Cinema em casa | 15 minutes of shame (2021)
Na primeira crítica do ano, vamos com um assunto que parece batido e velho, mas que está todos os dias diante de nós: a humilhação pública. Conhecida como cultura do cancelamento, o tema do documentário 15 minutes of shame da HboMax, tem tudo a ver com o nosso cotidiano, com empatia, ignorância e respeito. Produzido por quem sabe muito sobre o assunto, Monica Lewinski.
Quando vivemos um período de crise, de forma geral, somos tomados por emoções e acabamos tomando decisões precipitadas. Parte delas são julgamentos sobre pessoas e fatos com base nas informações que recebemos em qualquer meio: julgamos por uma decisão errada, uma frase equivocada, uma ação precipitada, uma foto – como as que nós mesmos podemos tomar ou produzir a qualquer momento. O que nos diferencia de quem comete o erro? A fama, o dinheiro? Às vezes, quase nada, apenas a sorte de não estarmos sob os holofotes.
O documentário traz uma premissa que vale o filme inteiro: a ideia de que não sabemos a história de cada um e julgamos pelo que achamos ser verdade, baseado em nossos parâmetros subjetivos e no que a mídia diz, o que quase nunca significa a mesma coisa.
Além disso, o filme traz um panorama histórico e explicativo sobre a cultura do cancelamento com exemplos em todo o mundo. Comprovamos que o que vivemos é a repetição de um comportamento social antigo e, nem por isso, correto. Os ditames morais de cada período reforçam a prática e, em 2022, os apedrejamentos e banimentos continuam como os de séculos atrás, literal, metafórica e virtualmente. A evolução do desfile da vergonha em praça pública se tornou a fofoca de tabloides com os papparazzis atrás de novidades perniciosas sobre famosos décadas atrás. Hoje, com as tecnologias disponíveis, estes famosos são qualquer um: influencers, tiktokers, instagrammers, youtubers, subcelebridades, BBBs, podcasters, quando não um cidadão comum flagrado em uma situação delicada.
Fico me perguntando se o sucesso dos reality shows também não se trata disso, do nosso desejo em julgar o outro e ter ali um programa de TV “realista” que oferece esta possibilidade com pessoas interpretando a si mesmas. Lembremos dos atores de novelas que personificavam heróis e vilões e eram abordados na vida real, recebendo elogios e degradações públicas por uma obra ficcional. Hoje, a ficção não é suficiente. Os realities substituíram a fantasia se fantasiando, eles mesmos, de verdade. Sentados nos sofás das nossas salas de estar, somos os juízes detentores da moral e bons costumes do mundo e distinguimos os dignos de nosso apreço dos que merecem a execração pública. O que não podemos esquecer é: tudo isso é planejado. A humilhação e o banimento dos séculos XX e XXI são uma forma de fazer dinheiro pautada na opinião pública, conduzida através da apresentação de seus personagens e histórias na TV e nos algoritmos online. Nada é por acaso.
No filme, escutamos os especialistas de diversas áreas que trazem reflexões e aprofundam o tema, como a neurocientista que conta como nosso cérebro percebe um indivíduo, indicando que para isso, não basta ter conhecimento sobre ele, é preciso perceber suas emoções e ver seu rosto, conhecer suas expressões. Em tempos de internet, isso se torna supérfluo, especialmente no twitter, o que dá mais poder e menos inteligência às nossas verborragias sobre alguém que, em nosso subconsciente, sequer é entendido como humano. Outra pesquisadora traz a informação de que nosso cérebro libera dopamina ao descobrirmos que um malfeitor foi condenado por seus atos. Partindo disso, fica fácil relembrar tanto a força justa dos movimentos sociais que explodiram na internet da última década em busca de justiça, quanto quando achamos que um indivíduo fez algo errado e foi condenado em nossa praça pública virtual. É a mesma satisfação, mas não pelas mesmas razões. É Tiffany Watt Smith quem estuda o assunto e vai além, falando sobre o prazer que sentimos sobre, com o perdão da palavra, a desgraça alheia.
O filme é interessante e, mesmo tentando abarcar todas as possibilidades de vergonha pública sem necessidade, segue bem, nos fazendo pensar em nossos comportamentos, reações online e no mundo real, e em como somos manipulados todos os dias. É um filme que conversa bastante com O Dilema das Redes e Cidadão Quatro. Produções importantes para pensarmos no conteúdo que produzimos, na atenção que damos ao que nos chega online, em como somos vigiados, no que consumimos virtualmente e como isso nos afeta, nos faz construir linhas de pensamento que se retroalimentam, muitas vezes, alheios à nossa consciência. Somos inundados por uma gama de informações programadas com o objetivo de consolidar opiniões e promover engajamento, gerando lucro para quem as produz. Neste jogo, só nos resta sangue frio e um olhar mais atento ao que nos chega, com o cuidado de promover um engajamento pautado no cuidado e respeito ao outro além, claro, da veracidade do que absorvemos e propagamos. Saímos do documentário com uma reflexão sobre quem somos nestes tempos de manipulação cibernética de forma leve, atenta e com exemplos claros de pessoas que, possivelmente, nós também julgamos quando suas histórias foram à público. Estes são os pouco mais de 15 minutos de vergonha que valem o ingresso.
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