Por que assistir | Crítica: Acossado (1960)

by - outubro 31, 2011

Um dos melhores filmes da vida, um charme e delícia de assistir que ultrapassa décadas. Um clássico atemporal e para rever sempre. Este é Acossado, de Jean-Luc Godard.


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Acossado, Jean-Luc Godard

Já vi o filme algumas vezes e ontem foi mais uma. Presente da Nouvelle Vague, Acossado consagrou ao mesmo tempo Godard, Truffaut, Chabrol, Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg para sempre. Foi o primeiro filme dirigido por Godard e ele ainda aparece, como Hitchcock fazia, com um pequeno papel. Truffaut é o roteirista e Chabrol supervisionou a produção. Belmondo faz o papel de Michel Poiccard, um ladrão de carros que, saindo de Marselha, acaba matando um policial. Vai a Paris para receber o dinheiro de uma dívida e encontrar Patrícia Franchini, uma jornalista americana a quem tenta convencer a viverem juntos em Roma. Patrícia é essa moça que não usa sutiã e prefere ser independente a viajar com Michel sem garantias, numa condição desfavorável pra ela.

Nossa heroína faz uma brincadeira sobre Romeu e Julieta, Michel procura o horóscopo no New York Herald Tribune. A sorte de que ela desdenha é a mesma que ele parece não encontrar, apesar de circular pela cidade e se resolver como um gatuno, um desses vagabundos que tanto adoramos no cinema. Michel é um anti-herói. Ele é o oposto da ordem, moral e bons costumes tanto quanto outros grandes anti-heróis do cinema, vide Scarface (que serviu como inspiração para o filme), ou o brasileiro Super Outro, do baiano Edgard Navarro. O trailer o identifica como o mocinho sem caráter e anárquico, já que ele nada busca ou defende, quer apenas sair daquela situação e viver em outro lugar.

Não só isso, a construção do personagem e a intimidade dos protagonistas nos fazem querer ser aquele casal, estar naquele apartamento, participar daquela intimidade. Jean Seberg conquista qualquer um com um rosto que parece desenhado, um charme irresistível e também por se opor àquele por quem nós já estamos apaixonados. Seu corte de cabelo será repetido no cinema em todas as décadas seguintes.

Saindo do encantamento dos atores, corremos para a direção. Godard passeia com a câmera na mão boa parte do filme, com a agilidade de um roteiro policial e exibindo aquela privacidade dos protagonistas. A impressão que temos é de que tudo é iminente e que em algum momento a polícia vai chegar. Essa urgência que vemos é tanto reflexo da década - da Cahiers du Cinéma (que também tem uma pontinha no filme), de uma nova forma de ver cinema, menos empolada, mais simples e com gente nova e sedenta de criatividade e ritmo - como da própria agilidade de produção; o roteiro era constantemente revisto pelo diretor e as cenas eram entregues aos atores momentos antes de filmá-las.

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Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo | Acossado

O filme é participativo: constantemente os personagens nos fazem alguma revelação, como se conversassem conosco, voltados para a lente. Nada passa despercebido e até quando algo acontece no plano de fundo, o diretor não nos abandona; ele aponta: olhem ali. A montagem funciona como um personagem, instaurando uma nova forma de associar planos alterando a duração e recepção de uma mesma ação – ao invés de esperar o fim de uma e cortar pra outra – e dissociando o som do que se vê, enriquecendo de significados a engrenagem da construção de sentidos no cinema.

A trilha ajuda a manter o ritmo do filme, junto com a montagem entrecortada que hoje é estudada nas escolas de cinema e usada como influência e homenagem em diversos filmes. Uma música entre o misterioso e corriqueiro, entre as escapadas, as artimanhas de nosso herói e os embates românticos ganham uma graça, um tom leve, não tão carregado de suspense, mas de cotidiano, reforçando ser aquela a rotina do protagonista.

A impaciência do dia a dia se solidifica na repetição das ações, do comportamento, do esvaziamento que a rotina traz e que se mostra ainda mais concreta quando voltamos a um lugar que não vamos há tempos e ele segue igual – inclusive nas pessoas que freqüentam (parecem saídas de um molde) – como se todos os dias em que estive ali se resumissem em um. Mas esquecemos de tudo isso nestes 90 minutos, nos entretemos com um filme já visto e revisto sem tédio, encontrando sempre algo novo dentro da obra. Filmes assim seguem sem data, ou talvez com o reforço dela. A graça de Acossado está também em relembrar aquele movimento que estava nascendo, um pouco como aqui no Brasil com o Cinema Novo ou na Itália do Neo-Realismo, uma revolução cultural única em séculos no mundo inteiro e que eu não estava lá pra ver.

Não dá pra fazer crítica de clássicos, só nos resta opinar. A crítica serve como formação de público a filmes novos, para que o espectador decida se o filme está de acordo com sua curiosidade. Com Acossado, o que podemos fazer é relembrar como foi, a grande importância que teve e assegurar diversão garantida a um preço justo. Ainda não sei se o problema está em mim, nos grandes filmes ou lugares pequenos mas, cada vez mais, troco as saídas que se repetem pelos clássicos a se rever.


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1 Comentários

  1. Amo Acossado e a Nouvelle Vague!! Eles desconstruiram toda a linguagem cinematográfica criada (porém não menos importante) por Hollywood e criaram um estilo próprio. Queria ter vivido nessa época, na França. Definitivamente não pertenço a essa época atual. Sem falar que também odeio usar sutiã!

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