Crítica e análise: A queda! As últimas horas de Hitler

by - março 12, 2008

Não me recordo exatamente porque escrevi dois textos sobre o mesmo filme. Aqui temos reflexões acerca do filme A Queda! As últimas horas de Hitler. O primeiro texto procura fazer uma análise do filme pesando aí seu aspecto histórico. O segundo é um texto de impressões. Tenham paciência e leiam. :)

A Queda!

12 dias para o fim da guerra de 1939. Berlim é devastada a cada hora pela invasão do soviético Exército Vermelho. No centro da capital que uma vez conseguiu dominar toda a Europa, em um bunker, está Adolf Hitler, exibindo nada mais que seus cinqüenta e cinco anos. O líder do Terceiro Reich decai a olhos vistos, enquanto Eva Braun, sua esposa, tenta manter uma falida felicidade.

A Queda! As Últimas Horas de Hitler é quase um filme comum. Aos desavisados, apenas o título chama atenção. Será mais um filme de guerra? Como estará a atuação deste novo Hitler? Há um fascínio que percorre sutilmente as guerras mundiais. A grandiosidade das atrocidades permitidas, o desejo promíscuo de assistir as mazelas, a crueldade. Por que, então, mais um filme destes? Porque este não é mais um filme.

Para além do desejo do olhar, da curiosidade por acontecimentos mundiais trágicos, está a liderança. Todos os grandes líderes tiveram filmes a seu respeito. Hitler dominou muito mais a Segunda Guerra Mundial do que toda a tropa dos Aliados ou Mussolini e Hiroito juntos. Todos foram grandes homens, dimensionando o ‘grande’ com seu poder e não, caráter, mas o principal motivo da supremacia hitlerista decorre do Holocausto. O filme, contudo, não aborda sequer campos de concentração. O que interessa é a intimidade do bunker, os momentos finais do líder, seu comportamento, a fragilidade das pessoas concentradas à espera do fim.

Ao início do filme, uma voz off inaugura o tema. É Traudl Junge, a última secretária de Hitler, numa gravação concedida dois anos atrás. A ingênua mulher nos introduz ao filme, quando a primeira seqüência é sua admissão ao cargo. Então, Hitler vem a conhecê-la, com tanta educação e gentileza que estranha ao espectador o ditador, personagem conhecido de outros filmes.

Bruno Ganz, o último Hitler do cinema, encena com tanta humanidade que quase duvidamos do senhor na tela. Claro, sabemos ser Hitler sim, tem a dureza dos discursos inflamados, a frieza na punição dos ‘traidores’, o desprezo pelo seu próprio povo e o orgulho pelo genocídio judeu, este apenas citado em sua própria voz. Mas, ao tempo que conseguimos a identificação, vemos ternura no olhar. A seus próximos, Eva Braun e sua secretária, existe um carinho, paciência e gentileza, jamais conhecidas. Essa privacidade do bunker, moradia de todos, é escancarada aos espectadores. Somos o grande irmão da decadência do poder totalitário, da grandiosa ideologia, agora se esfarelando em suicídios no alto escalão.

A descrença em uma possível religião é suplantada facilmente no radicalismo da ideologia política. O Nacional Socialismo é a única solução para o país, para o mundo e, como imperador, Hitler ostentava seu poder com a máquina ideológica amparada na propaganda. Com o fim da guerra e de qualquer possibilidade de soerguimento, os governantes mais fiéis às pregações de seu salvador se viram sem saída, restando-lhe a morte como única alternativa. Assim, suicídios aconteceram como um mecanismo natural, a pacífica aceitação da morte em Eva Braun e Hitler, A família Goebbels e muitos outros. A questão que fica é da necessidade desta História na estória do filme; a quantidade de suicídios que presenciamos na sala de cinema anestesia o sentimento da morte; por outro lado, não há como omitir a morte crua que a decadência de um regime como o acontecido proporciona. A banalidade da morte na guerra seria a justificativa para estas ações se repetirem no filme. Hitler afirma diversas vezes da indiferença que tem ao povo alemão, a ele não interessa salvaguardar suas vidas, como não interessa a de ninguém mais naquele momento; seu suicídio é certeiro e só lhe importa a extinção do corpo.

A ambientação do filme é precisa. Enquanto a vida no bunker é sentida com a eletricidade oscilante a cada bombardeio, em todo o exterior, não há mais Berlim. A capital da potência alemã rui, com seus míseros soldados remanescentes e civis, vítimas sempre. A polícia, entre o desespero da sobrevivência e os desvarios de uma cidade sem lei, autoriza e desautoriza mortes, de acordo com a compulsória entrada para o meio armado. A destruição da cidade, dos monumentos e espaços berlinenses é sentida; efeitos especiais e ausência de trilha sonora valorizam ainda mais a obra. A música aparece apenas enfatizando a tristeza, filhos de poderosos a serem assassinados muito em breve por seus pais, cantam em coro músicas da pátria agora incapaz. Ainda, festas para criar uma ilusão já desmistificada, ruídos nos discos de música aí tocados, entre bombas e tiros, muita bebida e um fingimento infeliz de que tudo acabará bem.

Aos dias finais de Hitler, sua decadência física evidencia um fim inexorável. A maquiagem cada vez mais pálida, envelhecendo, o tom monocromático em Hitler, cabelos e bigode grisalhos, enquanto em Eva as cores permanecem. Eva (Juliane Köhler) é personagem emblema da fantasia, o surrealismo das festas naquela prisão cinza, em fins de vida e guerra, a paciente aceitação da morte como única alternativa sem melodramas. Hitler, seu oposto e complemento. A tristeza pelo fim, a esperança de um levante quase ressuscitador de seus batalhões, o nervosismo e gritos já esperados no personagem fictício e real que foi, os tremores nas mãos; a fragilidade.

