Há uma nova onda no cinema
internacional que investe em refilmagens de filmes recentes. Sucessos de
público ou não, os diretores negociam direitos de obras lançadas há pouco tempo
para criarem sua versão a partir daquele roteiro. Problema nenhum, mas levanta
a questão se não deveríamos aguardar mais para relembrar algo que vimos outro
dia.
Assim acontece com Kiki – os segredos do desejo, de Paco
León. O filme é a refilmagem do australiano A Pequena Morte, de Josh Lawson, lançado em 2014. Ainda que o
roteiro seja o mesmo, as variações culturais e as liberdades criativas dos dois
diretores garantem a atualização. A versão espanhola, dirigida e também
contracenada por Paco León carrega Madrid em uma visão quase de contos de fadas
para adultos, eliminando alguns absurdos do anterior (como o ótimo personagem
que se muda para a vizinhança dos casais) e adicionando outros exageros. Os
fetiches são tratados de forma mais gráfica aqui, mas nada ultrapassa qualquer
barreira séria, à exceção do casal em que o homem dopa a esposa. De resto, é
como o original, uma pincelada sobre algumas fantasias sexuais e como casais de
relacionam, aprendem a conhecer e conviver com seus desejos.
O filme prometido por seu
trailer, entretanto, poderia ir além. Casais de classe média, brancos,
heterossexuais não causariam danos com seus fetiches suaves – é uma comédia
romântica com alguma pimenta aliviada pelo riso – mas aquele em que a mulher está
em situação vulnerável é um problema. É estranho que se precise desenhar,
explicar que estas representações como comédia para além da crítica, frente à
frequência de abusos cometidos contra mulheres são de uma gravidade tal, que
não cabem produções cinematográficas de qualquer natureza tratarem do assunto
sem uma posição, no mínimo, crítica. Ainda que seja um fetiche, é unilateral e
a mulher não tem conhecimento do que lhe acontece. As comédias mordazes,
irônicas e satíricas são mais do que bem vindas e são raras as que conseguem
manter diálogos inteligentes e ácidos para além da reprodução de cenas impróprias
– não por pudor, mas por cuidado, para dizer o mínimo. Aqui o pensamento crítico
se perde justamente em uma ideia que desfavorece a mulher com um desfecho
inverossímil.
O restante do filme corre
tranquilo, sem grandes ressalvas, mas talvez o mais interessante de se avaliar
seja isso mesmo, o ‘o que não fazer’ quando o fetiche envolve abuso, maus tratos
aos animais ou qualquer situação que envolva prejuízo a alguém alheio a esta
condição ou ameaça. A fotografia que puxa para tons pasteis reforça o efeito de
fábula, também presente nos personagens com a alta carga de ingenuidade. Tudo é
exagerado e faz parte da trama, é coerente com o que se conta e é uma comédia
de verão.
As melhores partes estão na
vinheta de abertura, sensual, provocante, interessante e nas cenas com a
personagem deficiente auditiva – brilhante. O resto é como o filme australiano
com alguma latinidade e calor para esquentar os espectadores. Para assistir sem
a expectativa de uma grande obra e sem esquecer algumas cenas, pro bem e pro
mal, nada além disso.
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