mudança intermunicipal e vivemos isso juntas quando ela veio morar comigo. Eu, entretanto, além da mudança Salvador - Rio de Janeiro com roupas, livros e sapatos, não havia saído de Copacabana. E agora, como um ciclo mítico de renovação, transformação e pandemia, volto a Salvador - literalmente - de mala e cuia. A diferença é que, com a urgência da quarentena, trouxe uma mala pequena e a cuia e todo o resto viriam depois. O que deveria ter acontecido no último sábado.

plantas
do alto das prateleiras sobra saudade
Como nem tudo são flores, meus futuros ex-vizinhos não autorizaram a mudança na data prevista. Como se isso mudasse a vida deles. Ocuparia o elevador de serviço por um par de horas - não tenho muita coisa - e me adiantaria uma semana. Mas tudo bem, não dá para brigar com os donos do bairro - a terceira idade que reina nas estatísticas em todo o país, se concentra no bairro e com toda a certeza, no meu prédio. A mudança foi adiada e acontecerá amanhã - oremos. Mari, mais uma vez me salvará, acompanhando os homens da mudança, que embalarão e colocarão tudo no caminhão e então saberei quando as coisas chegarão. Depois é pintura - já agendada - vistoria e entrega das chaves. Um tchau para o Rio de Janeiro à distância, deixando muito carinho, saudades e amigos que carrego no peito e para sempre.

Do lado de cá a vida segue, tentando manter a sanidade depois de mais de cem dias de isolamento social e ansiedade por ancorar de vez (e por enquanto) na cidade, tornando o espaço habitável personalizado com a chegada das coisas que seguem viagem. Alterno entre o apartamento e a casa dos meus pais, vivemos de convivências restritas e quase os mesmos assuntos, com a sorte e o privilégio reconhecidos de ter um jardim e quintal para cuidar. Acompanhamos a duração dos dias no tempo das plantas, no ritmo solar e lunar da Natureza com letra maiúscula.

Os projetos do Café seguem criativos, às vezes árduos, mas costumeiramente felizes, a ocupação com o que se ama, os assuntos que nos movem, a criatividade em forma de texto e alternadamente, vídeo no instagram me divertem e são um desafio à minha timidez e reservas habituais. O que virá com isso, ainda saberemos, há horizontes possíveis. 

Brindo à suposta nova vida, ao novo normal e ao Rio de Janeiro que me acolheu, me fez crescer e me tornar quem eu sou, seja lá o que isso signifique. Deixo aqui o texto da minha chegada lá, para que se reecontre com esse, de despedida, aconchego e saudade.

Mês que vem eu volto com as novas histórias do lado de cá. E você, muitas mudanças na sua vida neste ano desafiador?
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Com a nossa ideia de contar as histórias de vida real de Camis em Dublin, me veio uma outra, de falar um pouco daqui de Salvador, para ver se nos encontramos no meio do caminho. Eu, do lado de cá, ela, de primeira viagem. Um pouco disso tudo, todo mês. 

cafe-extraforte
Nosso café de 2019 foi em Edimburgo. Onde será o próximo?
O tempo está virando aqui. Salvador vive um outono atípico, mas não há nada de normal mesmo este ano. Está começando a fazer frio - o frio daqui, dos nosso vinte e poucos graus - e tem chovido mais do que... do que sempre, porque é tudo novo e velho pra mim. Estou na cidade há quase três meses e antes disso estive no Rio de Janeiro por 12 anos. Quem já passou pelo Café, sabe que sou baiana, soteropolitana e que amo muito o meu quadrado, mas fazia tempo que não passava tanto tempo aqui. Aliás, até dele, do tempo, já falei outro dia.

Camis vive a primavera e em breve será verão em Dublin. As temperaturas mais altas para ela são o nosso inverno de praia o ano inteiro - que agora está fechada pela pandemia. Ela aproveita o relaxamento do isolamento social enquanto nós, do lado de cá, seguimos confinados na Bahia (o Brasil segue cronogramas distintos por estado), à espera de melhores dados para então, falar mal do trânsito, da hora do rush, de algo próximo daquela rotina que todo mundo sente falta - até de reclamar. Mas, com relação a isso é melhor ficarmos quietos, a Bahia vai bem na medida do possível, com ACM Neto na prefeitura de Salvador, e Rui Costa como governador, tocando as medidas de combate a esse maldito coronavírus. O povo tem ajudado, mas ainda tem muita gente dificultando o processo e atrasando a vida de quem quer se ver livre dessa agonia.

