Duelo de Titãs

by - maio 05, 2011

Vejo agora o que eu teria que me tornar para deter homens como ele.
Batman

No fim de semana passado, Osama morreu. Talvez por ter perdido algumas noites numa gripe sem fim, quando soube da notícia na segunda de manhã, acho que não reagi da forma adequada. As notícias sobre o Casamento Real finalmente haviam saído da mídia e agora festejos como o Ano Novo apareciam na TV. Os americanos foram às ruas na noite de domingo festejar histéricos o fim de uma era. Passou. Agora as notícias que correm são radiais. Elas partem deste foco Obama matou Osama para porque, o que, quando, como, onde, cadê.

O Coringa do último Batman é o melhor vilão já criado no cinema. Ele representa loucura, com uma insanidade quase lógica. O Coringa não tem planos, desorganiza o crime dos outros com um ideal: matar Batman. Ele não tem medo, não tem religião, não tem amigos. Durante o filme, ele procura justificar para cada vítima a razão para aquele sorriso de cicatriz; a marca indelével de seu caráter estampada na face: mesmo morto, ele estará rindo.

Não há ninguém mais assustador do que esse vilão, simplesmente por conta do riso. Não há nada mais assustador do que a perversidade, a loucura consentida, o escárnio consciente, a ausência de medo. O sorriso de que derivam gargalhadas pode se transformar no terror mais brutal. 

Entendendo que o objetivo de Batman não é matar o Coringa, mas livrar Gotham City dos criminosos, começamos a nos perguntar, como os cidadãos de Gotham, por que isso estava demorando tanto. Batman havia perdido a credibilidade e já queriam bani-lo, estava causando muitos estragos na cidade, deixando inocentes morrerem. Enquanto isso, o Coringa atacava, espalhando medo, informando a todos seu objetivo e esperando um retorno da sociedade. Os vilões são sempre simples, porque são leais aos seus objetivos e não medem esforços para cumpri-los.

Após os ataques terroristas do Coringa, Batman não pôde mais ficar quieto. Ele nem queria se meter nessa briga, ia deixar para o procurador da justiça, mas o estrago já estava feito: ele estava no meio do tiroteio e tinha que contra atacar. Como todo terrorista – porque hoje em dia sabemos absolutamente tudo sobre eles – seus ataques inesperados eram o toque de gênio. Gotham estava em pânico.

Em uma cena, Batman, já em desespero encontra um dos bandidos que contratou o Coringa e pergunta onde aquele está e a resposta é: Ninguém vai lhe dizer nada. Eles sabem qual é a sua. Você segue as regras. O Coringa não segue regra alguma. Ninguém vai traí-lo por você. Se quer pegá-lo, só tem uma saída. Mas você já sabe qual. É só tirar a máscara que ele irá até você. Ou deixe mais pessoas morrerem enquanto se decide. Sabemos o que foi necessário aqui, governos que entraram e saíram, pedidos de apoio negados, rios de dinheiro, invasões, assassinatos. Todas as regras foram quebradas paulatinamente, com uma sobrancelha levantada em ar de desafio esperando um impedimento que nunca chegou.

O filme segue e um ou dois minutos depois, Harvey Dent, o procurador da justiça (e do bem, aparentemente) encontra-se com Batman. Ambos atrás do Coringa. E Batman diz: Você é o símbolo de esperança que eu nunca poderei ser. Sua luta contra o crime organizado é o primeiro raio de luz legítimo em Gotham há décadas. E numa discussão, Batman entrega Gotham a Harvey.

As analogias de um filme de super-herói com a vida real são tão gritantes, que só a descrição das cenas já revela mais do que qualquer discurso presidencial. Fica meio confuso definir quem é mocinho e bandido e isso também é legal no filme, porque Batman é o Cavaleiro das Trevas, um herói sombrio, politicamente incorreto, não um raio de sol e proteção, como o Super Homem. Aliás, falando em Super Homem, a última notícia é de que abandonaria os Estados Unidos, porque lá o pessoal estava acreditando que ele era de domínio norte-americano, quando o objetivo primeiro do Super Homem é salvar toda a humanidade.

Além disso, outras questões nos deixam de orelha em pé. O artigo do Economist que trata da ética no assassinato de Osama, de como isso foi aceito ou não mal recebido por países que antes condenavam esse tipo de operação é um deles. Ainda no livro de Ali Kamel, Bush havia solicitado apoio a estes países e todos se mantiveram incólumes numa política de não estão me incomodando, então deixa quieto. O artigo é bem feliz quando traz uma dúvida sincera: o que era de fato fundamental? Era fundamental matar Osama? Se fosse capturado vivo, seria melhor ou pior? A morte de terroristas – assumindo que quem os classifica são os EUA – é a solução final?

E, como toda a indústria do entretenimento, já temos livros e filmes em produção sobre a morte do Osama, a tropa de elite que o matou, provavelmente um perfil de cada presidente envolvido e o que mais possa corroborar a situação de forma que todos possam aceitar sem engasgos.

