Flores Raras

by - agosto 22, 2013


One Art (em português: aqui)
Elizabeth Bishop

The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster

of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:

places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! my last, or

next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,

some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

-Even losing you (the joking voice, a gesture

I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

Antes de qualquer coisa: independentemente da qualidade deste filme, seu mérito se garante em trazer a poesia acima. Elizabeth Bishop foi uma das mais importantes escritoras norte-americanas numa lista que não diferencia o gênero. Essa observação também está no filme e não à toa. Ela é genial.
Flores Raras é uma adaptação do livro homônimo que conta a história de amor entre Lota de Macedo Soares – a arquiteta do parque do Aterro do Flamengo – e Elizabeth Bishop, poetisa americana. Nos anos 50, quando a segunda veio ao Brasil, encontrou com Mary, uma amiga da faculdade e namorada de Lota. A partir de então as vidas das três tomaram um rumo inesperado e nada convencional.
O filme causa um estranhamento logo de cara: legendas. Atores brasileiros falam inglês o tempo todo. A solução é clara como a pronúncia de Glória Pires (Lota): trata da adaptação de Bishop (Miranda Otto) ao nosso país, convivendo com a elite carioca. Passada essa barreira, vem a velha questão do cinema brasileiro: parece besteira, mas quando vemos um filme nacional, o senso crítico sobe alguns degraus. Há uma tendência a sermos mais duros com o que nos pertence, talvez por sabermos a dificuldade histórica que é fazer cinema no Brasil, queremos sempre a qualidade magistral, um filme redondo, perfeito, ou então é dinheiro (público) jogado fora. Mas não é pra tanto, o filme preenche requisitos.
Nossas protagonistas apresentam perfis distintos, quase opostos de um casal: a mulher forte que comanda, tem o dinheiro, que paga e constrói e faz a vida acontecer. Do outro lado, uma poetisa quase pobre que de alguma forma consegue viver do que escreve. Quando se apaixonam, as personagens se transformam, a trama se torna mais complexa e em paralelo, as drásticas transformações do Brasil – com o golpe de 64 ocorrem nos ápices de suas carreiras. A profundidade das palavras de Bishop nos faz querer conhecer mais essa mulher que parece tão sensível, mas de palavras precisas e duras. Ao mesmo tempo, a força de Lota cede espaço à grande falta que sua mulher faz num momento de crise política que reverbera no seu trabalho e relações sociais, a levando à depressão. Os perfis dessas mulheres quase são cambiados e essa é a grande riqueza da obra, ficando em segundo plano, o tipo deste amor.
São três décadas, dos 1950 aos 1970, entre Rio de Janeiro – ótimo trabalho da Direção de Arte na adaptação de cenário e figurinos – Petrópolis e NY. Um incômodo são as cenas de plano aberto do Aterro – o corte brusco e o ângulo desta cena em relação a de onde foi vista remete a uma fotografia mal montada, – e ainda outra, quanto o segundo plano tem imagens do Rio que parecem ser um chroma key mal recortado.  É difícil reconstruir grandes espaços, mas há que se buscar uma solução mais cuidadosa, para não fazer o espectador sair do filme, especialmente quando o plano de fundo é a cidade do Rio de Janeiro, a mais fotografada do Brasil.

Em tempo de revolução política e cultural, a sexualidade segue escondida debaixo das saias num país católico e conservador. Se hoje quebramos à picareta o tabu homofóbico, naquela época seria impensável para a maioria encarar duas mulheres se beijando, se amando. Talvez para reforçar essa relação, a proposta da atuação forçada de Glória Pires, pesando no caráter masculino de Lota. Mary também estava travada, como se o controle na direção da atuação fosse demais. A participação mais natural ficou para Miranda Otto, ao criar sua Elizabeth – ainda assim, um pouco mais doce do que a da vida real, mas mais perto da verossimilhança. As cenas de beijos e carinhos merecem um brinde à coragem da direção, que as conseguiu produzir com sinceridade.
Bruno Barreto pensou em fazer este filme numa tentativa de reatar o casamento com sua ex-mulher, Amy Irving. No fim das contas, fez uma obra bonita, que trata de um amor difícil de ver na tela e tratado na medida certa, sem queimar os olhos dos puritanos ou ofender os radicais. No fim, resultou num trabalho sobre a perda, sobre o 'fim' de um amor e talvez agora o diretor tenha conseguido exorcizar o que lhe afligia.

Aos apaixonados por Bishop ficará a vontade de ver e ouvir mais. Muita gente vai continuar sem saber quem ela foi, sem procurar seus livros. Suas posições radicais passaram como uma bruma leve em algumas cenas, mas vale contextualizar essa artista e aceitar suas opiniões sobre o Brasil como um gosto que não se discute. Flores Raras tem a alegria de fazer renascer duas figuras importantes para seus países, a poeta e a arquiteta do Aterro e de um tempo em que se achava possível resolver os problemas do país com um golpe militar. Eu as ignorava. Não me lembro ter lido nada de Bishop, mas com esse poema que abre e fecha o filme... não tem mais como fugir dele, nem delas.

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3 Comentários

  1. Estou doida para assistir! Conheci Bishop a pouco tempo e Gloria me contou muito sobre as duas e fiquei encantada! Perdi a pre-estreia, pq eu moro em Feira e nao consegui chegar a tempo! Rs

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  2. Amei o texto, mas avaliei menos duramente as atuações e a computação gráfica... Acho que fiquei envolvida mesmo na história e entendi que o tom pesado da Glória tanto faz parte dela, quanto deveria fazer também de Lota (na minha idéia, entendi que ela era tal qual o que Glória fez. E quando se vê fotos dela, não há dúvidas... rsrs).
    Você escreveu exatamente o que senti com este filme. E ainda destacaria que apesar de tratar de uma história de amor, com cenas de sexo e numa abordagem pouco comum nas telonas, não há cenas de nudez! Lindo isso!!!

    Por fim, obrigada pelo poema!

    Beijos,

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  3. Só assisti semana passada e também achei que ficou faltando mostrar mais de Elisabeth Bishop. Ela merecia um filme só sobre sua vida. E a atuação de Glória Pires tá super macho! Hahaha... até que achei divertido de ver!


    Bjos

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