Danado de Bom

by - abril 09, 2016

Nem se despediu de mim.
Nem se despediu de mim.
Já chegou contando as horas,
Bebeu água e foi-se embora,
Nem se despediu de mim.

Quem conhece a música, lê cantando e pode até tentar ficar parado, mas é uma dificuldade. Interpretada por Luiz Gonzaga, o rei do baião, é na verdade, de João Silva, um dos maiores compositores de forró do planeta e de quem pouco se conhece. Com Danado de Bom isso muda um pouquinho.

Debby Brennand, diretora pernambucana, teve a ideia de trazer um dos maiores nomes da música brasileira para a graça do povo em um filme bonito, que dá nó na garganta e aperto no coração de qualquer brasileiro que goste de forró e, principalmente do nordestino, retirante ou não. João saiu de Arcoverde, Pernambuco aos 16 anos para ganhar a vida aqui no Rio de Janeiro e ficou por outros 30, numa parceria histórica com Luiz Gonzaga, lhe garantindo um disco de ouro com Danado de bom, que dá nome ao filme e leva três músicas suas das 13 que compõem o álbum: a música título, Pagode Russo e Sanfoninha Choradeira. Conhecemos um homem que gosta de falar de si e dos outros, de suas músicas, do nordeste e sua cultura com um orgulho e paixão de quem sabe de onde veio e não se encanta com qualquer coisa que lhe pareça maior. 
Luiz Gonzaga
O filme acompanha João Silva em uma viagem a Arcoverde, intercalando sua história, as parcerias que fez – especialmente com Gonzagão – com grandes nomes da música brasileira e suas composições, um conhecimento que parece ser autodidata, um talento puro e rico que parte de suas experiências e cultura na criação de mais de duas mil músicas. Conhecemos um homem simples e falador que gosta de aparecer e exibir seu talento, esse de que tem certeza e sabedoria de perceber o potencial e orgulho de ter vivido dele. Como todo brasileiro humilde, não teve vida fácil, nada lhe foi dado de graça e não se fez de rogado, tocou o seu barco como lhe aprouve e fez por onde.

O filme é uma delícia para nossos ouvidos e olhos. Quem gosta de dançar vai sofrer na cadeira com as músicas deliciosas e ícones desse macro gênero que é o forró e as imagens de arquivo, marcando um ritmo gostoso de um tempo passado que se repete ainda hoje em alguns bailes. Para quem só gosta de ouvir e/ou não sabe dançar, vale da mesma forma, aprendemos as histórias das músicas que o mestre compôs com a graça no que é dito, tanto pela forma aparentemente simples com que são elaboradas, quanto pela fala, um trato sertanejo e saudosista de tratar de si. As imagens de arquivo são um grande ganho na narrativa em uma seleção impecável que combina sua vida no sertão, o Rio de Janeiro de quando viveu aqui, sua carreira profissional e por onde sua música se espalhou, com a montagem de Jordana Berg, que só comprova seu talento já conhecido em outros grandes filmes, como boa parte da produção de Eduardo Coutinho. Aqui tudo funciona bem, o equilíbrio dos clipes, as legendas, o grafismo, o carinho e cuidado com que o filme foi feito para enfeitar – não que fosse necessário – uma biografia-homenagem.
João Silva
Vemos a grandeza de um homem simples, desses que sabemos muito pouco – e imaginamos quantos outros compositores que estão sob as vozes de grandes intérpretes não conhecemos – e agora temos a sorte de ver ao menos um. Só neste Danado, encontramos Ney Matogrosso, Zeca Baleiro, Dominguinhos, Targino Gondim, Elba Ramalho, Gilberto Gil e Mariana Aydar, entre outros. E é só uma fração, como toda a biografia, de uma personalidade.

Se em alguns momentos vemos João Silva se pavonear, quase criando um personagem para si, é muito uma forma de se dar a devida importância, entender que lhe deram protagonismo e holofotes além da assinatura de suas músicas e dividir microfones em participações. Essa interpretação é um ganho imenso na obra, por mais que um olhar agoniado se incomode de imediato. É preciso dar tempo e esperar os momentos mágicos que nos dão brilho no olhar, como quando João fala sobre a composição de Nem se despediu de mim ou do comentário sobre a educação formal, gramática e sertanejice, em uma sequência maravilhosa que exemplifica a interpretação equivocada de uma cultura local, que até hoje costuma confundir sotaque, tradição oral e forma de falar com ignorância. É ainda a oportunidade que temos de ver o artista falando de si e do que fez, das saudades dos seus, arrependimentos e glórias, especialmente do amado Gonzaga, lhe dando o valor e peso de alguém que enriqueceu a música brasileira, mas que não fez sozinho. Aqui João também é rei, com cetro e coroa, saudade e sertão.

Posts relacionados

0 Comentários