Danado de Bom
Nem se despediu de mim.
Nem se despediu de mim.
Já chegou contando as horas,
Bebeu água e foi-se embora,
Nem se despediu de mim.
Quem conhece a música, lê cantando e pode até tentar ficar parado, mas
é uma dificuldade. Interpretada por Luiz Gonzaga, o rei do baião, é na verdade,
de João Silva, um dos maiores compositores de forró do planeta e de quem pouco
se conhece. Com Danado de Bom isso
muda um pouquinho.
Debby Brennand, diretora pernambucana, teve a ideia de trazer um dos
maiores nomes da música brasileira para a graça do povo em um filme bonito, que
dá nó na garganta e aperto no coração de qualquer brasileiro que goste de forró
e, principalmente do nordestino, retirante ou não. João saiu de Arcoverde,
Pernambuco aos 16 anos para ganhar a vida aqui no Rio de Janeiro e ficou por
outros 30, numa parceria histórica com Luiz Gonzaga, lhe garantindo um disco de
ouro com Danado de bom, que dá nome
ao filme e leva três músicas suas das 13 que compõem o álbum: a música título, Pagode Russo e Sanfoninha Choradeira. Conhecemos um homem que gosta de falar de si
e dos outros, de suas músicas, do nordeste e sua cultura com um orgulho e
paixão de quem sabe de onde veio e não se encanta com qualquer coisa que lhe
pareça maior.
Luiz Gonzaga |
O filme acompanha João Silva em uma viagem a Arcoverde, intercalando
sua história, as parcerias que fez – especialmente com Gonzagão – com grandes
nomes da música brasileira e suas composições, um conhecimento que parece ser
autodidata, um talento puro e rico que parte de suas experiências e cultura na
criação de mais de duas mil músicas. Conhecemos um homem simples e falador que
gosta de aparecer e exibir seu talento, esse de que tem certeza e sabedoria de
perceber o potencial e orgulho de ter vivido dele. Como todo brasileiro
humilde, não teve vida fácil, nada lhe foi dado de graça e não se fez de
rogado, tocou o seu barco como lhe aprouve e fez por onde.
O filme é uma delícia para nossos ouvidos e olhos. Quem gosta de
dançar vai sofrer na cadeira com as músicas deliciosas e ícones desse macro
gênero que é o forró e as imagens de arquivo, marcando um ritmo gostoso de um
tempo passado que se repete ainda hoje em alguns bailes. Para quem só gosta de
ouvir e/ou não sabe dançar, vale da mesma forma, aprendemos as histórias das
músicas que o mestre compôs com a graça no que é dito, tanto pela forma aparentemente
simples com que são elaboradas, quanto pela fala, um trato sertanejo e
saudosista de tratar de si. As imagens de arquivo são um grande ganho na
narrativa em uma seleção impecável que combina sua vida no sertão, o Rio de
Janeiro de quando viveu aqui, sua carreira profissional e por onde sua música
se espalhou, com a montagem de Jordana Berg, que só comprova seu talento já
conhecido em outros grandes filmes, como boa parte da produção de Eduardo
Coutinho. Aqui tudo funciona bem, o equilíbrio dos clipes, as legendas, o grafismo, o carinho e cuidado com que o
filme foi feito para enfeitar – não que fosse necessário – uma
biografia-homenagem.
João Silva |
Vemos a grandeza de um homem simples, desses que sabemos muito pouco –
e imaginamos quantos outros compositores que estão sob as vozes de grandes
intérpretes não conhecemos – e agora temos a sorte de ver ao menos um. Só neste
Danado, encontramos Ney Matogrosso,
Zeca Baleiro, Dominguinhos, Targino Gondim, Elba Ramalho, Gilberto Gil e
Mariana Aydar, entre outros. E é só uma fração, como toda a biografia, de uma
personalidade.
Se em alguns momentos vemos João Silva se
pavonear, quase criando um personagem para si, é muito uma forma de se dar a
devida importância, entender que lhe deram protagonismo e holofotes além da
assinatura de suas músicas e dividir microfones em participações. Essa interpretação
é um ganho imenso na obra, por mais que um olhar agoniado se incomode de
imediato. É preciso dar tempo e esperar os momentos mágicos que nos dão brilho
no olhar, como quando João fala sobre a composição de Nem se despediu de mim ou do comentário sobre a educação formal,
gramática e sertanejice, em uma
sequência maravilhosa que exemplifica a interpretação equivocada de uma cultura
local, que até hoje costuma confundir sotaque, tradição oral e forma de falar
com ignorância. É ainda a oportunidade que temos de ver o artista falando de si
e do que fez, das saudades dos seus, arrependimentos e glórias, especialmente
do amado Gonzaga, lhe dando o valor e peso de alguém que enriqueceu a música
brasileira, mas que não fez sozinho. Aqui João também é rei, com cetro e coroa,
saudade e sertão.
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