Antes de sair de férias, previ
que teria tempo de escrever as despedidas, dicas para deixar o tempo passar, para seguir se
perdendo nas listas intermináveis que ponho aqui e que a Netflix nos impele e
subverter. Ledo engano: o trabalho me tomou, tendo que adiantar tudo aqui para sair de
férias, com 'o resto da vida' que corre em paralelo e pronto, nada aconteceu. Mas, agora volto depois de pouco mais
de um mês, no meio da semana para correr atrás do tempo, tão caro e escasso
ultimamente.
De volta das férias magníficas
que trarão publicações posteriores, segue o retorno das Maravilhosidades com um pouco de novidade, clássicos, seriados e
documentários. Tem para todos os gostos!
Ata-me (1989, de Pedro Almodóvar) – 101 minutos |
Almodóvar não é novidade no reino
do cinema. Todo mundo pelo menos já ouviu falar do diretor de Fale com ela, Volver, Má Educação, A pele que habito e Julieta para lembrar apenas de alguns ótimos filmes. Todos estes,
contudo são de sua nova safra, mas a Netflix esconde algumas pérolas, como Ata-me, de 1989, com Antonio Banderas
novinho e Victoria Abril fazendo um par romântico inesperado e esdrúxulo.
Banderas é Ricky, um homem que acaba de sair de um manicômio e decide encontrar
a mulher de uma vida, uma ex-atriz pornô que encontrou apenas uma vez e que
hoje atua em um filme b de um diretor aficionado por ela. A forma que Ricky
encontra de seduzir e convencer a mocinha a viver com ele é simples e direta:
um sequestro, até que ela entenda que o ama. Inesperado, ousado e divertido,
traz um Pedro Almodóvar mais livre, com as liberdades sexuais contrastando com
os sexismos da indústria do cinema e da vida e ainda, com as cores lindas e
fortes que o diretor sempre imprime em seus filmes.
O homem irracional (2015, de Woody Allen) – 95 minutos |
Saindo de um grande diretor para
outro, o Woody Allen de 2015 é este Homem
Irracional, uma comédia com humor negro escondido em grandes diálogos e
moral duvidosa. Joaquin Phoenix é um professor de filosofia entre o prestígio e
a decadência que começa a lecionar em uma universidade onde é adorado,
especialmente pelas mulheres. Ali, deprimido, é levado a uma situação extrema e
descobre uma vida melhor após uma drástica decisão. A comédia aqui é levada ao
limite e não haverá gargalhadas, mas as pontuações entre as aulas de filosofia
e sua aplicação prática são mordazes e lógicas: de alguma maneira podemos
acabar concordando com a situação e essa é a grande qualidade do filme, além da
interpretação de Joaquin e Parker Posey. Não será o melhor filme do diretor,
mas já ganha do fraquinho Magia ao Luar e nos
deixa ansiosos por uma chance de ver sua série nova na Amazon (Crisis in Six Scenes) e seu próximo
filme, em pre-produção. Isso tudo no aguardo, depois de Café Society lançado esse ano e lembrando os 80 anos de
possivelmente o diretor mais ativo do planeta.
Black mirror (2011-, de Charlie Brooker) – 60 minutos / episódio |
A terceira temporada estreou essa
semana, então o assunto é quente em todas as publicações do gênero. Black Mirror, desde a sua estreia traz a
pauta do futuro distópico e não tão distante e suas relações com tecnologia,
redes sociais, política, sociedade, tudo o que nos cerca, por fim. Cada
episódio é independente do anterior, mas todos trazem um diálogo crítico do que
vivemos hoje, de como nos relacionamos em família, com os conceitos de poder,
informação e sociedade e muitas vezes em que parecemos ver um episódio levado
ao exagero, nos deparamos com alguma situação similar, talvez em menor escala, que
conhecemos, algum fato de um amigo, de um político, algum escândalo real. A
série é extremamente bem produzida e abre espaço para discussões sobre o que
queremos para o futuro e de que forma nos comunicamos, usamos e vivemos nossas
informações e as que temos de quem nos cerca, de que forma e se usamos as
tecnologias a nosso favor, por um viés de evolução social ou em benefício
próprio. Vale, pelo menos e com certeza, o primeiríssimo episódio da primeira
temporada.
A family affair (2015, de Tom Fassaert) – 110 minutos |
Uma história de família, para
mim, é um dos maiores assuntos para se
fazer um grande filme, principalmente se for documentário. Essa ideia de
investigar quem somos a partir de quem, em tese, nos conhece melhor, corrompe
aquela outra de que o documentário deveria ser objetivo e enriquece ainda mais
o gênero. Aqui, o diretor Tom, de 30 anos, que mora na Holanda é convidado por
sua avó com então 95 para que lhe visite na África do Sul. Ali, os dois
conversam por dias e ele filma todo o encontro: sua avó em si é um personagem
para a grande história, abandonou os filhos a uma espécie de orfanato/creche e foi
viver a vida como modelo, independente e afastada do resto da família. O filme
é esplêndido, como Elena e Stories we tell, por dar diversas dimensões a uma história sem
heróis e bandidos, por mais que sejamos levados a criticar essa mulher à primeira vista. Impressionante, contagiante e interessante, é um dos melhores
filmes documentários da Netflix hoje.
Requisitos para ser uma pessoa normal (2015, de Leticia Dolera) – 90 minutos |
Primeiro filme dirigido por
Leticia Dolera, que também o escreve e protagoniza, este Requisitos é uma comédia deliciosa. Letícia é Maria de las
Montañas, uma mulher que chega aos trinta anos voltando para a casa da família,
sem dinheiro, sem namorado, sem vida social e sem emprego. No meio desta crise
sem fim, Maria segue os preceitos de um livro de autoajuda e com uma troca de
favores com um novo amigo que precisa perder peso – um de seus requisitos para
ser normal – consegue, aos poucos, entender porque ela quer ser normal, se ela
precisa disso e que requisitos realmente são importantes para ser feliz, normal,
não normal, aceita ou qualquer termo que a satisfaça. Leve, inteligente e
crítico sem ser chato, o filme passa que nem percebemos e
acaba bem, nos fazendo buscar outros filmes e séries que a diretora multitarefa
possa ter participado.
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