Se o irmão mais velho domina a quadra da escola, quem vai brigar com ele quando ele não quiser ninguém lá dentro? Num mundo de tanta diversidade e apatia política, não temos pais para dizer o que é certo e errado, se nem órgãos internacionais se manifestam. Acabaremos todos cedendo aos caprichos do mais forte para não apanharmos ou sermos colocados de castigo. É esta a democracia de que tanto se fala por aí?

Todos se esconderam sob a capa da hipocrisia. Como o Comissário Gordon permitiria o Batman matar o Coringa, aqui ninguém manifestou repúdio ou, pelo menos, alguma estranheza nos festejos em torno de um assassinato. Há, inclusive, justificativas cordiais para tanta alegria, outro fato assustador do momento. Nem se ouve falar em direitos humanos, ONU ou qualquer coisa do gênero. Que fique claro: o objetivo não é defender, proteger, salvaguardar a honra do terrorista, mas se fazer entender que matá-lo não transforma ninguém em herói. Ainda que acabem por transformar o bandido em mártir.

Se Batman usa a mesma moeda que o Coringa – que consegue até transformar o correto procurador no Duas Caras – quem vai nos salvar ou, mais importante: de quem seremos salvos? E se outro dia aparecer um Coringa mais louco? Os países que se oporiam continuarão na política de vendar os olhos? Ou será que tudo vai terminar como os filmes de Jason em que nos preocupamos em saber onde está a cabeça do serial killer para provar que ele morreu? Enquanto todos se ocupam com perguntas de esquiva, perde-se o motivo do crime, ou melhor, da legítima defesa, justiça, paz e igualdade porque tanto prezam os super-heróis.

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4 Comentários

  1. belíssima análise e comparação Tati. concordo plenamente. com tudo!

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  2. Juliana Bainum08 maio, 2011

    Tati, eh e sempre foi uma linha tenue esta historia de mocinho e bandido. Depende de que lado se torce, correto? Ou de como a situacao eh analisada. Este caso da morte de Osama, por exemplo, eh algo de fazer arrepiar ate os pelos do nariz. Depois de duas guerras, milhares de pessoas pessoas mortas (includindo milhares de inocentes civis, mulheres, criancas), bilhoes de dolares e muita dor de cabeca, mata-se o bandido em estilo saga hollywoodiana e faz-se deste assassinato motivo de histeria coletiva a ser festejada. Festejar sobre a cova alheia, mesmo a do inimigo, eh se deixar "encoringar" tb. Gostei da sua analise, menina. Beijocas e saudades.

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  3. Tati, amei a análise! Concordo 100% com tudo...
    Essa morte de Osama foi um dos acontecimentos mais estranhos de todos os tempos. Assassinaram o cara e a coisa que a gente mais ouve por aí são as pessoas se perguntando se ele realmente morreu, porque ninguém viu o corpo... O foco maior parece ser o fato dele ter morrido ou não e não se o ato que foi cometido, foi correto ou não - aparentemente as pessoas consideram a morte de Bin Laden de um bem inquestionável.

    Nossa, fiquei até com vontade de rever Batman, o Cavaleiro das Treavas para perceber as coisas que você comentou!

    Beijocas querida!! Estou morrendo de saudades!!!

    PS.: Cara, perdi vários post, que absurdo! Vou tentar aproveitar os próximos dias para por a leitura de seu blog em dia!

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  4. Oi prima.
    muito lega a sua análise do filme.
    SOu um fã do batman,e acredito que é errado deixar o coringa viver por alguns motivos:
    -ele é irrecuperável.
    -vivo, vai provocar mais estragosm prejuízos e mortes de iocentes.

    Numa HQ dos anos 80 -batman - o cavaleiro das trevas, do Frank Miller (o mesmo de sin city e 300 de esparta, que mostra o batman com uns 50 anos, já aposentado, quando decide voltar a ativa.
    Um batman sem "frescuras", violento, que baixa o sarrafo nos bandidos.
    Numa das cenas ele vê um parque de diveersões cheio de crianças mortas pelo coringa e diz que ".., vai computa na sua lista de mortos por ter deixado o coringa viver..."
    E na luta final com o coringa, ele não consegiue ir até o fim e matar o coringa, mas com um golpe quebra sua coluna e o bandido fica tetraplégico. o Coringa é tão loucpo que acaba se matando se contorcendo, para incriminar o batman.
    Acredito que o Osama deveria ter sido morto.
    E a mais tempo.
    Preso vivo, haveriam varios atentados par exigir sua libertação.
    O problema não é o irmão mais velho que domina a quadra, pois um dia vai chegar outro mais forte para expulsá-lo, mas sim o que esse cara faz nesse período.
    e todo período de força tem começo, meio e fim (lembre da´´epoca que o "mundo" era dominado pela frança. inglaterra, alemanha com a guerra, agora EUA).
    E sim, chega a hora que aparece um mais forte.
    Qaundo, talvez não para a nossa geração, mas quem sabe.
    Mas enfim, acho que as escolhas são mais simples qe isto.
    Mas devemos escolher, de acordo com nossos princípios de o que é certo e errado, e as vezes escolhendo o menos errado.
    Pior do que escolher alguma coisa é ficar em cima do muro.

    O coringa deveria morrer.
    Osama deveria morrer.
    Tomara que demore para aparecerem seus substitutos.

    Abraços do primo,

    Luciano

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