Mistério na Costa Chanel

by - janeiro 07, 2017


Definido como farsa burlesca, aplaudido em Cannes, odiado por uns e amado por outros, Mistério na Costa Chanel, o novo filme de Bruno Dumont, finalmente chega ao Brasil. A comédia situada em 1910 no norte da França apresenta um olhar crítico sobre absolutamente todos os personagens, os identificando como representantes daquela época – talvez nem tão distante desta.

A família burguesa Peteghem chega à Costa para passar férias. O pai, André (Fabrice Luchini), a mãe, Isabelle (Valeria Bruni Tedeschi), as filhas e a sobrinha adolescente Billie (Raph) se acomodam na casa com arquitetura egípcia, mas revestida em concreto. O detetive Machin (Didier Després) e seu assistente Malfoy (Cyril Rigaux) são os novos o Gordo e o Magro, que investigam uma série de desaparecimentos no local com dificuldade, já que Malfoi não consegue ficar em pé por muito tempo. Além deles, há uma família de pescadores que ganha dinheiro atravessando as pessoas de uma ponta à outra da enseada.


Mistério em si não há para o espectador, fato que eliminaria a necessidade de tradução do título para o português. Ma Loute é o título original e poderia assim ter se mantido, já que é o nome de um dos protagonistas (Brandon Lavieville), o filho do pescador Eterno (Thierry Lavieville), também seu filho na vida real. Os desaparecimentos logo são esclarecidos, sendo a família de Ma Loute, saudáveis canibais e assassinos sem remorso. Problema nenhum nisso e o grande elenco suportaria a trama felizmente surrealista, não fossem os exageros de atuação e a narrativa frágil dois entraves importantes.

Juliette Binoche também está aqui e é Aude, a irmã histérica de André e mãe de Billie, que aparece para fazer a visita anual. Ela e Christian (Jean-Luc Vincent), irmão de Isabelle são extremamente afetados e histéricos, até mais do que os donos da casa. Ela já trabalhou anteriormente com Bruno Dumont e é perceptível que o exagero foi solicitação e voto de confiança extrema no diretor. O alívio que seria encontrá-la aqui, por outro lado, vira quase um tormento, vendo-a gritar por nada a cada esquina. Tedeschi, por outro lado tem suas expressões cada vez mais reduzidas, se aproximando de uma placidez, tendo em vista todo o resto. Quem viu a atriz em Loucas de Alegria (2016, de Paolo Virzi), entenderá a diferença, já que neste último ela é a grande expressão de confusão e atordoamento, alegrias e sofrimentos exacerbados.


A história tem seus momentos, com Machin rolando pelas areias em um terno que mais parece um colchão inflável por seus ruídos quando se movimenta e Malfoy com as deduções brilhantes e, como todo assistente, salvando seu chefe. Os dois são um ganho na trama que se dilui, à medida que as cenas quase se repetem. Luchini foi um fervor em Cannes, como Binoche, que, como ela resiste nos extremos com muitas quedas – o humor físico impera – e gestos afetados. Ma Loute é o personagem mais interessante, juntamente com seu par romântico, Billie. O casal e sua complicada trajetória com direito a desconstrução de gênero em Billie – que reafirma ser uma menina disfarçada de menino – com grande atuação e Ma Loute em olhares e falas concisas são o ponto de distinção das interpretações teatrais. Grande estreia para os dois atores no cinema.

Seguimos a duração em busca de um arco narrativo que por pouco não deslancha e, salvo as críticas mordazes da sociedade, com alguns bons diálogos e ótimas cenas de naturalização da crueldade, pouco se extrai. O par romântico é a interseção entre as famílias e classes sociais, juntamente com Machin e Malfoy, que precisam estar nos dois lugares ao mesmo tempo para acompanhar as vítimas e seus potenciais assassinos, mas tudo o que se vê é sabido, com os preconceitos dos dois lados e as soluções que cada casa encontra para viver.

É a segunda vez que Bruno Dumont investe na comédia – a primeira com O pequeno Quinquin (2014-), um seriado com grande repercussão na França. O diretor é reconhecido por dramas, como A Humanidade (1999) e Camille Claudel 1915 (2013) que lhe posicionaram no Olimpo do cinema francês com justiça. Algumas vezes se pode dizer que o diretor investiu e insistiu, como uma grande intenção – especialmente na trama do casal, do primeiro encontro até seu desenlace, mas se perdeu na insistência com as gritarias e trejeitos do consagrado elenco. Aqui, seguimos como se esperássemos a força narrativa dos anteriores nesta comédia de personagens intensos, mas o resultado parece ser muito barulho por nada. Entretanto, vale o investimento na filmografia do diretor e, para quem é fã do burlesco, este pode ser uma boa escolha.

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