A família Richthofen (da ficção) |
Partindo de um crime que abalou o Brasil, a Amazon Prime Video aposta em um lançamento nacional duplo: A menina que matou os pais e O menino que matou meus pais, dois pontos de vista da mesma história, nenhum deles verdadeiro.
Tratar de verdade em uma narrativa ficcional é um tema polêmico. Tratar da verdade em 2021, não apenas abarca o mesmo adjetivo, como o torna controverso. A verdade anda cara em nossos dias. As fake news não são a novidade do século, mas tornaram-se mais perniciosas, preocupantes e moldaram muito do comportamento, política e economia de grandes nações nos últimos anos. O assunto é tão sério, que há novos estudos sobre o tema, também por força do avanço das redes sociais e seus impactos nos mais jovens.
No Brasil, estamos familiarizados com a desinformação. Dentro da casa de cada brasileiro há uma ou mais pessoas que ouvem apenas um lado da história e acreditam que é esta a verdade dos fatos. Muitas vezes, sem sequer conhecer os fatos. Muitas vezes, sequer sabem se os fatos realmente os são. Em uma trajetória de informações distorcidas e falsas, sobre muito do que nos cerca, somos encaminhados através dos algoritmos por uma narrativa que vai se firmando e se pretendendo real. Em estudos de comunicação se dizia que se virou notícia, é real. Com tantos mecanismos de propagação de ideias e histórias, com a pseudo democracia da informação na internet, como fica essa afirmativa nos dias de hoje?
cartaz dos dois filmes sobre o caso Richthofen |
O menino que matou meus pais e A menina que matou os pais se encaixam perfeitamente neste momento. Os filmes abrem com a informação de que são uma narrativa ficcional baseada em fatos reais, em especial, nos depoimentos dos principais assassinos, Daniel Cravinhos e Suzane Von Richthofen. Com essa premissa, é preciso estar atento e forte: nada do que for contado ali é, realmente, digno de crédito.
Como Elize Matsunaga, o caso Eloá, Eliza Samudio, o Maníaco do Parque e Daniela Perez, este é mais um caso que tomou o país. Suzane e Daniel planejaram e assassinaram os pais dela enquanto dormiam em sua casa. A intenção era viver sem eles, aproveitando a boa situação econômica da família. Quando chegamos aos depoimentos e investigações da época, o que sabemos é deste jogo de culpa, quando o casal rompe em uma troca de acusações. De vítimas, ficaram os pais mortos e o irmão de Suzane, Andreas, que carrega um passado e presente trágicos.
Allan Souza Lima (Cristian Cravinhos), Carla Diaz (Suzane von Richthofen) e Leonardo Bittencourt (Daniel Cravinhos) |
Entretanto, a curiosidade sobre grandes crimes é parte do que nos torna humanos. Talvez menos pela morbidez dos atos, mas por uma busca de compreensão, de entender se há alguma justiça nos crimes cometidos ou se é, apenas maldade, perversão, violência gratuita. Neste percurso, de nada os filmes nos servem. Juntos, eles são um jogo narrativo de inversão de papeis a partir do discurso dos depoimentos dos réus. Os vilões, responsáveis pelo crime, se alternam nos filmes e é apenas isso o que vemos.
Talvez o que mais decepcione seja justamente isso: os autores decidiram não contar as histórias que desejávamos tanto conhecer. Esta escolha de jogo de cena seria interessante como uma alternativa, algo como o que vemos em Corra Lola, Corra (Tom Tykwer, 1998). Ali, em um único filme de ficção, há diferentes pontos de vista para uma mesma história, nos dando um panorama mais completo do que estamos a conhecer. Nesta obra escrita por Raphael Montes e Ilana Casoy, e dirigida por Maurício Eça, deixamos escapar a veracidade dos fatos, a única coisa que realmente importa em uma história de crime verdadeiro. Em tempo: é importante ressaltar o respeito pelas escolhas da produção. Só é uma pena que se perca a oportunidade de abordar o entorno do crime, os julgamentos de fato, as histórias um pouco mais próximas da realidade.
Daniel Cravinhos e Suzane Von Richthofen |
Ao sair dos filmes, ficamos com as mesmas questões com que entramos: o que de fato aconteceu? Por que aconteceu? O que fez com que eles saíssem de vítimas colaterais a suspeitos e então condenados pelos crimes? Por que não sabemos nada sobre as investigações? O que aconteceu a Andreas? Ao colocarem as famílias de classe média e classe alta em oposição, a única coisa que sabemos é sobre a polarização de velhas ideias e preconceitos, punindo não apenas os criminosos, mas suas classes e dando a entender que o interesse motivador do crime não partiu apenas de Daniel - no caso de O menino que matou meus pais - mas de toda sua família. Na versão que se quer oposta, se diz: a pobre menina rica não aguentou a pressão preconceituosa de seus familiares e, por não ligar para dinheiro (apenas porque o tinha em profusão), arquitetou sua solução final com o extermínio dos pais para viver melhor.
Talvez, de positivo, saiamos com a percepção de que ainda não encontramos uma boa forma de contar esta história, abrindo margem para novas produções, já que ainda há muito o que conhecer e encontramos um público ávido e receptivo à produção nacional. Com tantos streamings investindo em conteúdo brasileiro, esperamos o aquecimento do mercado audiovisual como uma nova retomada de produções no pós-pandemia, esta última que promete acabar ano que vem. Se isso tudo for verdade.
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