dublin-salvador

Dá pra ver o mar da varanda. Não é uma vista 360 graus ou aquela coisa de cartão postal, mas ainda é meu mar e dá para ficar pensando na vida até perceber que perdi a tarde nisso. Diferentemente de Camis, não estou grávida mas, como ela, estou sem trabalho fixo-oficial-valendo, então temos tempos livres ou tempos de decisão acontecendo. Por ora, a meta é decidir se vou ou se fico - o Rio segue cada vez mais distante e talvez seja a hora de voltar para Salvador, nem que seja por uns tempos. Um luxo sair de uma cidade maravilhosa para outra excepcional, eu sei. Mas ainda assim, viver no meio do caminho está de matar. E nem acarajé tenho comido - deve ser isso o que está faltando.

Das coisas que não lembrava mais do dia a dia da cidade, o salitre (ou a maresia) e o vento são os mais marcantes. É impossível manter as janelas e os pisos 'não nublados' (minha versão fofa para úmidos, embaçados e salgados). Tem que limpar feito um condenado, passar pano duas vezes por vez (sim) e umas três vezes por semana se você for perfeccionista - tudo tem limite nessa vida. Varanda e janelas fechadas à noite porque faz frio e porque queremos manter os eletrodomésticos e eletrônicos vivos o maior tempo possível, antes de morrerem de corrosão. Não é exagero. Mas, faz bem né, não ser materialista e entender que um dia na vida tudo acaba, especialmente na vida de maresia. Ou no salite. 

Daqui a pouco eu volto, que o piso me espera. Conto as decisões, maluquices e acertos - assim esperamos - dessa vida de mulher independente entre duas capitais, no meio da pandemia, na expectativa de dias melhores e tentando planejar os próximos passos. 
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tempo-tatiana-reuter-pandemia

Fazemos uso das horas
As alongamos quando escovamos os dentes
Penteamos os cabelos
Varremos a casa

E queremos o tempo voando
Para que a curva se aproxime de uma reta
Essa geometria dos traços e corpos, sempre perfeita em sua imperfeição

O tempo é também de espera, os setenta dias que se tornaram mais, o governo que, em descaso, os empurra pra frente quando acha que o pode derrotar

Brasileiros e resistentes, seguimos. 
Entre os que hasteiam uma bandeira em mal e mau uso, entre os que, se pudessem, a usariam como cobertor no passar frio das ruas. Estes também esperam por melhores dias

Em casa, espero. Oscilo entre o tempo ocioso, o da criatividade, o do emprego e de sua busca.
O tempo do desejo e da preguiça. O tempo ansioso e angustiado da saúde – particular e coletiva.

Sigo de longe vendo o mar, privilégio e tortura. O mar faz passar o tempo, alivia a alma.
O mar pesa como a saudade na distância que, só olhando pra ele, não a cura.
Para o mar eu rezo e peço pelo nosso encontro, pelo sol que banha minha baía, minha Bahia.
Pela água morna que nos abraça e arrepia de amor.

Na cama, aguardo as resoluções da mulher independente.
Suas aventuras se transformaram em sonhos de travesseiro e promessas.
Os objetivos de conquistar o mundo persistem, ainda que enrolados no cobertor, quando a brisa fria entra pela janela.

Em Salvador, sigo. 
Na riqueza de ter a família e os amigos de infância por perto.
Na saudade de ver o Rio dos amigos da vida adulta, de longe.

Esse tempo que nos marca, que queremos curto e extenso, precisamos dele neste descompasso para viver. 
São tempos de espera e ação. E inação.
São o tempo que dissemos não ter e que agora nos afoga, mas também afaga.

O tempo virou esperança, ao nos compararmos com outras nações.
Mas também é desespero, ao nos compararmos com outras nações.

É tempo de mudança, como disse minha mãe. 
E ela não carrega matéria, como o meu trânsito constante entre as cidades que escolhi viver. 
Ela carrega afeto, amor, amizade, trabalho e luta.
Mas, ela também precisa carregar mais, precisa de munição – palavra de violência.
Precisa de energia, palavra de potência. Precisa de calma. E de tempo.

Sem tempo não tem respiro, não tem exílio, não tem reflexão.
Esse é o tempo que promove a mudança de dentro, do indivíduo e de fora, da sociedade.
É finalmente o tempo de olhar, de perspectiva, de expectativa. De perceber o tempo da natureza e se entender na simbiose com ela. De viver sua conexão com a terra, com os animais, como parte deste sistema, que acreditamos em vão controlar.

