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Waad e Sama à esquerda, Amani, de The Cave à direita. |
For Sama
Uma jornalista começa a registrar
a insurgência contra a ditadura de Bashar Al-Assad em Aleppo, noroeste da
Síria. Uma das cidades mais atacadas desde o início da guerra quase dez anos
atrás, em 2013 festejava e lutava contra um regime de décadas de opressão. A
ideia era guardar a transformação, um mundo novo por vir, com pensamento e vidas
livres. O que aconteceu foi uma confluência de países que se interessam pelas
reservas de petróleo e a Rússia e o Irã apoiam o regime, os Estados Unidos, o
Estado Islâmico, a Turquia e os curdos lutam contra. Forças nacionais de oposição de
apoio surgiram e o país é uma zona de guerra.
Ativistas, Waad Al-Kateab e seu
marido médico Hamza Al-Kateab decidem ficar na cidade quando o cerco aperta e
então eles já têm Sama, uma criança nascida no meio do conflito. Conseguindo manter
o único hospital clandestino da região até 2017, ela filma e ele salva quantas
pessoas pode, todas vítimas de tiros, bombas, ataques aéreos, armas químicas.
O registro pessoal vem
acompanhado de sua voz, narrando para Sama o que acontece, na esperança de tudo
mudar, na desesperança das desgraças cotidianas. O filme é triste e duro,
muitas crianças sofrem e surgem no filme, o desespero delas é gritante, porque
em seus olhares está um desconcerto, um atordoamento em que eles não entendem
do que são culpados para serem alvos. Importante, forte e sensível, vivemos com
ela a tensão de uma rotina imprevisível, em que os momentos de respiro são
curtos e embalados pela presença de Sama, uma menininha que parece se habituar
e não se assustar mais com os barulhos de bombas e tiros.
The Cave
No sudoeste sírio, em Al Ghouta,
está outro hospital. A administradora e uma das médicas é a pediatra Amani
Ballour e o lugar se chama A Caverna, porque foi a única forma de manter um hospital
em uma cidade destruída pelas aeronaves russas – tornando-o subterrâneo.
Amani enfrenta com seus colegas
uma resistência que a torna fundamental, é a segunda médica em um dos poucos,
que se torna o único, hospital da região. Da mesma forma que em For
Sama, aqui também o cerco se fecha e se aproxima cada vez mais deles. Além
da luta por salvar vidas, Amani vive situações que deveriam ser impensáveis, não
fosse a cultura e a tradição construídas muitas vezes à fórceps e sem raciocínio.
Pais de crianças assaltadas por bombas não a querem cuidando de seus filhos ou
sequer administrando o hospital – seria dever de homem, mulher não deve
trabalhar. Para nós, um absurdo, há que respeitar a cultura e não a defender,
mas questioná-la e é isso o que nossa heroína faz, com uma tolerância quase
impensada.
Apesar de ter um ponto de vista um
pouco distinto de For Sama, cuja câmera é sempre subjetiva e mais
autoral, em The Cave é o outro que filma e, mesmo assim, as duas obras
imprimem uma possível realidade de todo o país de forma bem próxima: cidades destruídas por um sem
número de forças, hospitais bombardeados, cercos e restrição de comida e
água, armas químicas e o esgotamento de uma nação por ganância. Os filmes trazem
mulheres cuja coragem beira o martírio e que, saber que estão vivas hoje, nos
deixa tranquilos ao mesmo tempo em que seguimos tristes, apreensivos e inúteis
diante do horror.
Há outro filme na Netflix sobre os socorristas, civis que não veem outra forma de ajudar em Aleppo, que não atendendo às vítimas destes atentados terroristas: Capacetes Brancos. Levou o Oscar de Melhor Documentário de curta metragem em 2017.
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