Crítica: Camille Claudel 1915
Não saí bem de Camille Claudel 1915. Achei o filme pretensioso ao mostrar Juliette Binoche desnuda demais, ao usar pessoas com deficiência, mulheres alienadas do mundo e delas mesmas. Achei grande a ausência de ação, mesmo entendendo o objetivo disso. O assisti há uns meses. Hoje, o filme é muito bom. Não passei o tempo inteiro pensando, mas das vezes que me vinha vontade de escrever, o sentimento voltava, com novas interpretações. Li uma entrevista de Juliette Binoche que comprova o novo olhar sobre o filme. Bruno Dumont é um diretor dos melhores.
Em 1915, aos 51 anos, Camille Claudel vivia reclusa num sanatório em Villeneuve-lès-Avignon, no sul da França, tida como louca por acreditar que Rodin, seu ex-amante queria lhe tomar a autoria por suas esculturas e destruir sua vida. Sua esperança era a visita do irmão, lhe fazer entender que não era louca e ser resgatada. O título do filme é uma marcação de tempo que não se vê na tela. Os dias passam, mas não temos uma noção clara de quantos meses compõem o ano e isso pouco importa. A ideia da sucessão de dias iguais em um sanatório incomoda o suficiente nesses 95 minutos de filme. Mas, ao tempo que tanta dor exposta parece insuportável, conseguimos ver na sutileza de Juliette uma transformação no caráter da personagem.
Dando uma olhada na filmografia de Bruno Dumont, vi que ele fez A Humanidade, em 1999. Assisti quando estreou, mas acho que era muito nova para entender sua dimensão. Ainda estava na escola, antes de cursar cinema e me preparar para esse tipo de filme. Bruno Dumont, fica claro, não filma para todos. Ele faz longos planos fixos, silêncios que quase não se veem mais nas telas, poucos diálogos e temas duros. Não é pra ser fácil mesmo, nem para os atores. Deu a impressão de que Jean-Luc Vincent (Paul Claudel) ficou meio perdido, possivelmente tiveram que lhe guiar com alguns diálogos, para sustentar a ação de ser o irmão de Camille. O que se prova nesta estranheza e se confirma na biografia de Camille é que Paul também não era das pessoas mais coerentes. Ainda restam dúvidas se Camille precisava ser encerrada num manicômio como foi.
Juliette não usa maquiagem em Camille, o filme todo se passa no
sanatório e o máximo de liberdade que vemos está nas cenas de locações externas,
nos passeios que ela faz no parque ao redor da construção. É tudo ermo, seco,
dos mesmos tons. Um olhar superficial vai desistir, vai encontra-lo monótono,
deprimente, mas é preciso um esforço maior para entender a agonia
que ele nos provoca. Esse é o tipo de reação que fundamenta a arte e causa
tanta polêmica em suas interpretações. Gaspar Noé e Claudio Assis, por exemplo,
nos provocam pelo asco à violência, nos mostram tanta crueza em seus filmes que
saímos enojados, passando mal. Basta lembrar Irreversível e Baixio das Bestas. Já David Lynch e Stanley
Kubrick provocam com o mistério, o primeiro chegando perto do surrealismo,
ou com a criação de um mundo particular onde o nosso surreal é real; e Kubrick pelo
suspense inteligente, pois ainda que saibamos o que vem a seguir, há tanta
tensão no virar da esquina que acabamos esperando mais – e ainda que nada
aconteça, saímos satisfeitos.
Bruno Dumont incomoda. Ele quer que olhemos para esta Camille e sintamos a espera pelo
nada, o vazio, a repetição, perceber a esperança de sair dali se esvaindo, como uma
ampulheta sempre invertida para recomeçar. Hoje temos não sei quantos
dispositivos de ‘passar o tempo’. A tecnologia não nos deixa sozinhos, podemos passar a vida com a cabeça ‘ocupada’, se quisermos. Como
quando o cinema sonoro nasceu, em que não havia espaço vazio de som, hoje
parecemos ter esquecido o silêncio, a imobilidade, o tempo de pensar. E
Camille/Juliette entende isso muito bem. Em uma entrevista, ela diz — A ideia era estar despida de qualquer artifício,
nada entre o diretor e eu. Era uma crueza que a personagem requeria (...) Fiz
um acordo com o Bruno: ok, não vai ter roteiro, mas então vou precisar
trabalhar com uma preparadora de elenco por duas semanas. Tinha medo do lado
louco de Camille, queria entrar na loucura dela, mas também ter alguém que me
fornecesse marcas para sair dela.
A interpretação da ascese da personagem como o clímax pode deixar uma impressão como a que tive inicialmente, equivocada da grandiosidade da obra a partir de “tão pouco”. Mas basta um olhar mais sensível, com mais paciência – esta que nos foge sempre – e entenderemos porque Juliette Binoche, a dama do cinema francês aceitou fazer qualquer coisa com Bruno Dumont, até um filme em que poderia enlouquecer, trabalhar com base em nada e ganhar menos do que deveria.
A interpretação da ascese da personagem como o clímax pode deixar uma impressão como a que tive inicialmente, equivocada da grandiosidade da obra a partir de “tão pouco”. Mas basta um olhar mais sensível, com mais paciência – esta que nos foge sempre – e entenderemos porque Juliette Binoche, a dama do cinema francês aceitou fazer qualquer coisa com Bruno Dumont, até um filme em que poderia enlouquecer, trabalhar com base em nada e ganhar menos do que deveria.
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