O outono me chama, Luísa Sá Lasserre

by - junho 15, 2020

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Ah, esse meu jeito outono de ser. A frase saiu da boca de uma amiga e, na hora, vestiu em mim certinha, como uma roupa que você jura ter sido costurada no seu corpo, de tão bem que lhe cabe. Eu, que nasci nessa estação de folhas secas, acho que sempre me senti assim, meio outonal.

Observo mais do que exponho, penso mais do que falo, contenho mais do que transbordo. Celebro o recolhimento, os momentos a sós, as leituras de versos e releituras da vida. Converso cá com meus botões em forma de texto. Porque palavra escrita é mais outono do que quando falada.

Não me leve a mal, adoro o verão com suas cores vibrantes e toda sua intensidade solar que nos chama pra rua, nos banha com seus azuis marítimos. Quem não gosta? Às vezes esperamos o ano todo por sua chegada. Mas ninguém vive só de calor e água salgada.


Quando passa o verão, o outono é aquele que chama a gente pra dentro de casa e arruma a mesa pro inverno que inevitavelmente chegará. É como se nos convocasse à cozinha e dissesse: senta, espera, já, já caem a chuva e as folhas secas, logo tudo muda; por enquanto, aproveita o tempo e toma um chá. O outono me chama e eu obedeço. Sento, contemplo, deixo estar.


O inverno tem seu lugar à mesa. Friozinho, café ou chocolate quente na caneca e um livro bom pra fazer morada. Tenho algo de invernal também em mim. Mas o outono é mais brando, carrega um misto de quietude e movimento que me conquista e cativa. Estação de transição.


A vida que se recolhe é a mesma que se abrirá para a primavera, quando seus primeiros brotos surgirem. A queridinha das estações. Nos poemas, nas músicas, na arte de modo geral, a primavera sempre fez mais sucesso. É bonita e cheia de graça. Não faço pouco caso dela, mas vejo beleza no outono também.


O calor que abranda, a brisa fresca que começa a nos fazer visita sem hora marcada. Quem aguentaria a intensidade do verão ou do inverno, por todo o tempo? Tem horas que basta apenas o aconchego do lar. O sossego do ninho.


O outono nos mostra a passagem do tempo, a irremediável condição de que nada permanece imóvel. É preciso deixar cair algumas folhas, deixar que se vá aquilo que perdeu a cor e o viço, abrir espaço para gestar o novo. O outono traz a possibilidade de transformação, tão necessária para renovar. É vento que assanha o quintal, é nuvem que acalenta os sonhos, é lagarta que renasce no casulo com asas para voar.


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Quem escreve

Luisa Sá Lasserre adora livros e café em qualquer estação do ano. É jornalista, mãe de dois e seus escritos, vez em quando, são publicados por aí. Você encontra mais coisas no instagram e no Casa Livro.

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1 Comentários

  1. Esse texto me tocou bastante. Adorei as comparações entre as estações e nossas personalidades. Texto para se deliciar, para revisar de tempos em tempos.

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