Take this waltz ::: Entre o Amor e a Paixão

by - janeiro 06, 2013


A primeira vez que me impressionei com Sarah Polley foi assistindo Minha Vida sem Mim (Isabel Coixet, 2003). O filme é sobre uma mãe jovem que descobre ter um câncer terminal. Centrado na atriz, mostra na tragédia a sutileza diante do fim iminente. A protagonista entende ter como missão preparar sua família para que viva bem sem ela. Essa ideia dolorida e forte é mostrada no filme com uma delicadeza rara, poucas palavras e sem melodrama. Ano passado assisti Stories we Tell, dirigido por ela (perdi alguns filmes no intervalo, como A Vida Secreta das Palavras, Coixet, 2005 e Away from her, como diretora, em 2006). Stories é incrível, um documentário que consegue despertar interesse mesmo tratando da vida de sua família, sem parecer invasivo, fútil ou narcisista.

Take this Waltz ou ridiculamente em português Entre o Amor e a Paixão é um romance. A ficção dirigida por Sarah Polley em 2011 e lançado este ano, trata da jovem Margot (Michelle Williams) dividida entre o amor pelo marido Lou (Seth Rogen) e a paixão inesperada pelo vizinho Daniel (Luke Kirby). Depois de Stories, resolvi levar a diretora/atriz a sério. Sarah entrou para a direção apostando alto e resultando em ótimos filmes, em ficção e não ficção. Canadense, consegue fugir do padrão americano raso sem absorver a suposta profundidade do cinema europeu; os filmes sustentam um equilíbrio de ter algo a dizer e entreter a larga audiência. O próprio documentário já assegura isso com uma linguagem tranquila, trazendo ‘pessoas comuns’ para frente da câmera, mostrando sua insegurança, estranhamento e posterior familiaridade com o equipamento. É como se nos víssemos no lugar deles ao sermos entrevistados e, como é um filme de família, lembramos a nossa própria, rindo das piadas internas e do carinho íntimo que transparece na tela. Neste novo filme, por outro lado, há mais do que uma comédia romântica, mas um filme de personagens sensíveis, onde todos são complexos e categorizar como mocinho ou bandido fica impossível.

Michelle Williams, somando um filme bom a outro, se tornou referência para ir ao cinema. Seus personagens fortes encerram o perfil de recém-saída da adolescência – a primeira lembrança de sua carreira vem de Dawson’s Creek. Aqui, mais uma nuance dos relacionamentos é abordada: um casamento estável e recente entre dois jovens adultos perde sua base diante do novo. O dilema entre uma forte paixão que pode se tornar amor e um amor tranquilo, consolidado e também firme marcam a personagem. Seth Rogen é Lou, o marido tranquilo, uma ponta da corda. Aqui o ator deixa a comédia de lado e assume um homem comum, mas não menos interessante. Com ele não há mistério, Lou é franco, direto, aberto. É alguém que praticamente faz parte de nossa família. Da mesma forma, Sarah Silverman se destaca como sua irmã alcóolatra em remissão, também retraindo a veia cômica muito bem. Geraldine em sua sobriedade e intuição ajuda a cunhada, indicando que o vazio que ela pretende preencher é impossível, faz parte da vida. É o mesmo vazio que a faz procurar a bebida, como uma espécie de ansiedade e melancolia que nos pega desprevenidos de vez em quando.

A construção de Daniel é clara: ele é o ideal romântico, o desconhecido, interessante, artista, atencioso. É o personagem fácil de se gostar, é o que vem de fora, o que traz o novo. Daniel é a curiosidade. Ao mesmo tempo que ele desperta o interesse imediato de quase qualquer mulher, há outras razões para Margot ter se casado com Lou que não a estabilidade - provavelmente Lou foi esse mesmo mistério que ela busca em Daniel. Não há certo ou errado, em resumo. A montagem faz questão de explicitar as relações fora de casa nas escapadas de Margot e Daniel, aumentando a (nossa) ansiedade à medida que eles passam a se conhecer melhor; e dentro de casa com Lou, numa outra ótima situação doméstica e íntima, causando mais dúvidas e algum sofrimento em nossa complicada heroína.

O filme ainda surpreende quando vemos um Canadá fora do estereótipo. É verão e o clima quente imprime sensualidade na fotografia vibrante, cheia de primeiros planos, cores fortes, água e suor, vieses por janelas de vidro e cozinha. Vemos poucas roupas e até o toque dos personagens é carregado de tensão. É essa fotografia que nos prende, que alimenta o filme de forma que não percebemos, mas nos faz mergulhar na história aliviados por não sermos aqueles personagens e, ao mesmo tempo, querendo fazer parte do que vemos ali.

Uma amiga foi assistir comigo e disse ‘lá vem mais um filme sem final’. Acostumada às comédias românticas francesas e americanas, ela prefere aqueles filmes redondos, onde tudo que há pra ser dito é resolvido ali mesmo, na duração do filme. Mas se este se pretende mais próximo da realidade (à exceção da incomum profissão de Daniel), talvez ele não careça de um finalzinho redondo, mas de reticências, interrogações e alguma deixa para o futuro. Sarah Polley faz isso muito bem, talvez seja uma característica dela e não exclusiva da profissão, nas histórias que ajuda a construir, independente do gênero a que se dedica. A condição de permitir que participemos, que elas tomem nossos pensamentos quando saímos da sala, que nos faça discutir e imaginar ou que, pelo menos, tenhamos vivido umas duas horas de prazer, já valem o ingresso e a espera pelo próximo filme.

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3 Comentários

  1. quero muito ver.. "Minha Vida Sem Mim" é incrível, concordo com vc sobre Polley!

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  2. adorei a crítica!! saudades de você e vontades absurdas de ver o filme.
    beijos,
    ag

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  3. Tati,

    Confesso que não gostei do filme e que quase saí do cinema. Achei tudo gratuitamente vago e infantilizado demais. Eu até achava que a personagem de Michelle Williams tinha algum problema mental! Bem diferente de "Namorados Para Sempre", que considero com uma temática parecida. Ou também o excelente e maduro "Apenas Uma Noite".

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