Anne Frank

by - julho 19, 2010

Assim, a Anne boa nunca é vista acompanhada. Ela nunca aparece, ainda que quase sempre assuma o palco quando estou sozinha. Sei exatamente como gostaria de ser, como sou... por dentro. Mas infelizmente só sou assim comigo mesma. E talvez seja por isso – não, tenho certeza de que este é o motivo – que penso em mim como uma pessoa feliz por dentro, e os outros pensam que sou feliz por fora. Sou guiada pela Anne pura, de dentro, mas por fora sou apenas uma cabrita fazendo cabriolas, forçando a corda à qual está amarrada.

Como já disse, o que falo não é o que sinto, e por isso tenho reputação de assanhada e namoradeira, de sabichona e leitora de romances de amor. A Anne jovial gargalha, dá uma resposta ferina, encolhe os ombros e finge que nem liga. A Anne quieta reage do modo oposto. Se estou sendo completamente honesta, tenho que admitir que isso me importa, que tento arduamente mudar, mas me vejo sempre diante de um inimigo mais poderoso.


Anne Frank me acompanhou esses dias. De início, imaginava que sua história era outra, que de alguma forma, ela havia estado em um campo de concentração e de lá narrasse suas memórias. Claro que isso se mostrou uma ilusão até infantil, já que deveria ser proibido escrever qualquer coisa ali – até porque viver era proibido... a questão é que eu não imaginava com que força esse diário de uma adolescente durante a guerra ia me impactar.

Quando lemos diários, participamos da vida das pessoas, do que há mais íntimo e particular nelas. Porque, na época dos diários, era de fato tudo secreto, íntimo. Hoje os diários quase não existem, deram lugar ao movimento oposto – blogs, twitters, Orkut, facebook, myspace... – onde o secreto se torna popular e a intimidade deixa de existir, como se todos tivéssemos interesse nas vidas alheias, quando elas se tornam cada vez mais banais e desinteressantes; mostrando muito mais vazio do que algo válido de conhecer.

O diário de Anne é uma extensa correspondência para uma suposta amiga. Dali extraímos o dia a dia de pouco mais de oito pessoas que se forçaram a viver juntas por serem judeus em Amsterdam na Segunda Guerra. Esse livro deveria ser lido na adolescência. Porque, além de falar da óbvia guerra, fala muito mais da fase, do momento, da criação de Anne. Fala de ser menina virando mulher em outros tempos, mas escritos de uma forma universal e atemporal, a exemplo dos trechos lá de cima. Ás vezes, até pensamos quando lemos, ‘mas não muda muito, é só a rotina’. Mas é justamente nessa rotina que vemos as transformações, como o confinamento a que se submeteram na esperança de sair dali sufocava as pessoas, antes amigas, agradáveis e educadas.

Anne Frank humaniza a guerra; a tira dos livros didáticos, dos dados, das execuções. A narrativa pessoal de um período tão visado até hoje na mídia altera nosso olhar e saímos do clichê. Parece que estamos vendo um longo filme, tentando não sofrer, pois já sabemos o final.

Quando terminei o diário e ia seguir para o posfácio, dei de cara com uma frase que me chocou:


O DIÁRIO DE ANNE TERMINA AQUI.


E temos a continuação da tragédia coletiva onde, literalmente, só sobrou o pai para contar a história. Mas a frase, ali, centralizada após os últimos parágrafos – para mim os mais bonitos – e sem despedidas, afundou meu coração e me deixou perdida. Não acreditei quando virei a última página, não queria que isso acontecesse, não queria sair do meio da história. E logo quando Anne estava se compreendendo, quando eu estava me compreendendo... quando a identificação finalmente entrou com tudo no meu peito e na minha cabeça e eu entendi finalmente porque não conseguia deixar o livro em casa e tinha que lê-lo a caminho do trabalho. Acabou. E o sentimento de incapacidade, inutilidade... contrasta com a possibilidade de ler algo assim. Uma confusão se instaurou em mim e ainda não consegui diluir o final.

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