Quando mudei para o Rio, morei sozinha por um tempo. Das coisas que mais sentia falta
de Salvador, uma era comer em família. Não lembro ter feito alguma refeição
completamente só na minha cidade. Com a família sempre perto (e numerosa) e
amigos de todos os dias, eu vivia a plenitude das conversas no almoço, jantar e
café da manhã. Sem falar nos acarajés, sorvetes e cafés, claro. Quando viajo
sozinha acontece o mesmo. Não é a toa que quando estamos nesta condição, nos
resta o esforço de conhecer pessoas
interessantes para compartilhar os momentos fundamentais do convívio social.
18 comidas é um título óbvio. É sobre
isso de que trata o filme, literalmente. Dividido em 3 partes – café da manhã,
almoço e jantar – vemos as 18 estórias de personagens que se cruzam ao longo de
um dia. Produzido na Espanha, o filme nos deixa com mais vontade de visitar o
país só para participar daquela situação simples e deliciosa, daquelas pessoas
e cultura que, mesmo em ficção, parecem acontecer todos os dias.
Há
três cenas de uma mesma estória que gosto muito: um casal idoso e simples,
sentado à mesa, sem dar uma palavra, comendo. O diretor me ganhou aí: sem um
diálogo, um ‘a’ ele nos mostra que nada mais é necessário: os dois são
cúmplices de uma vida inteira e muito do que há pra se falar já foi dito ou não
precisa ser explanado à mesa. Aquele momento íntimo é deles dois – que acho até que não são atores, mas apenas um
casal. Eles são muito reais.
Mudando
para a ficção em si, vemos estórias de solidão, amor, sedução, de vida, enfim.
São diversos os momentos que nos acompanham junto às refeições que – muitas
vezes – são definidores de nossos futuros, momentos de decisão. Essa situações à mesa nem sempre são tranquilas e felizes, bem sabemos. O filme tem um ar simples,
orgânico e é clichê, mas: dá água na boca. A Espanha, como o Brasil, tem uma
riqueza gastronômica que faz com que as comidas pareçam sofisticadas, quando o
preparo pode ser muito simples. Imagino que o fotógrafo perdeu um bom tempo
traçando o conceito da luz, deixando cada história com um tom diferente – aí
refletido também no prato e em seu preparo – nos seduzindo aos poucos.
Os
atores são muitos e todos seguram bem o filme. Três deles, de três histórias me
chamaram a atenção: o personagem de Pedro Alonso, o ator que prepara um café da manhã para Laura; o de Xosé Barato, o aniversariante, e a de Esperanza Pedreño, como Sol, a jovem e solitária mãe de família. O personagem de Pedro é um sedutor que busca conquistar sua amada pelo paladar, mas encontra dificuldades par alcançar o objetivo. O inesperado está sempre a seu redor. Já Lucas (Xosé Barato), é um jovem que acaba de acordar na casa de uma garota bonita e lhe prepara um café da manhã. É seu aniversário e ele conta com a expectativa de uma grande festa. Por fim, a mais intrigante das personagens, Sol, uma mulher perdida entre o vazio e a insegurança de um casamento infeliz. Não sabemos muito dela e o que vemos são expressões quase descontínuas, como se cada fala fosse revirada por dentro antes de se soltar no ar, trazendo ainda mais questões para nós e para esse amigo que não vê há tanto tempo e que está surpreso tanto pelo convite, quanto pela situação. É este personagem, Edu, quem dá o ritmo do filme: um cantor de rua, que a cada par de contos, canta trechos que se relacionam sutilmente com o que vemos.
Checando no site, confirmei, há muita
improvisação. A estratégia do diretor era deixar os atores livres para se dedicarem
a seus personagens, a fim de encontrar um resultado mais autêntico. Foi um
risco acertado, já que o filme imprime intimidade, como se cada par envolvido
nas estórias se conhecesse há tempos. E as cenas sérias, de discussão ou
silêncios funcionam bem. Há uma tensão real no olhar de cada um, até por não
saber como o outro vai reagir.
Estruturado
como um panorama que parece cobrir as variáveis de situações nas três refeições
principais, o filme alterna entre momentos de tensão lenta, de construção da
ansiedade no personagem e no espectador, bem como outros instantes de puro
deleite e alegria. Filmes de comida já ganham pontos por seu tema. Esse, como Simplesmente Martha – que já vi zilhões
de vezes – carregam a paixão pela boa comida ao lado de boas histórias. Fui ao
cinema sozinha e este foi meu primeiro filme no Festival do Rio de 2012 mas,
para as refeições, ainda prefiro estar em boa companhia.
0 Comentários