Esse é o tempo dos homens, que nunca realmente o compreenderam.
O tempo do humano é o tempo de todos no mundo.
Só não pode mais ser um tempo de ignorância e arrogância.

É o tempo da natureza. Essa sim, a verdadeira vida, que se faz em conjunto e nos contempla.
Esse sim, o tempo dos corpos, da saúde, da doença, da destruição e dos recomeços.
Um tempo que parece de espera, quando pequenas revoluções acontecem todos os dias. Nada está parado.
Nem nós, dentro de casa, esperando. Em nós, em silêncio, mudamos. Pequenas revoluções acontecem todos os dias.

Grávidos de projetos, ideias, vontades e viagens, seguimos. 
Seguimos jornada dentro de nós mesmos, buscando força, amparo e afeto, para nós e para os nossos.
Vibrações para o mundo, a solidariedade pelo desconhecido, pelo enfermo, por todos.
Empatia é palavra forte, mas pouca. É amor nosso, compartilhado.
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Ela é uma pessoa muito organizada, eu bem sei. Vendo de longe, uma moça tranquila e feliz, casa limpa, cada coisa em seu lugar. No trabalho, não consegue se concentrar se sua mesa estiver bagunçada, sendo que está quase sempre vazia. Passei lá um dia para conhecer e te digo, se fosse demitida hoje, não levaria nem uma caixa, possivelmente deixaria tudo lá, lápis e canetas em uma caneca corporativa, calendário corporativo, um ou outro desenho na parede, nada fundamental, só uma lembrança de sua personalidade. Não fossem eles, poderia ser a mesa de qualquer um.

Ela odeia passar roupas. E não consegue sair de casa amassada. Passa saias e blusas sofrendo, assim como evita passar pano no chão. As rugas do tecido lhe irritam na mesma intensidade que os cabelos que grudam no pano ou se escondem nas linhas do piso. Ela me disse que são coisas que lhe desgastam, porque não faz sentido passar pano e deixar cabelos grudados no piso e perde um tempo absurdo na repetição dos movimentos. Logo ela, que odeia refrão de música.

Odeia barulho. Quando lê, cozinha, trabalha, acorda, faz absolutamente qualquer coisa, não entende porque as pessoas precisam falar tão alto e todas ao mesmo tempo. Essa movimentação em seu entorno lhe distrai e se perde nos afazeres, tantos e tão diversos que seu cérebro precisa encaixar tudo em pequenas células, como numa planilha da vida. O barulho mescla essas células sem ordem e lhe deixa num estado de perplexidade com o olhar parado, fixo em algum lugar imaginário. Na certa, ela está olhando para esta planilha, reemoldurando suas células em colunas e linhas.

Olhando de fora, nada disso parece verdade. Somos amigos há vinte anos e seu riso solto, sua fluidez no andar e conversar com as pessoas por um tempo parece infinito e suave para os outros. A verdade é que ela não consegue decidir nada a seu favor, facilmente. O que quer, para onde vai, seus sonhos e desejos. É o caos. E se qualquer outra pessoa teria o olhar parado nestes instantes, ela faz o oposto e foca em tudo ao mesmo tempo, eliminando a profundidade de campo tão necessária à fotografia.

Ela me contou que entrou na terapia. Tomei um susto e ela seguiu dizendo que contou sua história toda na primeira sessão, como se lesse um conto. Que não esperava soluções práticas, uma mentira que me fez gargalhar e a irritou. A moça mais organizada, calma e feliz é uma desordem só, um novelo que a cada sessão se desfaz e refaz porta afora. Como os pequenos nós de seu cabelo de fios finos demais, que insistem em fazer pontas duplas. Ou como a cada ressaca, em que se promete beber menos. Até a próxima ressaca. Ou como aquele paquera idiota, que ela achou ter acertado dessa vez, mas conseguiu ser ainda pior do que o anterior, nem português falava direito. Logo com ela, que se incomodava quando escutava alguém errar verbos, fazia brincadeiras sórdidas com as palavras dos outros, escondidas em um sorriso condescendente e mordaz. Não tolera que falem errado por preguiça, esse atraso do pensar que lhe dá vontade de dar um tiro na vítima: uma justiceira da gramática. É a melhor pessoa que eu conheço. E a que mais odeio hoje.
***
Um conto para desenvolvimento de personagens, de maio de 2016, tarefa de uma oficina de escrita criativa. Uma brincadeira entre verdades e mentiras, enquanto dois amigos tomam café, conversam e se olham em uma mesa para dois.
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De tempos em tempos ela volta a ler em um ritmo voraz. Alguma coisa lhe alerta no cérebro de que está perdendo tempo, entre o vai e vem do trabalho, ainda que passe essas horas olhando a vida dos outros, ouvindo música.

