Crítica: Moonrise Kingdom

by - outubro 01, 2012

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Quero ser criança novamente!, gritou o meu coração. Quando somos jovens, ouvimos nossos pais e tios nos dizerem isso e quase não acreditamos. Eu sentia naquela época – porque tive uma infância muito legal, por sorte – que isso era verdade e que em algum momento eu ia querer um revival. Acabei de sair de Moonrise Kingdom e minha infância voltou com força total.

Sabe aqueles filmes fantásticos da Sessão da Tarde que nos marcaram para sempre? Pessoas da minha geração e de gerações próximas sabem do que estou falando: Conta Comigo, Goonies, História sem Fim, Labirinto, ET, Lagoa Azul? Lembram o filme lindo do ano passado Onde vivem os monstros? O filme desse ano traz a história de um escoteiro mirim e uma garota que se correspondem por carta e decidem fugir: o garoto do acampamento, a garota, de casa. Encontram-se no meio do caminho e partem para um pedaço da costa da pequena ilha em que vivem. E a partir daí, vivemos uma aventura deliciosa, inocente e um pouco sarcástica como só um filme de criança poderia ser.

O filme tem a pegada do cinema independente americano que se livra daqueles esquemas de grandes estúdios, produções imensas e caras, estereótipos dos estereótipos. Aqui, a graça está num roteiro mais uma vez original de Wes Anderson, uma fábula com gosto forte de infância sem guerras e com elementos universais, a inocência de poder viver um período sem preocupações, a época sem internet, computador e tecnologias avançadas, a vida com brincadeiras e jogos de tabuleiro, escoteiros e seus acampamentos selvagens, pirraças entre irmãos, brigas sérias que se desfazem em poucos segundos e constroem grandes amizades. No elenco, só os geniais: Bruce Willis, Frances McDormand, Edward Norton, Bill Murray, Tilda Swinton, Harvey Keitel e o maravilhoso Jason Schwartzman, sem falar das crianças surpreendentes em seu primeiro filme, Jared Gilman e Kara Hayward, nos papéis principais.

Wes Anderson é também o diretor de: Viagem a Darjeeling, Três é Demais, Tenembauns e o Fantástico Sr. Raposo, pra falar dos mais famosos, estando os dois primeiros no meu coração. Todos os filmes têm características comuns que já começam a desenhar um perfil de autor, neste caso, um humor diferenciado, diálogos com tempos específicos, poucos efeitos especiais, os enquadramentos que refletem nas locações as personalidades dos personagens, personagens fora do padrão. Foi com esses filmes que conheci Jason Schwartzman, um dos melhores em comédias inteligentes que se tem notícia. O ator consegue trazer drama e o cômico na medida certa, às vezes só com o olhar. Os outros atores nem vou comentar, já têm experiência suficiente pra economizar o texto em palavras.

O filme é completo: a atmosfera criada em torno da ilha, o narrador-personagem que nos conta a história, que se apresenta diante de nós e aparece em pontos importantes, parece um repórter do surreal, com falas pausadas, antecipando detalhes de uma situação que está para se descortinar. Como em Benjamin Button, aqui também há raios atingindo pessoas e pontuações na narrativa com uma trilha sonora minunciosa e delicada. O figurino e a ambientação nos transportam para esse tempo mágico, onde tudo é possível, os diálogos entre crianças e adultos são em pé de igualdade e o menor dos problemas tem a gravidade de uma catástrofe nuclear. Fica claro que os adultos são tão irresponsáveis quanto as crianças de que deveriam cuidar. Esse amadorismo comprova que ninguém está preparado para a vida e que, nem sempre, conseguiremos manter tudo sob controle. No fim, é o amor que torna tudo possível, o senso de justiça e o cuidado que devemos ter com o outro. O filme quase nos manda uma lição de moral, mas felizmente, vai além. A ideia do coração de ouro e da maldade dos personagens é diluída nos diálogos irônicos e nas certezas absolutas que as crianças sempre carregam em seus olhares.

Já na abertura sabemos que vai ser bom: ele tem a preocupação de se marcar diferente nos créditos, reforçando a ideia de época, quando a ficha técnica principal aparecia no início do filme (além de diretor, produtor, editor fotógrafo e atores principais), com fonte de letra corrida. Essa diferenciação estética nos deixa alerta para o que virá em sequência: sabemos que será um filme incomum, com outro clima. Os planos iniciais, determinando os espaços de uma casa, a fotografia pastel das salas combinando com os figurinos, o comportamento inicial da família da menina, aparentemente normal, não dão indícios de nada extraordinário (pra quem não viu o trailer), que não o cuidado em reforçar uma geração. Entretanto, esses mesmos enquadramentos fixos que determinam espaços-limites de convivência coletiva, acabam enfatizando o isolamento que os protagonistas vivem, intensificando as diferenças entre eles e com quem se relacionam. São duas crianças problemáticas que tiveram a sorte de se encontrar, nascendo daí o primeiro amor, a primeira grande amizade.

Imagino que deve ser difícil fazer filmes pra crianças ou sobre crianças que lhes prenda a atenção sem usar a velocidade de cortes ou um assunto que não envolva bullying ou jogos eletrônicos. Ao mesmo tempo, como não se fazem filmes desse tipo, é o que o destaca dos demais, mas agora penso se esse é um filme para crianças ou um filme para pessoas mais velhas, que se veem refletidas em alguns personagens, em algumas cenas ou diálogos. Acho que é um filme de aventura em sua melhor definição, que deve ser para todas as idades. De uma forma ou de outra, Wes Anderson lotou a sessão – como lotará todos os seus dias de exibição no Festival – com um filme incrível, doce e com gargalhadas garantidas. Minha infância voltou da melhor forma possível, em pouco mais de 90 minutos e, rapidinho, todos esquecemos de quem nos tornamos ou de que amanhã é mais uma segunda-feira.

Mais um site de filme muito legal!

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1 Comentários

  1. quero ver, quero ver! acho Wes Anderson sensacional! assim como seu texto! :)

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