As aventuras da mulher independente: a jardineira fiel
Nos últimos quase três anos, morei sozinha no Rio de Janeiro. Já havia dividido apartamento com amigas e até com o cachorro de uma delas. Nesse tempo, minha afeição por plantas foi crescendo, talvez porque na casa de meus pais, elas sempre foram de extrema importância. Meus pais precisam de jardim e quintal, de cultivo, faz parte do que eles são. Mas, morando sozinha e viajando com frequência, era complicado ter plantas muito delicadas ou que exigissem muita atenção.
Não sei se foi o tempo passando, se foi o fato de estar novamente em carreira solo, não sei o que foi, me vi cheia de plantas pela sala e quarto do quarto e sala, olhando blogs, tentando não matá-las, comemorando cada nova folha como uma nota alta de um filho numa prova. Flor então, uma festa de aniversário. Virei a moça das plantas, mas até aí, administrável. Quando voltei da casa de uma amiga no interior do Rio com uma muda de Costela de Adão, entendi que era um caminho sem volta.
Saí de um trabalho no fim do ano passado e embarquei neste mundo mágico de assistir televisão. Não vi muita coisa, porque perdi o hábito faz tempo, mas a Netflix tem uma série sobre jardins que me fisgou de uma forma inesperada, e consumi tudo como se não houvesse amanhã. Já era. Vi que eu era realmente filha dos meus pais e isso era óbvio, eu só não tinha percebido ainda. E mais: não estava sozinha.
Minha irmã, essa mulher maravilhosa que lida com as agruras da saúde mental em um hospital psiquiátrico, tem um lado-b que forma nosso núcleo familiar: ela transformou a varanda de seu apartamento em um ambiente digno de literatura, com não sei quantas plantas, composteira, maracujá e o que mais você imaginar. De alguma forma, ela consegue manter essa mini selva e dois gatos, Caju e Odara (pode chamar de Caju e Castanha que ela briga), deixando todo mundo vivo e feliz.
Hoje, estou de volta a Salvador, não sei por quanto tempo. Com esta situação global, estamos todos isolados e não tenho previsão de retorno ao Rio. Estou em outro apartamento e sigo morando sozinha com meia dúzia de plantas em vasos, mas viro a jardineira dos meus pais no fim de semana, quando vou à casa deles. É como um novo trabalho, quem sabe uma nova escolha de vida.
Lidar com plantas é conversar com a natureza. É entender que o que as torna vivas é o mesmo que nos faz crescer saudáveis. É ver que não precisamos de muito e que é preciso tempo para florescer, evoluir, curar. É sorrir ao ver uma plantinha quase murcha e, depois de algum cuidado, se esticar toda atrás de sol como se estivesse acordando, e brilhar um pouco mais a cada dia. É ver como uma chuva torrencial pode fazer bem, de vez em quando. É não pensar em mais nada, apenas no que nos torna vivos, como um único e imenso organismo. Somos só um pequeno sistema dentro
deste todo.
Meus pais entendem isso como ninguém, assim como minha irmã, que vejo agora só falo por telefone e em raros momentos ‘ao vivo’, a metros de distância. Ela não parou de trabalhar, então não podemos nos abraçar, mas dá pra rir, contar piada, falar da vida, fazer ligações para ver os sobrinhos felinos em vídeo-chamadas e as plantas da mini selva. Ela faz aniversário hoje e esse texto é pra ela.
1 Comentários
Adorei! Tava com saudade das Aventuras da mulher independente. Que bom que essa série está de volta (torço que seja para ficar de vez). Depois quero uma continuação dessa postagem, com fotos das filhas da casa nova (não conheço elas ainda).
ResponderExcluir