Ou vendo o mar no ponto da cidade que acha mais bonito. Ela não lembra quando foi a primeira vez que viu aquela curva da avenida que margeava a encosta, uma das inúmeras encostas parcialmente habitadas. O morro encosta no mar e a estrada o divide no meio, como um recheio de bolo que escorre pelas beiradas. Em dia de ressaca, o mar bate violentamente contra a parede inclinada que lhe devolve em igual medida outra onda. Como é perto da praia, da planície que surge de súbito, as ondas se chocam em direções estranhas e causam um estrondo que não se ouve nunca, mas que se vê, nas espumas que sobem a não sei que altura. Quando o mar se prepara para uma ressaca começa a vibrar, uma pulsação o toma, mas precisamos esperar o dia seguinte. O maior espetáculo da terra está ali, aberto, amplo, violento.

Hoje ela não tem visto muito isso. Construíram uma ciclovia depois da pista, atrapalhando a visão da encosta. Não tem problema, ela pensa — aparentemente há que haver ciclovias pela cidade inteira agora. Se for em pé no ônibus, consegue alguma coisa.

Ela voltou aos livros. Tenta alternar entre os romances e os livros de estudo — fotografia, cinema, filosofia, relações de poder — mas sempre acaba comprando outros romances e entope a estante com mais histórias pela metade. Se pudesse passaria a vida lendo, estudando, escrevendo. De certa forma o faz, mas escreve e-mails corporativos, lê artigos sobre o trabalho e fala muito ao telefone. O tempo que sobra é pouco para o tanto que precisa. Agora ela não ouve música. Não consegue se concentrar no livro se escuta algo, se distrai e quando vê, voltou 3 vezes naquela frase curtinha e saiu cantando a letra. A música lhe atravessa sempre, usa um caminho que ultrapassa o cérebro e lhe aperta o peito se ele não estiver muito seguro de si. Desistiu, por enquanto.

Esqueceu os caminhos de casa e do trabalho, não pensa mais no tempo que leva entre uma coisa e outra. Assusta-se quando vê que já passou por alguns bairros e hoje quase gosta dos engarrafamentos, mas sempre chega reclamando no trabalho, não vamos abusar. Não vê mais a vida das pessoas, não ouve música, não há encosta e ondas voadoras. Essa moça quase chega aos 33 anos e pensa em romances, ainda que em sua vida tudo sempre tenha dado errado. Há um misto de expectativa, dúvidas, descrença e frustração, mas ela ignora tudo agora, porque se perde nas histórias, um pouco de conforto não faz mal. Outro dia se pegou pensando sobre esta história de zona de conforto. Qual é mesmo o problema disso?

Voltando para casa, uma coisa lhe aconteceu. Leu não sei quantas vezes a mesma frase, o mesmo período, na verdade. Dobrou a página para reler em casa, riu sozinha, quase sem acreditar. Guardou na memória uma frase que era dela, ela tinha certeza. Não fazia muito tempo, havia contado essa mesma história com palavras senão iguais, bem parecidas àquelas e não conseguia entender porque estavam ali. Pensou em mandar uma mensagem para ele, o outro personagem da história real para lhe contar a ficção e o mais importante, perguntar qual tinha sido o filme.

Ele movimentou um pouco o joelho, e um pouco mais, até encostá-lo no dela.
Transpirava. Quando o filme acabou, ele não tinha ideia do enredo.*

Ela o conheceu fazia tempo. Foram apresentados por um amigo na entrada de uma sala de cinema alternativo que frequentava em uma noite de domingo. Ela não acreditou no que estava acontecendo, não era de se apaixonar assim, sem nem saber o nome, em uma sessão qualquer de algum provável filme francês. Ele fazia aniversário, mas ela só soube disso depois, quando saíram do filme que ela nunca lembrou.

