Mistério na Costa Chanel
Definido como farsa burlesca, aplaudido
em Cannes, odiado por uns e amado por outros, Mistério na Costa Chanel, o novo
filme de Bruno Dumont, finalmente chega ao Brasil. A comédia situada em 1910 no
norte da França apresenta um olhar crítico sobre absolutamente todos os
personagens, os identificando como representantes daquela época – talvez nem
tão distante desta.
A família burguesa Peteghem chega
à Costa para passar férias. O pai, André (Fabrice Luchini), a mãe, Isabelle (Valeria
Bruni Tedeschi), as filhas e a sobrinha adolescente Billie (Raph) se acomodam
na casa com arquitetura egípcia, mas revestida em concreto. O detetive Machin (Didier
Després) e seu assistente Malfoy (Cyril Rigaux) são os novos o Gordo e o Magro,
que investigam uma série de desaparecimentos no local com dificuldade, já
que Malfoi não consegue ficar em pé por muito tempo. Além deles,
há uma família de pescadores que ganha dinheiro atravessando as pessoas de uma
ponta à outra da enseada.
Mistério em si não há para o
espectador, fato que eliminaria a necessidade de tradução do título para o
português. Ma Loute é o título original e poderia assim ter se mantido, já que
é o nome de um dos protagonistas (Brandon Lavieville), o filho do pescador Eterno
(Thierry Lavieville), também seu filho na vida real. Os desaparecimentos logo
são esclarecidos, sendo a família de Ma Loute, saudáveis canibais e assassinos
sem remorso. Problema nenhum nisso e o grande elenco suportaria a trama
felizmente surrealista, não fossem os exageros de atuação e a narrativa frágil
dois entraves importantes.
Juliette Binoche também está aqui
e é Aude, a irmã histérica de André e mãe de Billie, que aparece para fazer a
visita anual. Ela e Christian (Jean-Luc Vincent), irmão de Isabelle são extremamente
afetados e histéricos, até mais do que os donos da casa. Ela já trabalhou anteriormente com Bruno Dumont e é perceptível que o exagero foi solicitação e voto de confiança extrema no diretor. O alívio que seria encontrá-la aqui, por outro lado, vira quase um tormento, vendo-a gritar por nada a cada esquina. Tedeschi, por outro lado tem suas
expressões cada vez mais reduzidas, se aproximando de uma placidez, tendo em
vista todo o resto. Quem viu a atriz em Loucas
de Alegria (2016, de Paolo Virzi), entenderá a diferença, já que neste
último ela é a grande expressão de confusão e atordoamento, alegrias e sofrimentos
exacerbados.
A história tem seus
momentos, com Machin rolando pelas areias em um terno que mais parece um
colchão inflável por seus ruídos quando se movimenta e Malfoy com as deduções brilhantes e, como todo assistente,
salvando seu chefe. Os dois são um ganho na trama que se dilui, à medida que as
cenas quase se repetem. Luchini foi um fervor em Cannes, como Binoche, que, como ela resiste nos extremos com muitas quedas – o humor físico impera – e gestos afetados. Ma Loute é o personagem mais interessante, juntamente
com seu par romântico, Billie. O casal e sua complicada trajetória com direito
a desconstrução de gênero em Billie – que reafirma ser uma menina disfarçada de
menino – com grande atuação e Ma Loute em olhares e falas concisas são o ponto de distinção das interpretações teatrais. Grande estreia para os dois atores no cinema.
Seguimos a duração em busca de um
arco narrativo que por pouco não deslancha e, salvo as críticas mordazes da
sociedade, com alguns bons diálogos e ótimas cenas de naturalização da crueldade,
pouco se extrai. O par romântico é a interseção entre as famílias e classes
sociais, juntamente com Machin e Malfoy, que precisam estar nos dois lugares ao mesmo tempo para acompanhar as vítimas e seus potenciais assassinos, mas tudo o que se vê é sabido, com os
preconceitos dos dois lados e as soluções que cada casa encontra para viver.
É a segunda vez que Bruno Dumont
investe na comédia – a primeira com O
pequeno Quinquin (2014-), um seriado com grande repercussão na França. O
diretor é reconhecido por dramas, como A Humanidade (1999) e Camille Claudel 1915 (2013) que lhe posicionaram no Olimpo do cinema francês com
justiça. Algumas vezes se pode dizer que o diretor investiu e insistiu, como
uma grande intenção – especialmente na trama do casal, do primeiro encontro até seu desenlace, mas se perdeu na insistência com as gritarias e trejeitos do consagrado elenco. Aqui, seguimos como se esperássemos a força narrativa dos
anteriores nesta comédia de personagens intensos, mas o resultado parece ser
muito barulho por nada. Entretanto, vale o investimento na filmografia do
diretor e, para quem é fã do burlesco, este pode ser uma boa escolha.
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