A Pele de Vênus
Há sempre uma segurança presumida
em assistir os novos filmes dos grandes diretores. Não precisamos do trailer,
ainda que a curiosidade seja grande. Basta saber que está lá o devido crédito, esperar
alguns grandes atores e um filme, no mínimo, interessante. Às vezes damos azar
e o diretor decepciona, mas é difícil. E Roman Polanski reafirmou sua
qualidade.
Um diretor de teatro, Thomas (Mathieu
Amalric) é convencido por uma atriz, Wanda (Emmanuelle Seigner) a fazer o teste
para sua nova peça. É a adaptação do texto de Sacher-Masoch, A Vênus das Peles (1870) – cujo teor fez
nascer o termo masoquismo. Os dois passam o texto juntos em um teatro fechado e
isso será o filme. Há um grande risco em encerrar um longametragem em uma
locação, mas não é novidade para Polanski. Muito já foi visto na Trilogia do Apartamento
lá atrás, com Repulsa ao Sexo (1965),
O Bebê de Rosemary (1968) e O inquilino (1976). Havia outras locações,
mas o grosso da ação era nos apartamentos. Os três filmes merecem atenção, os
dois primeiros ainda mais – são perfeitos. Da mesma forma, o penúltimo filme – O Deus da Carnificina (2011) – é uma
adaptação teatral voltada ao cinema. Aqui há um confinamento em apartamento –
dois casais discutem sobre o comportamento de seus filhos e acabam reproduzindo
os desvarios e intolerâncias que permeiam a educação das crianças com humor
negro audacioso e grandes interpretações – reflexo do contexto social e
familiar em que vivem, concluiremos.
Ao contrário dos três primeiros,
cujas ações principais eram pensadas em isolamento, delírio e silêncio dos
protagonistas, O Deus da Carnificina
e A Pele de Vênus, por usarem o
teatro, são pautados na palavra, em diálogos mordazes extremamente bem construídos
– além de não focarem em apenas um personagem. Não há falação, mas uma troca de texto útil que constrói a dramaticidade
dos assuntos ali abordados. Se com A Vênus
das Peles, Sacher-Masoch nos trouxe o masoquismo, podemos no mínimo,
esperar alguma diversão ali – em pitadas de humor e alguma crueldade, se a
palavra não for pesada demais.
O diretor recebeu o texto de
Masoch um ano antes de produzir e, por ver ali uma obra original em que o homem
é desmoralizado por uma mulher numa relação incomum de inversão de poder, achou
interessante, além do desafio de prender o espectador usando as restrições já
citadas. Mathieu e Emmanuelle estão fascinantes e sustentam a dramaticidade em
planos criativos, estudados para dar à Wanda, desde o início, uma malícia que
vamos apreendendo aos poucos, enquanto Thomas vai se deixando seduzir e entra
em um jogo que se torna gradualmente complexo e perigoso. Há os exageros de atuação pertencentes ao
teatro que se intercalam na sutileza do cinema quando estão fora de cena, atendendo ao telefone,
tomando café. Aí também há um jogo com o espectador, cuja atenção é mantida na
metalinguagem da ficção: são dois atores (Mathieu e Emmanuelle) interpretando
no teatro uma atriz Wanda e Thomas, seu diretor, interpretando outros personagens
– a Wanda que domina e Severin, seu escravo.
Em um desenlace surpreendente,
ficamos boquiabertos entre a entrega de Severin/Thomas às tramas de Wanda/Wanda
e até o que nos parece ridículo funciona em cena, tamanho o hibridismo do que é
a ficção do texto da peça com seu ensaio. A fotografia de cena, cara às duas
artes visuais é reconhecida aqui com maestria e novamente vem a metalinguagem,
quando a própria Wanda é quem maneja as luzes do palco. Esse conhecimento, que
deveria ser estranho a Thomas, indica que aquela aspirante à atriz é um pouco
mais do que isso – mas ainda é cedo para dizer. O fato é que o filme extrapola
o entretenimento – nos dá margem para relacionar assuntos agora frequentes, das
relações de poder entre os gêneros, das relações antes ditas como perversas e
com a ajuda da literatura pop estão quase naturalizadas, da objetificação da
mulher. Essa complexidade em textos corridos e adaptados ao cinema e ao teatro – o livro corre em outro ritmo
– e a permanência de um humor ácido, reafirmam a qualidade esperada de Polanski
e nos faz aguardar o próximo filme com alguma ansiedade.
*Essa crítica está também no Blah Cultural!
1 Comentários
Ahazou !!louca pra rever repulsa ao sexo que fez referencia ..curiosa pelo último da trilogia e ansiosa para ler mais críticas suas!!😘😘
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