Ela riu sozinha hoje no ônibus. Estava tudo gelado mesmo sendo verão, as pessoas não sabem regular os aparelhos de ar condicionado. Enrolada em um casaco fininho, ela seguia virando as páginas e parou ali, dobrou a pontinha porque passaria adiante e queria marcar aquela frase, como se fosse possível esquecê-la. Saiu do ônibus e ainda teria que pegar outro, é um desses de conexão. Mesmo sendo tudo muito rápido, estava ansiosa, precisava chegar em casa, não podia continuar parando no meio das calçadas, desse jeito vai ser assaltada e pior é se lhe tomarem o livro.

Não contou para o personagem que a história deles estava escrita em um romance. Pareceu demais, ela pensou depois de um tempo. Foi uma história platônica, com obstáculos que na hora não pareciam ser muito importantes, era questão de esperar um pouco mais, não fosse a casualidade responsável por um fim inesperado. Hoje não tem mais isso de paixão assim, do nada. Mas por dentro, em um espaço que ela não costuma dividir com ninguém, é tudo ao contrário, está lá essa vontade de encontrar com alguém e tropeçar em um olhar desconhecido que lhe parecerá familiar, como uma cena de comédia romântica. Vai rir, com uma certeza quase louca e uma ponta de desconfiança que tentará dissimular, sem acreditar no que pode acontecer. Dessa vez não haveria obstáculos, a história não aparecia num livro de romance, de mentira — e quem acreditará nisso? Pode ser que volte a dar tudo errado novamente, mas ela tentaria. Dessa vez, quando ele disser que vai correr perto de sua rua, ela vai deixar a porta aberta.

***

*O livro: KRAUSS, Nicole. A História do Amor. Companhia das Letras.
**Conto publicado em 24/02/2016, no medium.
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Novo plano: acordar cedo. Cedo de verdade, naquele raro momento em que os guardadores de carros estão no sono dos justos e não começaram a gritar para os donos dos carros onde parar. Tem que ser cedo, mas nada disso impedirá os caminhões do corpo de bombeiros nos atravessarem com suas sirenes altíssimas, como o rádio-relógio de minha irmã quase dez anos atrás, quando morávamos na mesma casa. Acima de tudo, precisa ser cedo o suficiente para que consiga cumprir os itens da lista antes de ir para o trabalho.

Uma coisa importante que percebi quando mudei pra este prédio, há quatro meses: os bombeiros têm muita demanda. Não sei o que acontece na cidade, sempre que estou em casa, ouço os caminhões a toda, correndo para socorrer alguém. O batalhão fica a uma quadra daqui, então é impossível não ouvi-los. Quando fazia natação duas ruas ali perto, dois bombeiros nadavam lá e pensei: claro, precisam estar em forma, mas também me veio à mente o quão prático era trabalhar perto e quanto tempo livre eles tinham para fazer natação pelas manhãs. Como eu.

Quando morava com meus pais, era na última casa da última rua de um condomínio em Salvador. Silêncio quase total, não fosse a cantoria idílica dos passarinhos, o grito de uma arara louca sempre esquecida do lado de fora de alguma casa, um galo vizinho, estridente e atrasado para a alvorada, os cachorros. Agora, morando em um apartamento em um dos bairros mais movimentados da segunda maior cidade do país, são outros barulhos que me despertam: a cacofonia dos alarmes de carros defeituosos, os queridos bombeiros, as sirenes policiais — sempre me assustam, sempre me assustarão — os guardadores de carro que trabalham por turno, os caminhões de lixo, alguns tiros. Sim, isso também. Ah, e o sino da igreja, porque moro num mundo chamado Copacabana.

Stephen King me contou em seu On Writing, que é preciso estabelecer uma rotina para escrever. Acho até que ele mencionou as manhãs, porque é um momento de sossego universal, quando seu cérebro está mais fresco, descansado e pronto para produzir. Ele disse isso de forma muito mais interessante, mas o que importa é que é notório como funciona para muitos escritores (e outras pessoas de sucesso, executivos e afins, segundo muitos textos do medium).

