Cidadão Quatro
Este foi provavelmente o filme
mais impactante do É Tudo Verdade desse ano. Arrisco a afirmação quase como
certeza, já que os 43 prêmios – incluindo o Oscar – e 16 outras indicações
parecem concordar. Não que um filme precise de atestados de qualidade, mas Cidadão Quatro vai muito além de um
documentário sobre espionagem.
O choque vem em grande parte do
próprio tema: descobrimos que os Estados Unidos e mais alguns países,
investigam cada espirro que qualquer pessoa no globo dá. Eles sabem o exato
momento e local. O que de antemão não parece grandes coisas e uma teoria da
conspiração já teria certeza disso há muito tempo, tem implicações maiores.
Como o protagonista e principal agente da alegação reflete, o problema não está
na simples invasão de privacidade, mas no que ela acarreta – em termos de
violação da intimidade, diferenças de opinião, negociações entre grandes
empresas, articulações políticas. Pensando de forma ampla: como você se sente
livre, sabendo que um governo retem todas as informações a seu respeito? O quão
à vontade você fica para se opor a ele, por exemplo? Para se manifestar
contrário a qualquer conceito que a maioria apoie? O assunto aqui não é só sobre que sites você
visita escondido na internet.
O que Edward Joseph Snowden, com
então 29 anos, americano, morando no Havaí com uma conta bancária recheada, um
trabalho exclusivo e uma namorada queria ao arriscar tudo em prol de nossa
liberdade de restringir nossa privacidade a quem nos interessa? Talvez ele
tenha percebido o alcance de seu trabalho, um prestador de serviços de alto
escalão para a Agência Nacional de Segurança, com acesso irrestrito à vida
privada de qualquer pessoa. De certa forma, o próprio Facebook já fornece boa
parte das informações sobre nossas vidas – ou melhor, nós fazemos isso através
dele – mas a permissão não dada a um governo de ter acesso indiscriminado a essas informações é a
grande questão. Snowden conclui que o povo americano – e consequentemente todo
o planeta – deveria pelo menos, saber o que está acontecendo com seus dados e
opinar se deseja divulgá-los a quem quer que seja por quaisquer que sejam as
razões. Então, ele viaja para Hong Kong em sigilo e aguarda Laura Poitras – a
diretora do filme – e Glenn Greenwald – jornalista do The Guardian, para as
entrevistas que mudarão as vidas de todos nós.
De acordo com a filmografia da
diretora e informações no filme, Cidadão
Quatro é o terceiro filme da trilogia que a diretora fez sobre o Onze de
Setembro (de 2001). Os outros filmes não chegaram aqui, mas por sinopse e
estética do atual, notamos que busca no Cinema Direto uma aproximação de
linguagem. Assim, vemos em tempo real
as afirmações e acontecimentos quando da entrevista de Snowden e as
repercussões na mídia, na vida de cada um envolvido no escândalo. Tememos por
todos, eles se tornaram não ingenuamente os propagadores das verdades
inconvenientes sobre os grandes sistemas secretos de vigilância do governo e
sociedade mais paranoicos que existem. Essa tensão provocada diante das
perseguições, possíveis ameaças, fuga de Snowden para lugares mais seguros, tentativas
frustradas de exílio, perda de contato entre eles, nos deixa com os olhos
grudados na tela em um suspense sem fim, digno do melhor Hitchcock. E é essa a
grande sacada do filme: se formos pensar bem, já conhecemos e a história – é de
2013. Mas, independente de quando aconteceu, o filme consegue nos manter numa
tensão como se fossem notícias de ontem ou de meia hora atrás. A graça do
Cinema Direto é justamente essa: o retrato de uma situação presente, suas
consequências, seu desenvolvimento. Não há reconstituições, imagens de arquivo
retratando um passado, nada disso. Sofremos por imaginar uma potencial
catástrofe na vida de nossos heróis, imaginamos o alcance da espionagem na vida
de todas as pessoas, pensamos em nossa própria, no que queremos proteger e
divulgar e, por fim, nos sentimos indefesos, diante da certeza de que tudo o
que é nosso, agora pode ser de todo mundo.
A diretora aprofunda e dá um
contexto ao presente: intercala as entrevistas e repercussões da delação de
Snowden com entrevistas de Obama e outros funcionários da Agência, filmagens
dos “centros de investigação”, as distâncias obrigatórias criadas entre eles e
um final impressionante que nos deixa ainda mais curiosos e instigados a
continuar ali, aguardando a sequencia deste Cidadão.
Saí com a impressão de que era uma ficção, ao ver uma história tão bem
construída, de como surpreendente e invasivo era aquilo tudo e de que parecia
realmente uma versão inteligente, realista e apurada de um filme de espião. Agora é torcer para consequências menos drásticas a estes que já tiveram suas vidas alteradas em definitivo e esperar passarmos despercebidos por mais essa malha fina - agora do neurótico governo gringo imperialista.
Título Original: Citizen Four
Diretora: Laura Poitras
2014 EUA / Alemanha / Reino Unido
1 Comentários
Realmente o filme é muito bom e o tema é surrealmente assustador. E que venham cada vez mais cidadãos 4, 5, 6 e 1000 para jogarem a merda no ventilador. Resta saber se iremos limpá-la ou se ficará suja e fedida na nossa cara.
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