Tomboy
O trailer chama atenção por já trazer os principais focos de
tensão da história. Mas, mesmo sem vê-lo, só o cartaz é suficiente. Tomboy conta a chegada de uma nova garota
à cidade, que está entrando na adolescência e começa a definir sua sexualidade.
Laure (Zoé Haren) tem 10 anos e acaba de se mudar com a
família para uma nova cidade. Uma tarde, decide sair para conhecer os vizinhos
e ao se apresentar, assume o nome de Mikael. A apresentação do filme é seu
grande trunfo: as consequências e os comportamentos de Laure na rua e em
casa são tão improvisados quanto essa nova
identidade que concebeu para si.
O silêncio é a marca maior da produção. Voltando ao cartaz,
vemos um mistério no rosto da protagonista. É ela, de cabelos curtos e
camiseta, numa expressão séria e uma parede floral ao fundo.
Esse é o momento em que sua irmã desenha seu retrato e pede que ela fique
quieta enquanto termina. Mas a expressão, a paciência de Laure e o mistério que
seu olhar carrega marcam o filme; ela é uma jovem calada. Por ser assim, por
guardar para si o que lhe acontece, é que a narrativa funciona.
A câmera acompanha sua trajetória se fixando sempre no
olhar; em Laure observando os garotos para mimetizá-los, em Lisa, a amiga e
líder do grupo de quem passa a gostar e que se torna sua namoradinha, nos
encontros com o espelho. Ao mesmo tempo, a acompanhamos em casa, nas
brincadeiras com a irmã Jeanne, com os pais. Somos
levados a participar da vida desta garota em planos quase documentais: não há
música na maior parte do tempo, a luz é natural e os planos com
poucos movimentos ampliam a visão da história que se desenrola, deixando que
nos concentremos mais nas ações dos personagens do que em jogos estéticos de
planos inusitados.
A questão de gênero e talvez da inocência são mote do filme
e nos fazem pensar em quando e de que forma também nossas preferências sexuais
são definidas. Laure se enxerga como um menino? Ela quer ser um menino? A
protagonista não parece se importar com as diferenças entre ela e os garotos e só
soma alguns apetrechos para não quebrar a ilusão criada. Ao mesmo tempo,
se deixa maquiar por Lisa que se surpreende em como ela fica bem de menina. Outro destaque é quando sua mãe
a obriga a usar um vestido, aumentando a tensão já no desenrolar do clímax. É
aqui que percebemos duas fortes questões: como Laure se envergonha de usar a
roupa e como sua família se comporta com essa reação. É como se a protagonista quisesse
desaparecer, já que não pertence àquela situação e não se enxerga sob aquele
figurino/personagem. Na verdade, sua mãe é quem a quer
mais feminina – ainda que não imponha isso a maior parte do tempo, deixando-a livre
para se vestir como quiser – e o pai está sempre ausente, mas com
o abraço consolador que nada resolve, a relação de Laure com sua família acaba de se enchendo de não-ditos e mal-entendidos.
Com um filme tão sensível e tratando de personagens em
formação, a diretora ainda teve uma grande ideia: chamar os amigos de Zoé Haren para participarem como atores mirins. Assim, ela ficaria mais à vontade no papel estando diante de conhecidos e a relação entre
as crianças seria mais natural. Para fidelizar o personagem, Zoé cortou os cabelos e a transformação
funcionou: ao olharmos para esta criança, não sabemos se é uma menina ou
menino.
Apesar do filme se centrar na
protagonista e na força de sua história, sua irmã não passa despercebida.
Jeanne (Malonn Lévana) tem 6 anos, é esperta e atenta. Engraçada como se isso fosse parte não
só do personagem como de si mesma, suas sacadas quebram a tensão do filme e
trazem leveza, reforçando a intenção da diretora em manter a narrativa focada
nas crianças. É ela que tem mais falas no roteiro e quem primeiro instaura a
tensão em Laure da descoberta da farsa, quando abre a porta de casa para Lisa,
que procura por Mikael.
Tomboy,
que não tem palavra similar no português, significa menina que gosta de
brincadeiras e atividades tipicamente
de meninos. Não suficiente, o filme se apodera do sentido e o estende até o
limite; tudo o que encontramos para caracterizar Laure é masculino: o quarto
azul sem detalhes femininos, bonecos masculinos, roupas. Ao mesmo tempo, não
aparenta uma confusão ou uma negação do corpo, como dito anteriormente. Talvez
a idade ainda não propicie mudanças tão drásticas às crianças que ainda estão
descobrindo a sexualidade e entrando na adolescência. Não é à toa que Lisa se
interessa por ele/ela; já conhece todos os garotos e o mais misterioso e que não é como os outros é Mikael.
Cheio de grandes questões, esse é um filme simples. Com muito pouco e filmado em um verão, é o segundo
longa de Céline Sciamma, feito de forma ainda mais enxuta que o primeiro, Lírios d’água (Water Lilies, 2007), que
também aborda sexualidade e homossexualismo, só que na adolescência. Acredito,
entretanto, que Tomboy não entra
nessa classificação que o reduziria,
mas como uma obra aberta e sensível. É um filme sobre a infância e o início da
adolescência, um período de descobertas e formação, que aqui vivenciamos de
forma leve e gostosa, nos permitindo tanto voltar no tempo e lembrar nossa
própria história quanto pensar em como seria o futuro desta.
Título Original: Tomboy
Diretora: Céline Sciamma
2011 França / 80 min
Site Oficial
1 Comentários
Formidável!!!!
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