Serras da Desordem

by - maio 20, 2008

Por falta de condições físicas para postar coisas legais, mando esse texto razoável sobre o Serras da Desordem. De antemão, informo que era uma resenha para a pós e que me faltou um pouco de inspiração. Aceito críticas. :)


O documentário brasileiro vem tratando da inovação da linguagem e da presença mais visível do autor como nunca. Agora admite-se com menos embaraço a parcialidade fundamental do diretor e seu ponto de vista, sepultando de vez o entendimento do real absoluto, da verdade única vista nas telas apenas com a apresentação do fato registrado. Descobrir se o que está passando na tela é real ou um fato encenado é uma questão recorrente e o documentário, categoria do cinema a experimentar as transições e extrapolar os limites desta dualidade, inova a cada instante, variando em sua linguagem e outros atributos para nos garantir uma interpretação do que acreditamos ser real e documentado.

Serras da Desordem conta a história de Carapiru, um índio encontrado na mata por uma comunidade no sertão baiano após o massacre de sua família. O que o filme traz de diferente é a forma como desenvolve a trama. Misturando ações encenadas por não atores, imagens de arquivo e atuais, o filme tenta diminuir a quantidade de depoimentos, focando na montagem acelerada e significativa. Imagens-símbolo da atualidade e das causas para a demarcação do território indígena nos remetem aos filmes de Godfrey Reggio (trilogia "qatsi", de produção de Francis Ford Coppola), que firmam-se apenas na música e montagem, deixando para o espectador a interpretação para a modernidade e o caos que nos cerca. Por outro lado, a encenação de Carapiru de sua história insere o questionamento da fidelidade do fato revisto na tela e de sua importância.

Santiago é hoje o documentário brasileiro mais autoral já feito e é justamente nele que questionamos todo o real inscrito. João Moreira Salles quer que seu público conheça o mordomo de sua casa e, com visitas a ele após anos de trabalho, descobrimos um personagem que fica preso ao filme que o diretor quer fazer, a uma fidelização que este tinha com o Santiago de seu imaginário. O Santiago real é mostrado nos intervalos, quando aceita ser dominado aos desejos e intuições do cineasta e o obedece como o mordomo de outros tempos. Em Serras da Desordem não é diferente: Andrea Tonacci toma as rédeas do que quer expor e comanda a vida de Carapiru, reencenando seus hábitos e dominando sua fala, que ouvimos tão pouco.

Dócil como o bom selvagem de Rousseau, Carapiru está sempre rindo ou com olhar vazio, de alguém que perdeu seu espaço e vive em um meio que lhe é indiferente. Não há como saber os detalhes do acontecimento, mas a encenação de Carapiru identificada nas primeiras seqüências e que traduzem o nosso ideal de índio inserido na natureza e sendo parte integrante dela, é confirmada final, como uma possível homenagem a Flaherty e seu Nanook. Aqui, a voz de Tonacci indica o ação! cinematográfico, compreendido logo no início para espectadores atentos ou acostumados a este tipo de intervenção.

A passividade do índio é o facilitador para o diretor, que aproveita sua história para nos fazer lembrar de um problema que pouco é resolvido no país. A questão indígena é tratada como pano de fundo, o trabalho da FUNAI, a vigilância fraca, o desmatamento clandestino e o espaço do índio. Enquanto Carapiru se apresenta, vemos como ele é tratado, com a tentativa de incorporação ao mundo civilizado e o retorno aos seus, agora protegidos em uma território especial.

Serras da Desordem
é filme de experimentação, é a descoberta de uma situação que não temos o costume de acompanhar e seu mérito está em nos fazer crer, a partir de uma história verídica, todo o acontecido, agora encenado por seus protagonistas reais. Apesar de ser um filme extenso e por vezes cansativo, conhecer Carapiru e entrar em sua intimidade pelo olhar do outro quase incomoda, quando pensamos que ele quase não nos compreende e o estamos observando, como voyeurs de uma personalidade distinta, de um tempo passado e espaço desconhecido. A câmera indica o exótico em seu dia-a-dia e o investigamos a partir dela, tirando conclusões com base em uma opinião apresentada pelo diretor. Tanta subjetividade não impede o espectador da experiência com o personagem real do filme, ao contrário, a sinceridade com a voz final do diretor reme a autoria e sua tentativa de recriar o real, para que possamos visualizar o acontecido e não ficar presos apenas em uma narrativa oral, com imagens criadas com base em nosso imaginário sobre o tema.

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2 Comentários

  1. José Carlos Costa08 janeiro, 2015

    Sou cunhado do Andrea Tonacci e gostei do seu ponto de vista a respeito da realidade indígena e comentários sobre a pessoa do Carapicuru.

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  2. Oi José Carlos, obrigada pelo retorno! O filme marcou mesmo, mas vi que o texto carece de alguma revisão ortográfica. Desculpa as falhas de digitação e um ótimo novo ano para nós.

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