Um pouco de Chile

by - abril 23, 2012

 

Agora me dei conta que não escrevi nada sobre o Chile. Foi minha primeira viagem pra fora do país sozinha. Não conhecia ninguém, à exceção de um contato de uma amiga de uma amiga que ia se casar por lá. Claudia é chilena ia se casar com um carioca em Santiago e generosamente me convidou para a festa. Sem nunca ter me visto.

Descobri que quando viajando só, as coisas mais fantásticas podem acontecer a qualquer momento, em qualquer esquina. Este casamento para poucos é um grande exemplo. E o mais legal é que não conhecendo ninguém, absolutamente tudo se torna novo. A cerimônia foi linda e rápida, percebi que se não todos, muitos eram amigos próximos e que estavam ali com a alegria de ver duas pessoas que se amam, casando. Me colocaram na mesa dos brasileiros e o que achei que ia ser um evento – para mim, de poucas horas – me fez ficar até o final e acordar meus colegas de quarto quando cheguei ao albergue. Bebemos muito, dançamos ainda mais e comecei a viagem da melhor forma possível.


Santiago é uma cidade especial. Provavelmente essa é uma frase que vai se repetir em todas as viagens, já que cada uma deve abarcar um monte de coisas, lugares e culturas interessantes. O negócio é que todos que tinham ido à Santiago (bem menos pessoas conheciam, ao contrário de Buenos Aires), me falavam que a cidade não era nada demais e nem tão charmosa quanto a portenha, que realmente é incrível.

Santiago é limpa, organizada, seus sistemas parecem funcionar muito bem e todas as pessoas foram muito educadas, simpáticas e prestativas. Do segurança do metrô a todos os policiais. Não é uma cidade de tango, ou cidade sensual como as nossas, mas ela vai te encantando sutilmente, você vai criando intimidade aos poucos e se surpreende sempre com a brutalidade com que a natureza se apresenta no meio de uma capital federal. É virar uma esquina e está lá, a cordilheira, como um imenso desafio, piscando pra você.


Em Santiago, os homens não te cantam nas ruas (à exceção do moço do caminhão que me mandou um beijo e pediu uma foto) e nas boates, te convidam apenas para dançar. E te pedem que olhe nos olhos. Essa é uma diferença brutal de comportamento, pelo menos pra mim. Quando nos chamam pra dançar no Brasil é um indício de que vão, no mínimo, lhe tocar, abraçar, encostar em você... e nunca se preocupam com os olhos. O rapaz que me convidou não estava interessado em mim, mas em outra brasileira do meu albergue e foi por isso que começamos a conversar. Ele era um pouco tímido e ela não se interessou. De alguma forma participei do assunto, já que ela não entendia muito espanhol e fui facilitar o diálogo. Terminei conversando bastante com ele, que tinha uma doçura no olhar, misturada com uma firmeza, alguma segurança de pessoa tranquila. Dancei com ele, mas era estranho perceber que ele ficava em encarando. Era estranho e divertido ao mesmo tempo. E intimidante. Até que ele percebeu e me questionou, por que eu não olhava pra ele. Expliquei que era muito diferente pra mim e que ficava tímida, e então ele me deu a sacada da coisa toda: se você olha nos olhos de um rapaz, ele é quem fica tímido e abaixa o olhar. E com isso, entendi como a cidade funcionava.


Quando começo a pensar nesta semana, milhões de pequenas histórias passam pela cabeça, não tanto como filmes, mas como um complexo amontoado de percepções íntimas, emoções de todo tipo, cenas incríveis, diálogos e vinho, muito vinho bom e despretensioso.

Fiquei num albergue perto da Avenida Brasil, mas foi sem querer. La Princesa Insolente me ganhou pelas fotos e pela pesquisa, e acertei em cheio. Não ficava no pico turístico, nas Ipanemas ou Copacabanas, mas era um espaço acolhedor e com muita gente disposta a conhecer mais gente ainda. No meu quarto eram 2 rapazes e 2 moças, contando comigo, mas nunca o mesmo grupo todas as noites. Um deles mais tarde se tornaria um companheiro acidental de quase a viagem inteira, incluindo o Atacama. Fabien é suíço e também estava viajando sozinho, com uma duração de jornada que só europeus e norte americanos conseguem ter.  Eu tinha uma semana em Santiago, outra no Atacama e parecia surreal só quinze dias para tanta coisa. De uma forma maluca, consegui encontrá-lo nas duas regiões e viramos companheiros de viagem, sempre trocando informações fundamentais, não importando se estávamos juntos ou não. A internet facilitou bastante o processo e íamos empolgando um ao outro sobre o que fazer ou não, especialmente no Atacama.


