O que é mais complicado num relacionamento do que a
construção da intimidade? Desde o início, tentamos exibir nossa melhor forma,
acreditamos estar mostrando o melhor de nós, maquiando nossos defeitos e até os
transformando em algum tipo de charme. Fingimos para nós mesmos que somos
perfeitos até onde podemos, guardando no íntimo do lado direito do cérebro e em
todo o coração aquela insegurança que fingimos não ter. É por isso que tantos
filmes sobre relações são feitos, tamanha é a variedade de particularidades
que tornam as histórias tão singulares quanto nossa identificação com elas.
O auge das expectativas é sempre o início. Talvez até seja no segundo
encontro, depois daquele de improviso, sem conhecer a pessoa direito. Ou no
primeiro, se for após conversas online – hoje mais do que comuns, que o digam
os aplicativos para celular. O fato é que, enquanto alguns se divertem com a
ideia de conhecer o outro aos poucos, sentir aquela agonia gostosa e uma
curiosidade que se multiplica a cada dia, outros sofrem a angústia de não saber
para onde vão, o que falar, como agir, torcendo para que essa fase siga na
velocidade da luz e chegue finalmente no sofá de casa, usando a camisa do outro.
Com mais ou menos intimidade, nunca sabemos o que pensam de nós, como nos veem,
o quanto se identificam com nossas qualidades e aceitam nossos defeitos, não
importa o tempo que se esteja junto.
Bistrô Romantique fala
exatamente disso, da construção das expectativas e de seu choque com a
realidade. A comédia romântica belga de 2012 que está em cartaz nos cinemas se
passa toda neste restaurante, num jantar especial de dia dos namorados. Ali,
diversos casais encontram-se, nos mostrando uma deliciosa mistura de ansiedade,
alegrias, brigas, tristezas e pratos deliciosos, que nos deixam sofrendo com
muita vontade de comer tudo o que aparece.
O filme todo é tão gostoso ou mais do que o trailer. Sem saber muito dos
atores ou do diretor, nos resta confiar nesses três minutos de propaganda e na memória recente (e ainda
curta) do cinema belga: Alabama Monroe,
um drama sensacional onde a doença da filha culmina no desgaste do
relacionamento intenso entre dois cantores de uma banda country.
Fotografia deslumbrante, trilha sonora incrível, o filme nos envolve e transforma
em um prazer duplo, o de se deixar levar pela história e nos permitir viver um
pouco daquilo tudo e o outro, da certeza de ver um filme sem falhas. Há também
a co-produção entre a França e a Bélgica, Ferrugem
e Osso, com Marion Coitllard como protagonista, fazendo par com Matthias Schoenaerts, um ator que
eu não conhecia e cuja qualidade só indica só que eu estava atrasada. Aqui
outro drama, sobre a superação após um acidente de trabalho da personagem de
Marion e a história linda e incomum construída entre eles. Digno de prêmio e
merece capítulos à parte, como Alabama.
Bistrô é mais leve do que esses dois. Com
ótimas interpretações, a de Mathijs Scheepers é especial, um homem atônito e tímido que vai encontrar pela primeira vez uma paquera virtual e sua
ansiedade e nervosismo tornam esta uma das melhores sequências da trama. Pascaline (Sara de Roo), a dona do restaurante, cujo
grande amor de sua vida reaparece depois de anos com uma proposta tão tentadora
quanto preocupante. Um casal de meia idade vai celebrar a data, vemos que a mulher não está feliz e o homem está muito preocupado com ele
mesmo para perceber. Uma jovem entra para passar sozinha a data no luto de um relacionamento
interrompido. O interessante do filme é o conjunto de casos muito bem
construídos, uma seleção de situações em relacionamentos que parecem traduzir
grande parte do que vivemos ou conhecemos.
Não suficiente a grandeza e agilidade nos diálogos cortantes das
discussões que atravessam as mesas e a cozinha, a montagem em velocidade crescente
com os jogos de cena nos prepara para um fim que não queremos ver. Isso
tudo, entre três ou quatro pratos e um aperitivo, nos obriga a pensar em nosso próprio
jantar. Ainda
que todas as histórias não encerrem um final feliz, é um filme leve que ainda deixa
o que há de bobo nas comédias românticas passar longe. Ao mesmo tempo, nos traz
a lembrança de todos os ‘filmes de comida’ que, como esse, nos faz sofrer, frustrados com a pipoca na mão e a certeza de que merecemos discutir o que
vimos numa mesa farta e variada.
1 Comentários
Adorei o tema e amo filmes com várias mini tramas no mesmo lugar. fiquei com vontade!!
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