Chegamos ao final da série 1899, cujo início comentei no post anterior. Agora, além de falar sobre a produção, surgiu uma polêmica para discutirmos: a denúncia de um suposto plágio da obra de uma autora brasileira, Mary Cagnin, que escreveu Black Silence, um quadrinho que apresenta similaridades com a produção da Netflix. E sim, parece improvável, mas não é impossível de acontecer.
Antes de entrarmos na polêmica, vamos por partes. A série de fato é muito boa. A ideia aqui não é trazer spoilers, mas dar uma ideia do todo, respondendo à pergunta de sempre: vale a pena assistir? Sim, vale. A série é menos sombria do que Dark, o roteiro tem algumas barrigas - cenas que poderiam ser encurtadas, momentos da narrativa que alongam os episódios e não são fundamentais - mas, suas reviravoltas a partir do 4 episódio são interessantes. Quem não leu nada sobre a série (recomendo que siga assim), não consegue vislumbrar, no início, o final que esta temporada terá.
É interessante ver a construção narrativa e entender como os criadores conseguiram esticar a trama para o alcance e transformação que tem. A partir de um ponto, eu comecei a visualizar parte da ideia final da obra, sem saber ainda como seria sua conclusão e, de uma maneira, ela me lembrou Westworld. Esse é o máximo de informações que darei para garantir a surpresa do espectador.
Para além dos spoilers, é muito bacana perceber que, como na série anterior dos mesmos criadores, aqui há também muito simbolismo. É parte da graça da série quebrarmos a cabeça para entender ou nos anteciparmos sobre os destinos dos personagens. Então trago alguns, como a pirâmide, um elemento histórico e místico importante para nossa história mundial, cuja função é dar morada 'eterna' aos antigos faraós do Egito. Em seguida, os nomes dos navios: Prometeus e Cérbero, dois personagens importantes da mitologia grega. O primeiro roubou o fogo divino para dar aos humanos e, como castigo também divino, foi amarrado a uma pedra, e todos os dias uma águia comia seu fígado, que se regenerava para um novo ataque no dia seguinte por toda a eternidade. O segundo, Cérbero, um enorme cão de 3 cabeças que guarda a entrada do reino de Hades, o reino dos mortos, de onde nenhuma alma sai e os vivos que ali adentram, são despedaçados em seguida. Além disso, tem essa entrada de sonhos / realidades paralelas, que se remete tanto à física dos buracos de minhoca quanto às interpretações de sonhos da psicanálise - ou seja - tem muita diversão para quem gosta de enigmas de todo tipo.
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O enorme e ótimo elenco de 1899 |
O fato é: os atores e a trama se sustentam até o fim, mas eu esperava - e isso é pessoal - que fossem aparecer mais referências ao século XIX como pontuei no texto anterior. É o penúltimo ano do século, de um século com tantas transformações em diversas áreas. 1899 funciona mais como um cenário do que como um motivo real para o ser título da obra. Pelo menos, nesta primeira temporada é o que dá a entender. Caso encontrem outros motivos que tragam mais relevância ao ano na série, mandem pra mim por aqui ou no instagram do Café: extra-forte pra gente discutir.
Agora sim, falaremos sobre o plágio. O mundo recebeu com surpresa a afirmação da autora brasileira Mary Cagnin em sua conta no twitter, acusando os criadores de 1899 de plágio. O plágio, como sabemos, é a reprodução total ou parcial de um conteúdo produzido de uma pessoa por outra sem sua autorização e/ou conhecimento. Ela afirma que há na série vários elementos e ideias iguais ou muito similares aos de sua criação, citando a pirâmide, escritas em código e outros.
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Mary Cagnin |
Acabei de ler Black Silence - a autora disponibilizou a obra para o público, objeto do suposto plágio - vou indicar sempre que é suposto porque não é da minha competência dar esse atestado - e os elementos que ela cita, em parte, estão lá mesmo. Não sabemos se é uma estranha coincidência (pirâmides são referências muito usadas em ficção científica, assim como escritas em código), como também vale afirmar que as narrativas das duas obras são bem diferentes. O roteirista e criador da série, Baran Bo Odar se manifestou, indicando a impossibilidade do plágio em sua conta no instagram e disse ter tentado contato com a autora brasileira para que se entendessem.
A polêmica funcionou como um chamariz para as duas obras, que agora entrarão com mais uma camada no crivo do público, que se tornará o avaliador da suposta cópia. Cabe aos advogados especializados em direitos autorais essa matemática sensível, mas, da forma como foi posta a questão, me pareceu que o plágio seria mais escancarado, como o de estudantes que copiam textos de mestres, e identificamos logo de cara o problema. No caso da série e do quadrinho, alguns elementos estão lá, mas as histórias me pareceram bastante distintas de forma geral, tanto que não sei se cabe a ação. Mas, como disse anteriormente, é deixar com os especialistas.
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1899 à esquerda, Black Silence à direita. |
De todo jeito, vamos aguardar o provável e ótimo retorno financeiro desta primeira temporada de 1899, aquecido não apenas pela qualidade da obra, como pela polêmica que se fez em torno dela. Casos assim acabam servindo à curiosidade do público, que quer ser parte da trama, nem que seja apenas por conhecimento, para a boa conversa na mesa do bar ou tomando um café. Acho que o plágio é uma realidade em qualquer meio e, neste caso específico, há muitas nuances a avaliar antes de se atestar algo tão grave. A série segue valendo a pena, a temporada de debates está aberta e quem quiser falar sobre simbolismos, sobre as qualidades e defeitos da obra, expectativas e interpretações com e sem spoilers, estou por aqui com meu café quentinho, esperando a visita. :)
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O Café está em constante e parcimoniosa atualização. Em breve, volto com novidades. Para contribuir e deixar este lugar ainda mais aconchegante, dá uma passada no buy me a coffee. Por muito pouco, se faz muita diferença ;)