No topo do morro La Concepción tem uma santa. Como o Corcovado daqui, só que com outro clima. Claro, tinha o turismo, mas tinha silêncio. Todos tiravam fotos, mas falavam baixo e tinha uma arquibancada para sentar e ver a cidade inteira lá embaixo. Tinha também aquelas estantes com milhões de velas, promessas, pedidos e flores. A impressão que eu tenho é de que a cidade tem um tempo diferente. As pessoas param. Sentam, olham a vista, ficam nos parques, namoram. Olham nos olhos. Basta lembrar de Neruda e sua história e já dá pra ter uma ideia. E Salvador Allende. E o GAM. E a Catedral. E a garota da Catedral, desenhando calada o que acontecia ali.

E os cachorros? Santiago é uma cidade de cachorros. Estão em todos os lugares, vira-latas bem alimentados, tranquilos, convivem pacatamente com todo mundo. Estava no centro, atravessando uma rua para chegar ao prédio lindo do Correio, um monte de gente esperando o sinal. Uma policial estava do meu lado e um cachorro entre nós. Ele fez que ia atravessar antes da hora e a policial lhe chamou a atenção como se fosse dela. O cachorro obedeceu e atravessou a rua conosco. Não vi cocô nas ruas. Não sei como eles fazem para lidar com isso, mas nesse mesmo dia visitei o Museu de Arte Pre-colombiana, que também achei que ia ser um passeio rápido e me tomou um tempão. Lá tinha a história de como os cachorros eram elementos fundamentais da cultura. Tem uma escultura de um cachorro e uma explicação de que naqueles tempos eles eram guias de passagem para quem ia a La tierra de los muertos. É uma fidelidade que se mantém hoje, ainda mais quando lembramos dos filmes, tem até um com Richard Gere (com cara de ser bem meloso e ruim) que fala disso.


Em novembro, Santiago é quente e agradável de dia e fria à noite. O clima é meio seco, o que faz um bem danado pros cabelos e pra pele, desde que você também use hidratante. Senti mais sede do que o normal e era uma boa desculpa pra provar os sorvetes deliciosos de lá. Como não estou podendo comer frutos do mar, perdi uma grande parte da gastronomia, mas passei bem com as carnes e legumes. É uma cidade em que a comida não é das mais baratas, mas pra quem vive no Rio, tudo é possível e as porções são generosas. Ah! E as empanadas são sensacionais. Bem como as lojas de departamento. Precisava de roupas para o deserto e foi o que me salvou.


Esse ano, trabalhando no É Tudo Verdade, acabei conhecendo um casal de chilenos. O marido era protagonista do documentário do filho e passei alguns momentos com eles. De novo, pessoas incríveis, educadas, calorosas e tranquilas. Deve ter algo diferente na água de lá. E pensando bem, tem muito mais pra falar, mas vou deixar os pensamentos se organizarem um pouco mais, junto com as lembranças das pessoas e mais histórias surgirão naturalmente. Santiago não tem fim e ainda nem falei do deserto ao norte ou da minha vontade de ir ao sul. As viagens nunca terminam, eu acho. São sempre uma sequência de portas sem fechaduras. É só sair empurrando.

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3 Comentários

  1. Me emocionei com o seu post. Fui à Santiago em novembro de 2009 com meu namorado e adorei a cidade. Me hospedei perto do lugar que você ficou, na rua Huerfanos e tomei café com empanadas numa padaria da Praça Brasil, nada turística mas deliciosa. A hospitalidade das pessoas e a segurança que senti na rua a todo o momento me fizeram gostar mais de Santiago do que de Buenos Aires, se é que podemos compará-las.
    Adorei os parques da cidade, e a maneira como a população aproveita esses espaços. Vi inúmeros casais, famílias, grupos de amigos jogados na grama, curtindo um fim de semana ensolarado. Qualquer cantinho de grama era uma desculpa para ficar e relaxar. Sem hesitar, fizemos o mesmo e posso dizer que conheci bem os espaços públicos da cidade.
    A paisagem seca, os rios bem mais "finos" que os brasileiros, me deixaram bem impressionada, e também possuem o seu charme. Viajar é preciso, e renova a alma. Gostei da sua percepção sobre viagens, acho que penso de forma parecida. :)

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  2. Ah, só mais um comentário. A foto do caminhoneiro é impagável! Adorei!!

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  3. Eu pensei que ia chorar no final do texto, mas não chorei. Lembrei dos meus 20 dias incríveis no Chile, nas minhas histórias com essas pessoas, das minhas grandes amigas e daquele ex-grande amor. O Chile é doce, sutil e cada coisa funciona de um jeito que toca a gente como um susto rápido, um arrepio frio...Como se fosse abrir o olho e de repente ver os andes ali sorrindo para você e você lembrar que a ainda está numa cidade, numa capital federal...

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