Fora do tempo e do espaço
conhecidos por nós, vive uma mulher com sua mãe idosa em uma casa de pedra, sem
água ou luz. Hatidze produz mel com suas abelhas de forma artesanal,
tradicional e sustentável – com técnicas que lhe foram passadas através de
gerações e é, hoje, a única mulher no mundo a praticá-las. O filme é sobre ela.
Documentários continuam sendo a
forma mais criativa de lidar com o mundo. São filmes que trazem em seus
processos, histórias que jamais saberíamos, culturas que nunca veríamos, vidas
importantes e pessoas que jamais conheceríamos de outra maneira. Sua forma de
produzir, às vezes como um blockbuster e outras com uma equipe enxuta, encontra nos
melhores filmes novas buscas e aprendizados, muito mais do que a reafirmação de discursos estabelecidos.
Hatidze vive neste lugar montanhoso e desértico, cuja cidade
mais próxima está a 4h de caminhada, onde ela vende sua produção. De todo o mel
que retira, metade permanece com as abelhas e com esta fórmula, este acordo
com a natureza, a vida segue. Uma família nômade – pai, mãe e sete filhos – com
seu gado, se avizinha e tudo se transforma. Este é o inesperado da vida
que vira filme.
A família nômade encontra uma
amiga em Hatidze, mas o pai – do típico patriarcado universal – ao saber da
técnica e potencial local, decide também cultivar abelhas para sustentar sua
família, como um extra além da produção de gado. O problema está no processo extrativista,
que afeta a vida de nossa heroína drasticamente. Isolada do mundo e de todos,
ela acompanha o processo desrespeitoso com a família dele, com a natureza e com
ela mesma, e insiste algumas vezes em que se repense o cultivo, que só funciona
se sustentável. Mulher, sozinha, com uma idosa acamada em casa, em uma terra em
que só existe a lei da natureza, não há muito o que fazer.
O filme segue e a resistência e resiliência
dessa mulher são uma fonte de força que vai nos contaminando, nos tomando por
dentro sutilmente e então estamos naquela região montanhosa com ela e sua mãe,
com as crianças, com o pai irritante e ignorante, e é uma situação difícil, de
sobrevivência mútua, de tentar entender todos e de se apaixonar por Hatidze.
Ela é a força da natureza em forma humana, o elo e equilíbrio, o contato
primordial em que a partir da mulher, a humanidade deveria se entender como
parte do Cosmos e não conquistador dele.
É um filme de observação, que se aproxima
por três anos dessa família de mulheres, que vive um pouco com elas, que vivem
com quase nada. O que se vê é uma vida ancestral, que em duas mulheres há toda
a História. O que sentimos é mérito dela e da equipe do filme, que nos trouxe
tão sensivelmente uma obra de respeito e honra às mulheres, visíveis ou não,
cujas vidas deveriam servir de modelo do que deveria ser humanidade,
consciência de mundo e sustentabilidade. Um filme que deve ser visto por todos.
2 Comentários
Ai meu Deus, toda vez que eu leio suas críticas quero ver o filme que você recomendou! Dessa vez fiquei até com vontade de ver mais documentários (que é algo que eu sou paro para assistir se o tema for realmente algo que me chama atenção)... Pois bem, você me deixou com você de ver um filme sobre uma mulher que cria abelhas... Você sabe que gosto muito de sua forma de escrever e de analisar/refletir sobre estórias e esse mundo que vivemos. Adoro ler suas críticas, mesmo sem saber se vou ter a oportunidade de ver o filme depois. Enfim, vou catar essa mulher apicultora aqui agora :)
ResponderExcluirAhhh!!! Mas vai sim, essa é uma das coisas legais dos docs, né? Ver que a gente se interessa por pessoas, no fim das contas <3 Vê e me conta!!
Excluir