Assistir
Freelance causa uma dupla emoção em
nós: a alegria de ver um filme inteligente, com uma história que dá guinadas
inesperadas e a certeza de que conhecemos muito pouco do cinema oriental.
Quanto à primeira nenhum problema, mas concluir a segunda provoca grande agonia
em quem vive a cinefilia, porque é muito maior do que não conhecer os filmes de
Nawapol Thamrongrattanarit e seu país, é perceber que há boas produções sendo
feitas e que muito provavelmente não chegam em nosso hemisfério.
Yoon (Sunny Suwanmethanon) é designer gráfico freelancer. Como consegue
trabalhos por demanda, precisa estar sempre disponível e garantindo a entrega
do que produz, não importando o prazo. Para quem trabalha na área, é fácil
perceber o desespero das agências de publicidade no cumprimento de metas para
garantir a receita. Como freelancer,
a qualidade de vida e o sono são menosprezados com frequência, mas a conta
sempre chega. Yoon começa a ter seus problemas, alergias na pele que se
transformam em pequenas feridas que coçam provocando mais irritação e ele segue
para o hospital. Lá conhece a doutora Im (Davika Hoorne), uma residente em
dermatologia que consegue fazer com que Yoon entenda a necessidade do
tratamento como uma forma de sobreviver aos alertas de limite que seu corpo
ativou. Na verdade, Yoon aceita o tratamento por ser uma garantia de encontros
mensais com Im, por quem se apaixonou.
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Dra. Im (Davida Hoorne): a salvação para as alergias de Yoon. |
Se o
trailer indica uma comédia romântica incomum, o filme sobe outro degrau e atiça
nossa curiosidade e interesse com interpretações interessantes e narração
subjetiva, pontuada por uma contagem de marcas no corpo do protagonista. Com
texto e montagem ágeis, poucos personagens e locações que se repetem, o diretor
cria um ciclo, uma rotina que a cada decisão do herói transforma toda a
história com diálogos simples. Agora Yoon não pode comer frutos do mar e
precisa decidir o que fazer. Agora Yoon precisa dormir, fazer atividade física
e tentar equilibrar isso em sua rotina, reduzindo a carga horária de trabalho. Agora
Yoon precisa cumprir seus compromissos profissionais e o problema se instaura,
já que acostumou o mercado com prazos quase inalcançáveis e postergá-los
implica em perder projetos ambiciosos para quem está buscando seu lugar ao sol.
Os dilemas do personagem não apresentam soluções simples e nos colocamos em seu
lugar, tentando decidir o que faríamos. Essa participação do espectador na obra
é o ganho do filme, já que todo mundo um dia vivenciou algum tipo de pressão na
vida que envolvia sacrifícios de sua própria saúde em detrimento de alguma
coisa ‘urgente’ e ´fundamental´.
Aguardamos
seu colapso sem querer acreditar nele, esperando que não aconteça com base na
evolução da trama e atitudes do protagonista. Queremos que ele encontre a
doutora, uma tímida e inteligente mulher jovem que nos aparece como um enigma,
carregando o sorriso de Monalisa em olhares e gestos que pontuam uma dúvida.
Mas, este não é um romance, o diretor deixa claro com o desenvolvimento da
trama e seu clímax, a cena que não se pode descrever é o que faz este cinema
ganhar em ousadia e coragem. Não é nada novo em termos de estética e efeitos,
mas seu posicionamento na história, a forma como foi dirigida sim, nos faz
pular da cadeira e prender a respiração sem tomar sustos: é uma comédia
romântica com fortes pinceladas de humor negro.
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Yoon (Sunny Suwanmethanon) entre pílulas para dormir e deadlines. |
Quando
pesquisamos sobre o filme no IMDB, quase não há informações e essa é uma marca
forte do quão pouco se sabe sobre esse cinema. Há um universo infinito de
filmes ocidentais, escolas de cinema, teorias e estéticas mais do que conhecidas,
adoradas e estabelecidas, mas há outro universo em expansão, o oriente e suas
escolas, seus diretores contemporâneos e sua estética. O fato de não haver
muita informação sobre Freelance e quase
nada descrito no perfil da equipe técnica é a prova cabal da pouca informação e
acesso que o lado de cá do globo percebe. O filme conta uma história que
poderia acontecer em qualquer cidade, mas reforça as características locais de
forma não turística e estereotipada, nos fazendo pesquisar a filmografia do
diretor e aí sim, as conexões desta rede virtual começam a funcionar, nos
permitindo um passeio breve – a ponta de um imenso e interessante iceberg –
sobre o cinema tailandês.
Os
filmes não estão prontos, eles partem para dentro de seus espectadores e ali
garantem uma transmissão de informações que se completa com o repertório
cultural de quem o assiste. Freelance
se relaciona bem neste processo, primeiro fechamos a história linearmente e
depois digerimos suas melhores cenas, sequências de imagens que permanecem em
um processo de aceitação e apreciação estéticas. Já foi dito que a obra de arte
se define quando provoca emoção e não que esta seja a obra prima do diretor,
mas se firma como importante, sem dúvida. É um filme que não requer
experiências prévias deste cinema, que tem um ritmo rápido que configura a
própria temática da falta de tempo, da velocidade de um workaholic e cuja catarse reverte sua própria duração em um plano
fixo e longo de reflexão, em um close up
agoniante e narrado lentamente, logo após um movimento de choque. Choque e
ruptura para a pausa. É como o silêncio e a paz que sucede uma tragédia, ao
contrário da alegria de um grande sucesso, que sempre deixa uma ponta de
desconfiança.
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Je (Violette Wautier) e uma proposta irrecusável para Yoon. |
É
para rir e se surpreender, para sentir a (in)sensibilidade da publicitária Je
(Violette Wautier), melhor amiga e quem consegue os trabalhos para o
protaqognista, decifrar e ultrapassar o profissionalismo e a timidez de Im e
tentar salvar Yoon, representação da nossa correria profissional e dos
conflitos entre vida e carreira. É para nos deixar inquietos na poltrona no
cinema e investigar mais o cinema tailandês e oriental de forma geral, para
conhecer novos nomes e se desesperar com a graça de perceber um mundo que é
similar ao nosso e, ainda assim, extremamente diferente e original. Em breve, nos cinemas.
1 Comentários
Nossa, fiquei curioso pra assistir :O
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