Crítica: Moonrise Kingdom
Quero ser criança novamente!,
gritou o meu coração. Quando somos jovens, ouvimos nossos pais e tios nos dizerem
isso e quase não acreditamos. Eu sentia naquela época – porque tive uma
infância muito legal, por sorte – que isso era verdade e que em algum momento
eu ia querer um revival. Acabei de
sair de Moonrise Kingdom e minha
infância voltou com força total.
Sabe aqueles filmes fantásticos
da Sessão da Tarde que nos marcaram
para sempre? Pessoas da minha geração e de gerações próximas sabem do que estou
falando: Conta Comigo, Goonies, História sem Fim, Labirinto, ET, Lagoa
Azul? Lembram o filme lindo do ano passado Onde vivem os monstros? O filme desse ano traz a história de
um escoteiro mirim e uma garota que se correspondem por carta e decidem fugir:
o garoto do acampamento, a garota, de casa. Encontram-se no meio do caminho e
partem para um pedaço da costa da pequena ilha em que vivem. E a partir daí,
vivemos uma aventura deliciosa, inocente e um pouco sarcástica como só um filme de
criança poderia ser.
O filme tem a pegada do
cinema independente americano que se
livra daqueles esquemas de grandes estúdios, produções imensas e caras,
estereótipos dos estereótipos. Aqui, a graça está num roteiro mais uma vez
original de Wes Anderson, uma fábula com gosto forte de infância sem guerras e com
elementos universais, a inocência de
poder viver um período sem preocupações, a época sem internet, computador e
tecnologias avançadas, a vida com brincadeiras e jogos de tabuleiro, escoteiros
e seus acampamentos selvagens,
pirraças entre irmãos, brigas sérias que se desfazem em poucos segundos e
constroem grandes amizades. No elenco, só os geniais: Bruce Willis, Frances
McDormand, Edward Norton, Bill Murray, Tilda Swinton, Harvey Keitel e o
maravilhoso Jason Schwartzman, sem falar das crianças surpreendentes em seu
primeiro filme, Jared Gilman e Kara Hayward, nos papéis principais.
Wes Anderson é também o diretor de: Viagem a Darjeeling,
Três é Demais, Tenembauns e o Fantástico Sr.
Raposo, pra falar dos mais famosos, estando os dois primeiros no meu
coração. Todos os filmes têm características comuns que já começam a desenhar
um perfil de autor, neste caso, um humor diferenciado, diálogos com tempos específicos, poucos efeitos especiais, os enquadramentos que refletem nas locações as personalidades dos personagens, personagens fora do padrão. Foi com esses filmes que conheci Jason Schwartzman, um dos
melhores em comédias inteligentes que se tem notícia. O ator consegue trazer
drama e o cômico na medida certa, às vezes só com o olhar. Os outros atores nem vou comentar, já têm
experiência suficiente pra economizar o texto em palavras.
O filme é completo: a atmosfera
criada em torno da ilha, o narrador-personagem que nos conta a história, que se
apresenta diante de nós e aparece em pontos importantes, parece um repórter do
surreal, com falas pausadas, antecipando detalhes de uma situação que está para
se descortinar. Como em Benjamin Button,
aqui também há raios atingindo pessoas e pontuações na narrativa com uma trilha sonora minunciosa e delicada. O figurino e a ambientação nos
transportam para esse tempo mágico, onde tudo é possível, os diálogos entre
crianças e adultos são em pé de igualdade e o menor dos problemas tem a
gravidade de uma catástrofe nuclear. Fica claro que os adultos são tão irresponsáveis quanto as crianças de que
deveriam cuidar. Esse amadorismo comprova que ninguém está preparado para a vida e que, nem sempre,
conseguiremos manter tudo sob controle. No fim, é o amor que torna tudo
possível, o senso de justiça e o cuidado que devemos ter com o outro. O filme
quase nos manda uma lição de moral, mas felizmente, vai além. A ideia do coração de ouro e da maldade dos
personagens é diluída nos diálogos irônicos e nas certezas absolutas que as
crianças sempre carregam em seus olhares.
Já na
abertura sabemos que vai ser bom: ele tem a preocupação de se marcar diferente
nos créditos, reforçando a ideia de época, quando a ficha técnica principal
aparecia no início do filme (além de diretor, produtor, editor fotógrafo e
atores principais), com fonte de letra corrida. Essa diferenciação estética
nos deixa alerta para o que virá em sequência: sabemos que será um filme incomum, com outro clima. Os planos iniciais, determinando os espaços de uma casa,
a fotografia pastel das salas combinando com os figurinos, o comportamento
inicial da família da menina, aparentemente normal,
não dão indícios de nada extraordinário (pra quem não viu o trailer), que não o
cuidado em reforçar uma geração. Entretanto, esses mesmos enquadramentos
fixos que determinam espaços-limites de convivência coletiva, acabam enfatizando
o isolamento que os protagonistas vivem, intensificando as diferenças entre
eles e com quem se relacionam. São duas crianças problemáticas que tiveram a
sorte de se encontrar, nascendo daí o primeiro amor, a primeira grande amizade.
Imagino que deve ser difícil
fazer filmes pra crianças ou sobre crianças que lhes prenda a atenção sem usar
a velocidade de cortes ou um assunto que não envolva bullying ou jogos
eletrônicos. Ao mesmo tempo, como não se fazem filmes desse tipo, é o que o
destaca dos demais, mas agora penso se esse é um filme para crianças ou um
filme para pessoas mais velhas, que se veem refletidas em alguns personagens,
em algumas cenas ou diálogos. Acho que é um filme de aventura em sua
melhor definição, que deve ser para todas as idades. De uma forma ou de outra,
Wes Anderson lotou a sessão – como lotará todos os seus dias de exibição no
Festival – com um filme incrível, doce e com gargalhadas garantidas. Minha infância
voltou da melhor forma possível, em pouco mais de 90 minutos e, rapidinho, todos
esquecemos de quem nos tornamos ou de que amanhã é mais uma segunda-feira.
Mais um site de filme muito legal!
1 Comentários
quero ver, quero ver! acho Wes Anderson sensacional! assim como seu texto! :)
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