Tomboy

by - janeiro 27, 2012

O trailer chama atenção por já trazer os principais focos de tensão da história. Mas, mesmo sem vê-lo, só o cartaz é suficiente. Tomboy conta a chegada de uma nova garota à cidade, que está entrando na adolescência e começa a definir sua sexualidade.

Laure (Zoé Haren) tem 10 anos e acaba de se mudar com a família para uma nova cidade. Uma tarde, decide sair para conhecer os vizinhos e ao se apresentar, assume o nome de Mikael. A apresentação do filme é seu grande trunfo: as consequências e os comportamentos de Laure na rua e em casa são tão improvisados quanto essa nova identidade que concebeu para si.

O silêncio é a marca maior da produção. Voltando ao cartaz, vemos um mistério no rosto da protagonista. É ela, de cabelos curtos e camiseta, numa expressão séria e uma parede floral ao fundo. Esse é o momento em que sua irmã desenha seu retrato e pede que ela fique quieta enquanto termina. Mas a expressão, a paciência de Laure e o mistério que seu olhar carrega marcam o filme; ela é uma jovem calada. Por ser assim, por guardar para si o que lhe acontece, é que a narrativa funciona.
A câmera acompanha sua trajetória se fixando sempre no olhar; em Laure observando os garotos para mimetizá-los, em Lisa, a amiga e líder do grupo de quem passa a gostar e que se torna sua namoradinha, nos encontros com o espelho. Ao mesmo tempo, a acompanhamos em casa, nas brincadeiras com a irmã Jeanne, com os pais. Somos levados a participar da vida desta garota em planos quase documentais: não há música na maior parte do tempo, a luz é natural e os planos com poucos movimentos ampliam a visão da história que se desenrola, deixando que nos concentremos mais nas ações dos personagens do que em jogos estéticos de planos inusitados.

A questão de gênero e talvez da inocência são mote do filme e nos fazem pensar em quando e de que forma também nossas preferências sexuais são definidas. Laure se enxerga como um menino? Ela quer ser um menino? A protagonista não parece se importar com as diferenças entre ela e os garotos e só soma alguns apetrechos para não quebrar a ilusão criada. Ao mesmo tempo, se deixa maquiar por Lisa que se surpreende em como ela fica bem de menina. Outro destaque é quando sua mãe a obriga a usar um vestido, aumentando a tensão já no desenrolar do clímax. É aqui que percebemos duas fortes questões: como Laure se envergonha de usar a roupa e como sua família se comporta com essa reação. É como se a protagonista quisesse desaparecer, já que não pertence àquela situação e não se enxerga sob aquele figurino/personagem. Na verdade, sua mãe é quem a quer mais feminina – ainda que não imponha isso a maior parte do tempo, deixando-a livre para se vestir como quiser – e o pai está sempre ausente, mas com o abraço consolador que nada resolve, a relação de Laure com sua família acaba de se enchendo de não-ditos e mal-entendidos.
Com um filme tão sensível e tratando de personagens em formação, a diretora ainda teve uma grande ideia: chamar os amigos de Zoé Haren para participarem como atores mirins. Assim, ela ficaria mais à vontade no papel estando diante de conhecidos e a relação entre as crianças seria mais natural. Para fidelizar o personagem, Zoé cortou os cabelos e a transformação funcionou: ao olharmos para esta criança, não sabemos se é uma menina ou menino.
Apesar do filme se centrar na protagonista e na força de sua história, sua irmã não passa despercebida. Jeanne (Malonn Lévana) tem 6 anos, é esperta e atenta. Engraçada como se isso fosse parte não só do personagem como de si mesma, suas sacadas quebram a tensão do filme e trazem leveza, reforçando a intenção da diretora em manter a narrativa focada nas crianças. É ela que tem mais falas no roteiro e quem primeiro instaura a tensão em Laure da descoberta da farsa, quando abre a porta de casa para Lisa, que procura por Mikael.

Tomboy, que não tem palavra similar no português, significa menina que gosta de brincadeiras e atividades tipicamente de meninos. Não suficiente, o filme se apodera do sentido e o estende até o limite; tudo o que encontramos para caracterizar Laure é masculino: o quarto azul sem detalhes femininos, bonecos masculinos, roupas. Ao mesmo tempo, não aparenta uma confusão ou uma negação do corpo, como dito anteriormente. Talvez a idade ainda não propicie mudanças tão drásticas às crianças que ainda estão descobrindo a sexualidade e entrando na adolescência. Não é à toa que Lisa se interessa por ele/ela; já conhece todos os garotos e o mais misterioso e que não é como os outros é Mikael.

Cheio de grandes questões, esse é um filme simples. Com muito pouco e filmado em um verão, é o segundo longa de Céline Sciamma, feito de forma ainda mais enxuta que o primeiro, Lírios d’água (Water Lilies, 2007), que também aborda sexualidade e homossexualismo, só que na adolescência. Acredito, entretanto, que Tomboy não entra nessa classificação que o reduziria, mas como uma obra aberta e sensível. É um filme sobre a infância e o início da adolescência, um período de descobertas e formação, que aqui vivenciamos de forma leve e gostosa, nos permitindo tanto voltar no tempo e lembrar nossa própria história quanto pensar em como seria o futuro desta.

Título Original: Tomboy
Diretora: Céline Sciamma
2011 França / 80 min
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