Quando meu primo morreu, eu só pensava em como a vida
poderia ser tão irônica. Pra mim, ele estava no caminho certo, tinha se
encontrado finalmente, ultrapassado as maiores dificuldades até ali e justo
então, quando estava tudo andando certinho, se foi como um cometa. Meu primo
era um cara incrível, inteligentíssimo, jovem, emocional, quente, artista, amigo.
Hoje eu acho que não tinha nada certo, não sei por que ele
se foi tão cedo e o que fica é uma saudade, às vezes uma inquietação e aquele
desejo frustrado de partilhar mais encontros, mais futuros. Não sei se ele já
havia se encontrado, não sei se alguém já se encontrou, mas espero que sim. É
uma jornada contínua, um caminho maravilhoso – com todos os perrengues e dores,
porque sou otimista – uma eterna construção de nós mesmos.
Em 2007 estreou Na Natureza Selvagem. O filme dirigido por Sean Penn conta a história real de
Christopher McCandless, um jovem que resolveu subir sozinho o Alasca depois que
se formou. A jornada de Chris era a busca romântica de sentido para sua vida, ele não se
encaixava no perfil convencional de sua família, de classe média americana e era muito radical em suas ideias, julgando sempre todos antes de tentar compreendê-los. O
filme, sensível e intenso, mostra a transformação de um jovem em um homem,
focando sempre na jornada, muito mais do que no destino.
Acabo de sair de Livre,
o novo de filme roteirizado por Nick Hornby e dirigido por Jean-Marc Vallée, cujo trabalho anterior o tornou famoso, Clube de Compras Dallas. Agora vemos a
trajetória real de Chreyl Strayed, uma mulher que busca se reencontrar,
cruzando a Pacific Crest Trail, uma trilha de pouco mais de 1760km, que segue
do México ao Canadá sozinha, com 26 anos. Se no filme de Sean Penn me identifiquei com os
questionamentos, a tomada de rédeas da vida, agora com uma mulher como
protagonista da trama, um pouco mais velha, também em uma história real e sozinha, o interesse foi muito maior.
O filme é construído em torno de flashbacks, como em Na Natureza e focado nos pensamentos da protagonista. Assim, montamos seu perfil, encontrando as razões para sua jornada. Com formação literária e
deixando rastro em citações de grandes autores pelas marcações da trilha, conhecendo seu passado e o caminho presente como uma combinação de purgante e elixir, somos levados em uma história que vai muito além do aguado Comer, Rezar, Amar. Num percurso longo e
arriscado – sendo mulher só acentua isso – não há tempo para lamentos. É uma personagem que busca se manter forte o tempo inteiro, mas com uma sensibilidade em texto e voz off (como pensamento), que a humaniza. Imagino que
esse perfil venha da real Cheryl, cuja vida amarga a impedia de ser outra coisa e acabou servindo como base para um grande
desafio para a sempre fofa Reese Witherspoon. A atriz e produtora surpreende,
com uma firmeza, determinação e maturidade
para o papel, nas diversas transformações por que passa a personagem. Foi dela a ideia de produzir e atuar no filme, comprando os direitos.
Em pouco mais de duas horas, acompanhamos essa mulher,
com a qualidade que vimos em Clube de Compras, outro filme focado numa história
dura e real. A trilha sonora acalenta e entristece por vezes, mas nos transporta
para uma intimidade bem elaborada, quase controlando nossas emoções. Nick Hornby, nesta adaptação omite alguns fatos relevantes que fazem falta na trama, mas não a reduzem de todo. Talvez eu buscasse algo mais nesse filme,
entretanto. Talvez um pouco mais de fragilidade, saber mais da história
pregressa, da relação de Cheryl com sua mãe – e aqui Laura Dern que a encarna
merece todas as premiações – e com os irmãos, que só vemos um na obra. Talvez o filme precisasse ser um pouco mais duro e detalhado, pensando melhor, que trouxesse um aprofundamento maior, mais tempo de percurso, mais histórias. Ao mesmo tempo, a leveza das situações, o pouco de comicidade que traz, é o que garante a conexão com o público.
Essa sensação de que falta algo pode ser mérito: nos deixa sedentos pelo que fatalmente encontraremos no livro. Essa mulher, que sozinha
atravessou seu país em busca de si, provavelmente se reencontrou sendo outra, vencendo o luto de quem mais amava e guiava seus passos, ainda que ela não reconhecesse. É importante que se veja esse filme para que as mulheres - mas não só elas - se compreendam como promotoras de seus destinos, busquem novos encontros com elas próprias, para que se saiba partilhar outros depois. Por mais que saibamos disso, não custa lembrar numa sala cheia, de preferência com famílias assistindo. Saí da sessão pensando na trajetória dessa mulher, na minha, nas das minhas amigas que buscam construir suas histórias. Saí querendo saber o que os casais ali pensavam disso, o que todas as pessoas pensavam, na verdade. Como elas compreendiam, se como uma aventura, se era desvario, desespero ou necessidade. Se era sério ou se achavam exagero. Queria ter encontrado meu primo pra dividir isso com ele, mas uma coisa é certa: concordaríamos de imediato.
1 Comentários
Sim... a vida é uma grande jornada e é sempre bom vermos filmes como este para nos lembrar que o caminho que trilhamos é cheio de obstáculos, dificuldades e dores. Mas, como a própria Cheryl diz no filme: "os problemas que passamos sempre se transformam em outras coisas". E assim, devemos continuar seguindo... keep walking feelings eu fiquei depois do filme.
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