Toda a idéia criada deste Hitler e de sua mulher é percebida por Traudl. O filme é muito do ponto de vista desta mulher, baseado em suas memórias, a introdução e conclusão passam por sua voz, a convivência com um ditador diferente do que se conhece, a alienação desta única e fechada visão, sua apreensão do nazismo e das ações do líder. Aqui, como provavelmente aconteceu na ‘vida real’, Traudl (Alexandra Maria Lara) é o exemplo da obediência e fascínio pelo líder. Ela não é radical, apenas exerce seu ofício, com o olhar ingênuo que vemos na atriz e na senhora que aparece ao fim, na etapa quase documental a que se propõe, nos últimos minutos do rolo. Há a feliz consonância da atriz com seu personagem real, o olhar é o mesmo. O filme não se exime dos crimes do homem, mas assume uma culpa pela visão pequena e inocente, na voz da verdadeira Traudl. Outros personagens são evocados na obra, os históricos mais conhecidos Himmler, Speer, Goebbels, mas também o médico Dr. Shenck, cuja humanidade superava a própria sobrevivência.

É um filme longo, cujos 154 minutos poderiam ser reduzidos, mas a visão realista de um líder, além das maquiagens do nervosismo e dos reclames a que estamos acostumados em outras obras, realça a película. A fragilidade dos homens de ferro, dos amorais governantes, genocidas e criminosos não os romantiza, mas humaniza, no sentido menos utópico e idealista da palavra.

***

Quando vi A Queda.

Quando fui assistir A Queda! As últimas horas de Hitler, estava muito cansada. Não é justificativa pra minha opinião do filme, apesar de eu concordar que o moral do espectador influi plenamente no seu conceito da obra. Cansada estava, estressada estou, mas, ainda assim, resolvi ver mais um filme desses da Segunda Guerra. De tempos em tempos os cineastas acham válido reviver momentos históricos, ainda mais dessa guerra, com personagens tão fortes e carismáticos.

Para além do contexto histórico, minha maior curiosidade era ver o Hitler da vez. Já vi diversos atores personificando o homem, para a sátira ou drama. E, pela aclamação que este último teve – não vi trailer, só ouvi poucas e desconfiadas vozes e vi as fotos – sendo finalmente um filme alemão, resolvi investir. Me dei bem, claro.

O Hitler do Bruno Ganz é provavelmente o melhor de todos os tempos. O último que me lembro de ter assistido é, na verdade, dos primeiros já feitos. Líder da Tomania, Hynkel, paródia brilhante de Chaplin em O Grande Ditador, foi o que mais me marcou até então. Hynkel era o discurso de Hitler, sua caricatura, seus trejeitos. Claro que a comédia da situação suaviza a tragédia real, mas, até ali se evidencia o sofrimento dos reprimidos e a vida fútil da contrapartida do governo. É curioso pensar que Charles Chaplin era terminantemente contra o cinema sonoro. Para ele, a mistificação se acabaria, quando dessem vozes aos personagens, contudo, em sua fantástica estréia sonora, a primeira oportunidade de falar foi dada ao ditador; motivos justificados na obra.

Mas, retornando ao Hitler de hoje, pude vê-lo como um homem, além das facetas exploradas em todas as mídias. Claro, o personagem forte, cruel, maquiavélico e inteligente continua, somando agora com uma certa ternura, o carinho por seus próximos, a fragilidade diante do inevitável, o medo e nervosismo. Ao invés do monstro, foi nos dado o homem. É isso que os espectadores confundem quando saem da trama. Uns criticam dizendo que romantizaram ainda mais o mito, que quase se apaixonam e temem pela vida e boa saúde do genocida; tomando partido. Outros dizem que o filme é uma piada sem graça, de monotonia desnecessária e suicídios anestesiantes – realmente muito freqüentes na obra. A grande questão na verdade é que este é um filme de guerra, mas sob nova ótica.

O ponto de vista aqui não é dos campos de concentração e apenas da exploração histórica de cenas mais trágicas. A emoção que se procura é aquela da aceitação da fragilidade do inimigo. Todos sabemos que ali dentro não há heróis ou mocinhos, não deve haver, pelo menos. Até o médico, Dr. Shenck, não deveria estar ali como mártir. O que interessou ao diretor e sua equipe foi evidenciar o fim destinado àquelas pessoas, suas dificuldades, ignorâncias, radicalismos, sofrimentos, questionamentos. Ali, havia Traudl Junge, a secretária do ditador, sem nem saber direito o que se passava no governo, até gostando do emprego que tinha. Claro que ela se assume culpada. Ignorância é culpa aqui também, é fechar os olhos para o óbvio e estridente que se anuncia.

Saí me questionando acerca do filme. Sabemos nós que as boas obras são aquelas intermináveis, que circundam nossos pensamentos, tentando se recriar na mente. Saí pensando muito no filme, mesmo tendo entrado em outra sessão na mesma noite. Resolvi escrevê-lo para reafirmar ou ratificar minhas opiniões e descobri um novo filme, melhor do que o experimentado. Valem os dois textos, as reflexões e as novas descobertas. Vale, acima de tudo, o filme.

Textos de Junho de 2005

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