O fato é que eu tenho parte da manhã livre antes de ir ao trabalho então, decidi abandonar a preguiça que me domina. A meta é acordar às 6h e estou em fase de adaptação, antecipando o despertador um pouco mais a cada dia, como uma tortura gradual. Acordando neste horário, consigo fazer a atividade física obrigatória para chegar inteira à terceira idade, tomar café com calma, arrumar minimamente a casa e escrever. Até agora foram três ótimos dias e vamos fazer uma reza forte às musas e deuses para que permaneça assim. Parece óbvio e muita gente já faz isso na vida, mas, enquanto mulher independente, é um desdobramento importante: não dá para cumprir o dia a dia do trabalho, ir ao supermercado, ler jornais, ir à analista, faxinar a casa, lavar roupas, cozinhar, pagar contas, ler trinta e cinco livros por ano, assistir séries e filmes, ir ao cinema e à praia, escrever críticas, contos e crônicas, tomar umas cervejas de happy hour, viajar nas férias, criar projetos criativos com os amigos e achar que a vida é só isso.

Não temos todo o tempo do mundo e isso precisa servir de inspiração e alerta para um futuro desespero em momentos de crise (existencial).

***
Esse texto é de novembro de 2017. Pouco mais de dois anos depois, tanta coisa mudou que valeu a pena a visita e me pareceu uma boa ideia para marcar nosso estranho presente. Em breve, uma atualização com novas manhãs.
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Nos últimos quase três anos, morei sozinha no Rio de Janeiro. Já havia dividido apartamento com amigas e até com o cachorro de uma delas. Nesse tempo, minha afeição por plantas foi crescendo, talvez porque na casa de meus pais, elas sempre foram de extrema importância. Meus pais precisam de jardim e quintal, de cultivo, faz parte do que eles são. Mas, morando sozinha e viajando com frequência, era complicado ter plantas muito delicadas ou que exigissem muita atenção.

Não sei se foi o tempo passando, se foi o fato de estar novamente em carreira solo, não sei o que foi, me vi cheia de plantas pela sala e quarto do quarto e sala, olhando blogs, tentando não matá-las, comemorando cada nova folha como uma nota alta de um filho numa prova. Flor então, uma festa de aniversário. Virei a moça das plantas, mas até aí, administrável. Quando voltei da casa de uma amiga no interior do Rio com uma muda de Costela de Adão, entendi que era um caminho sem volta.

Saí de um trabalho no fim do ano passado e embarquei neste mundo mágico de assistir televisão. Não vi muita coisa, porque perdi o hábito faz tempo, mas a Netflix tem uma série sobre jardins que me fisgou de uma forma inesperada, e consumi tudo como se não houvesse amanhã. Já era. Vi que eu era realmente filha dos meus pais e isso era óbvio, eu só não tinha percebido ainda. E mais: não estava sozinha.

Minha irmã, essa mulher maravilhosa que lida com as agruras da saúde mental em um hospital psiquiátrico, tem um lado-b que forma nosso núcleo familiar: ela transformou a varanda de seu apartamento em um ambiente digno de literatura, com não sei quantas plantas, composteira, maracujá e o que mais você imaginar. De alguma forma, ela consegue manter essa mini selva e dois gatos, Caju e Odara (pode chamar de Caju e Castanha que ela briga), deixando todo mundo vivo e feliz.

Hoje, estou de volta a Salvador, não sei por quanto tempo. Com esta situação global, estamos todos isolados e não tenho previsão de retorno ao Rio. Estou em outro apartamento e sigo morando sozinha com meia dúzia de plantas em vasos, mas viro a jardineira dos meus pais no fim de semana, quando vou à casa deles. É como um novo trabalho, quem sabe uma nova escolha de vida.

Lidar com plantas é conversar com a natureza. É entender que o que as torna vivas é o mesmo que nos faz crescer saudáveis. É ver que não precisamos de muito e que é preciso tempo para florescer, evoluir, curar. É sorrir ao ver uma plantinha quase murcha e, depois de algum cuidado, se esticar toda atrás de sol como se estivesse acordando, e brilhar um pouco mais a cada dia. É ver como uma chuva torrencial pode fazer bem, de vez em quando. É não pensar em mais nada, apenas no que nos torna vivos, como um único e imenso organismo. Somos só um pequeno sistema dentro deste todo.

Meus pais entendem isso como ninguém, assim como minha irmã, que vejo agora só falo por telefone e em raros momentos ‘ao vivo’, a metros de distância. Ela não parou de trabalhar, então não podemos nos abraçar, mas dá pra rir, contar piada, falar da vida, fazer ligações para ver os sobrinhos felinos em vídeo-chamadas e as plantas da mini selva. Ela faz aniversário hoje e esse texto é pra ela.
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Tati Reuter Ferreira

Baiana, curadora de projetos audiovisuais, escritora e crítica de cinema. Vivo de café, livros, cinema, viagens e praia. E Pituca.


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