Souvenir

by - março 15, 2017


Depois de grandes filmes como o controverso e brilhante Elle (2016, de Paul Verhoeven) e o sensível e coerente O que está por vir (2016, de Mia Hansen-Love), Isabelle Huppert surge como Laura, uma personagem sonhadora, própria dos filmes clássicos de artistas em decadência, que encontra um último suspiro em segundos de fama, com este Souvenir.

A lembrança que seria a tradução literal do francês é também sinônimo para presente, aquele que trazemos de viagens, quando – literalmente – não esquecemos alguém. Segundo longa-metragem de Bavo Defurne, o drama romântico soa como um conto de fadas, com direito a príncipe encantado e princesa quase em perigo. Laura (o nome artístico de Liliane Cheverny) é uma ex-cantora que agora trabalha como decoradora de bolos em uma fábrica. Ali ela conhece Jean Leloup (Kévin Azaïs), um rapaz vinte anos mais novo por quem se apaixona e que a reconhece como a cantora por quem seu pai foi apaixonado décadas atrás. A ideia de relança-la no festival da canção surge e com isso, todo o drama se instaura.


Isabelle Huppert nos choca com a placidez desta obra que se perde na inverossimilhança. O universo da fantasia não se sustenta com a tentativa de combinação com a realidade. Poderia ser um realismo fantástico, caso os elementos narrativos fossem mais oníricos, mas é como se estivéssemos vendo uma obra cujo ápice parece não atingir o efeito desejado e ficamos sem saber se devemos trata-lo como uma estranha comédia ou um drama de fato. Há um jogo narrativo interessante com a solidão, o esquecimento da protagonista e como ela própria fez questão de reforça-lo, ao ver o fim da carreira artística, usando seu nome verdadeiro na vida e se mantendo à margem das possíveis amizades no ambiente de trabalho. Liliane não quer falar de Laura, não quer lembrar a fama e glória de um tempo efêmero, não quer reviver as dores que afoga em doses de whisky, mas - e aí talvez esteja o primeiro problema da trama - ao primeiro pedido de Jean, se rende e investe com todas as forças, ultrapassando quaisquer obstáculos para se fazer ressurgir enquanto cantora.

O maior problema talvez resida na construção dos personagens, cujos arcos narrativos parecem não dobrar, não atingem a maturidade para suas transformações. Há a tentativa de reviver o passado, isso está claro desde o cenário da casa de Liliane quanto com seus figurinos. Huppert acentua o efeito, com um gestual ambíguo, entre o estranho, com uma atuação bem marcada para o palco – e agora as referências de Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses (1950, de Billy Wilder), sem o drama, mas nos movimentos parece uma ideia não tão distante – quanto extremamente romântico nas trocas com Jean. Ao mesmo tempo, a atriz reforça um olhar que não sabemos se é frio e descrente por conta de sua trajetória ou o contrário, um suspiro de esperança sempre sufocado.


Jean alimenta esse romantismo e nisso o filme segue coerentemente, mas não vai além. O boxeador vive outro tempo, também marcado em sua casa e nas roupas que usa, mas os conflitos não sustentam a trama, à exceção do alinhamento sentimental. À maior possibilidade de problemas, como com o ex-marido de Liliane, Tony Jones (Johan Leysen), as resoluções são frágeis, tal qual o ciúme fora de contexto da mãe de Jean, entre a eterna paixão do marido por Laura e a superproteção ao filho. Ficamos sem saber se há uma costura frouxa no roteiro, buscando associar muitos elementos de tensão e pouco tempo para os conflitos de fato. 

Entre a aura de contos de fadas e o drama romântico que une gerações bastante distintas, o filme enche de esperança o espectador, ao lhe convidar a encontrar Isabelle Huppert mais uma vez, mas se perde entre exageros dramáticos e resoluções sem profundidade. Vale pela versatilidade da atriz, pelo jogo de esquecimentos e memória trazidos na trama e no título e pelo sentimento que nos desperta sua atuação, como uma experiência diferente, mas não passa disso.

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