Há menos de um mês saiu na mídia uma série fotográfica sobre europeus
que resolveram viver de forma autossuficiente na natureza. O fotógrafo Antoine
Bruy viajou sem rota definida pelo continente e com a ajuda da sorte e acaso,
um personagem o levou a outro. As fotos refletem tanto uma necessidade de sair
dos centros urbanos e viver de forma simples, quanto à adaptação e essa
redefinição de ‘simples’ e isolamento. Profundo, elimina o romantismo desta
alternativa e nos faz refletir, tanto nas escolhas dos fotografados, quanto na
forma como vivemos. Após assistir In
Natura, lembrei imediatamente das fotos, ainda que o filme exiba a relação
com a natureza em outro contexto.
De Ole Giaever e Marte Vold, In Natura não cai na ideia já conhecida
de tantos filmes de adentrar a natureza buscando um refúgio do caos das grandes
metrópoles. Tampouco, é uma longa jornada após uma catástrofe na vida pessoal
do protagonista. É simplesmente a história de um Martin, um homem casado e
entediado, pai de um garotinho, que resolve passar um fim de semana em uma
trilha próxima à sua cidade e reflete sobre as escolhas de vida. Não chega a
ser um tratado existencialista hermético, pelo contrário, o filme é carregado
de ideias sobre o cotidiano e, à medida que vamos conhecendo o personagem em sua intimidade, nos
identificamos cada vez mais com sua história.
Já na primeira sequência, temos uma grata surpresa: Martin está em seu trabalho e ouvimos sua voz em off, seu pensamento sobre aquele momento, sobre escritório e sua decisão sobre o fim de semana. Este é um recurso que guiará todo o filme e dará a tônica cômica, dramática e reflexiva de suas ações. O mote, conforme o poster indica é: quem é você quando ninguém está olhando? E é essa descoberta que faremos aqui, não apenas sobre Martin, mas refletindo em nós, em quem somos em essência e no que pensamos. É apenas quando estamos a sós que temos essa liberdade e intimidade expostas para nos reencontrarmos.
Com 5 atores no elenco e 80
minutos de duração, Ole Giaever faz o protagonista, escreve, dirige e edita.
Esse perfil enxuto de produção parece ser o costume do diretor, cujos filmes
anteriores também lidavam com essa simplicidade e não reduzem em nada a
qualidade do que vemos. O filme lançado ano passado foi premiado em Berlim e
está fazendo o circuito dos maiores festivais. O fantástico da estrutura, da construção narrativa e do
personagem é que todos se fundem na locução: ela trará o ritmo das cenas e
aproximará Martin de nós. Com imagens deslumbrantes da Noruega, vemos a jornada
de um homem comum que se transforma em herói justamente por sua humanidade.
Em exibição no Festival do Rio,
este já pode ser um dos melhores filmes do ano. A necessidade de isolamento é
comum a todos, especialmente quando não moramos sozinhos. O fato do ser humano
ser gregário não o exclui da individualidade e, tanto a esposa de Martin
compreende isso, que o deixa partir. Esta é uma grande surpresa para o marido,
que esperava alguma resistência e se sente culpado. Ao mesmo tempo, ao estar só
e se ver tentando encontrar uma solução para a sua vida, entende que apenas com
uma atitude drástica, digna de um ponto de virada de roteiro, seria salvo. Esta
associação de vida com a de uma narrativa clássica traz uma metalinguagem sutil
e novamente honesta. Martin precisa chegar ao seu limite.
O próximo filme do diretor está
sendo feito direto de sua varanda (From the Balcony – título provisório) e será
uma ficção que dará continuidade a esta linha de pensamentos inusitados e quase
absurdos do dia a dia, que nos arrancam gargalhadas justamente por sua
naturalidade – por mais paradoxal que esta frase possa soar. É esperar que a
leveza e inteligência de In Natura se
perpetue na carreira de Ole Giaever. E mais uma vez, como a cinefilia aponta, é
hora de buscar os outros filmes do diretor.
*Esta crítica e a cobertura completa do Festival do Rio estão no Blah Cultural! :)
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