Crítica: Respiro (2002)

by - agosto 21, 2009

Há filmes que passam por nós sem que os percebamos. Vão aos cinemas, entram nas locadoras e um belo dia encontramos na capa um motivo e a surpresa é inevitável. São filmes como Respiro que devem, primordialmente, ser vistos no cinema.


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Infelizmente o vi apenas agora, na minha tv, numa noite de chuva. Respiro conta a história de uma família siciliana que vive em Lampedusa, uma pequena ilha. O nome da ilha só dá pra saber se você já conhecer o local ou ler a sinopse no dvd, porque o filme não indica e prescinde disso. Esta família tem uma mãe cuja natureza é distinta de todas as pessoas ali residentes e seu comportamento confunde e incomoda a vida da comunidade.

O filme tem algo que me lembra Lucía e o Sexo, de Julio Medem. Em Lucía, a protagonista também é uma mulher impetuosa e intempestiva cuja cartilha da própria vida vai escrevendo com os sentimentos e impulsos. Ainda temos fotografias e locações (no caso de Lucía, Espanha) cuja beleza natural deve espantar até os moradores. Mas as semelhanças acabam aí.

A beleza de Respiro está na ausência. Em Grazia, que diz muito em pouquíssimas palavras, que vive conforme a natureza e o mar em seu olhar. Grazia é instinto, sua paixão pela vida está, não no que seria o termo liberdade, mas numa forma de viver autônoma e independente, espontânea. E, enquanto seu marido luta para conseguir conviver com tanto amor a esta estranheza, aqueles que estão sob sua órbita percebem apenas incômodo e desconforto. Tão próximos e não menos importantes, os filhos e seu carinho, o querer de cada um e como compreendem o que têm ao seu redor. A cada um, uma expressão particular, uma relação íntima, um entendimento. Aqui a compreensão das partes, dos filhos, das funções sociais que conhecemos tão bem vão se transformando gradualmente, suavemente como se devesse ser sempre assim.

Ao mesmo tempo em que percebemos a trajetória do filme como a história de um vilarejo em que todos parecem vizinhos, embarcamos numa cultura particular de um povo que vive bem com o que acharíamos muito pouco. A cultura arraigada ali, o calor entre as pessoas e o olhar vibrante como as palavras, criam um ritmo próprio e queremos que o filme nunca acabe. De roteiro aparentemente simples, é firme a complexidade e universalização das relações. Conseguimos fazer parte de um universo que nos é distante geograficamente, culturalmente. Assim é contada uma boa história, como acontece a um bom livro.

Felizmente vi Respiro agora. O filme há que ser visto com o carinho de quem quer conhecer, ter uma experiência de beleza e emoção, a paixão, comer com olhar cada nuance da fotografia e do natural que transborda das locações. É uma pena, porque só consigo pensar em elogios e palavras que se repetem em minha cabeça e dá vontade de conversar, falar, narrar cada cena que nos marca, cada luz e fotografia, os diálogos, os personagens, o olhar de cada um, os sentimentos ali contidos e depois expostos. A impressão que dá é que os atores não mais existem, que são aqueles personagens, que não há encenação. É um filme em que o ideal é que se escreva pouco sobre ele, que se assista e sinta. Assim é mais fácil entender, sem pensar muito, ou pensando com o coração.

Título Original: Respiro
Diretor: Emanuele Crialese
Itália, 2002. 91 min.

Citado:
Título Original: Lucía y el Sexo
Diretor: Julio Medem
Espanha, 2001. 128 min.

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